042 – Kraftwerk – The Capitol Years

Durante os anos 70, entre o progressivo e o punk, a disco e o hard rock, surgiram na então Alemanha Ocidental bandas que procuravam novas formas de expressar a música. Tangerine Dream, Can e Kraftwerk eram as novas caras da música alemã, que tinha perdido sua identidade após a Segunda Guerra Mundial. O Kraft começou com a dupla Florian Schneider e Ralf Hütter, na virada da década de 60 para 70. Eles fizeram parte de um grupo chamado Organisation, mas logo pularam fora. O resto é história. Com discos brilhantes se firmaram como um papa para a nova geração new wave e até para quem já era descolado (David Bowie). O grupo está na ativa até hoje, ainda que descansando. Nos últimos tempos, mesmo hibernando em cds, fazem turnês concorridíssimas, e estiveram até no Brasil, sempre a bordo do estúdio portátil Kling Klang. Conheça um pouco da história deste grupo que mexeu com muita gente.


 

Eu me lembro de quando ouvi pela primeira vez o nome Kraftwerk. Estava no colegial, no segundo ano e, como sempre, para um menino do interior de São Paulo, só tinha a Bizz para ler, já que conhecia pouca coisa de música. Eles tinham acabado de lançar Electric Cafe e depois de uma resenha do disco, comprei esse e os outros da banda. Eu só sabia que eles tinham influenciado o pessoal da new wave (ou pós-punk, como gostava de definir a crítica). Até o Bowie, que eu não curtia muito ainda, era fã de carteirinha. Tive que correr atrás. Meu segundo vinil deles foi o Radio Activity e confesso que gostei muito. Era bem diferente do Electric Café, mas muito inovador.

O grupo foi formado no começo de 1970. Em alemão Kraftwerk é Usina de Força. Ralf e Florian convidaram então Klaus Dinger e Thomas Homann para fechar a formação do grupo e lançaram o primeiro disco, batizado apenas como Kraftwerk. O trabalho foi gravado entre Julho e Agosto de 1970. Foi produzido pelo lendário Connie Plank que trabalharia no futuro com Eurythmics e Ultravox. O LP foi sucesso na Alemanha e eles fizeram vários shows pelo País.

No ano seguinte lançaram o disco Kraftwerk 2, ainda com a produção de Plank. O grupo voltou a ser o duo original com o disco Ralf and Florian de 73. Em 74, lançaram a primeira obra-prima, Autobahn, em homenagem às auto-pistas alemãs. A música-título tinha mais de 22 minutos. Uma edição menor da canção penetrou nos Top 10 dos EUA e da Inglaterra. O grupo já era uma febre. A banda começava a ganhar mais admiradores, inclusive de quem tinha influenciado a banda a formar-se..

“Nós ouvíamos Karlheinz Stockhausen, Tangerine Dream e Can. Também gostávamos muito do Pet Sounds, dos Beach Boys. Achava genial aquelas orquestrações de Brian Wilson”, confessa Hütter.

Já na década de 90 achei uma caixa de um selo californiano especializado em gótico e eletrônico, chamado Cleopatra. A gravadora lançou, em edição limitada, uma caixa com três dos mais importantes discos da banda (Radio ActivityTrans-Europe Express e The Man-Machine), chamada The Capitol Years, em 1994. Infelizmente essa edição já está fora de catálogo, mas a capa você confere aqui. Não há nenhuma música a mais, apenas um pôster, um livreto e um colante da banda.

Todos os discos são determinantes para o grupo e tudo que se fez nos anos 80 e 90 na música eletrônica. Dos três, meu favorito segue sendo Trans-Europe Express, com a fantástica “Hall of Mirrors” (que foi tema de um comercial de sapato por aqui, chamado Starsax. Alguém se lembra disso?) e a faixa-título, em que há uma homenagem a Iggy Pop e David Bowie.

“Depois que me refugiei em Berlim para fazer discos diferentes e me livrar do vício da cocaína, comecei a ouvir direto os discos do grupo. Confesso que muita coisa do que eu gravava na época era influenciado por eles. Eu ouvia o Autobahn direto e fiquei muito feliz com a inclusão de meu nome na canção-título. Nós tínhamos uma afinidade. Pena que a minha gravadora (RCA) não tenha dado a devida importância para os meus álbuns Low‘, “Heroes” e Lodger. Eu só estava fazendo aquilo que o Kraftwerk fazia desde o início da década de 70. E os álbuns deles eram melhores.”, conta David Bowie.

Bowie não foi o único influenciado. Já com as chama em baixa e recolhendo as cinzas do movimento punk, muitos grupos como o Joy Division seguiam à sua maneira a banda alemã. “O Ian (Curtis, vocalista) adorava Kraft, Bowie, Iggy Pop e Lou Reed. Quando ouvi pela primeira vez o Kraftwerk me bateu uma coisa esquisita. Aquilo não fazia parte da nossa música, mas de alguma maneira era uma grande referência na nossa formação. Ouvíamos esse tipo de som direto. A influência ficou mais visível quando montamos o New Order. Não há um disco ruim, todos possuem um estilo diferente. São obras fechadas, elas se auto-completam, não precisam de volume 1 ou 2. Os discos todos conceituais, com um começo, meio e fim. São maravilhosos”, define o baixista Peter Hook.

Realmente há referências do Kraftwerk na banda de Manchester. O Joy começou a flertar com a eletrônica e os dois discos da banda são obras fechadas, com capas difíceis de serem explicadas. Uma pena que em vida o Joy tenha feito apenas dois discos.

Uma das maiores curiosidades da banda é seu estúdio portátil Kling Klang, onde gravam os discos e o levam para os palcos das turnês. Quando vieram ao Brasil, em outubro de 1998, quase levaram os engenheiros eletrônicos à loucura com a complexidade de montar o estúdio no Festival Free Jazz. A banda também ficou tensa, pois odeia que seus equipamentos sejam tocados por outras mãos que não as suas.

“Não há coisa pior do que ter seu material violado. É assim que me sinto quando vejo pessoas desconhecidas ou até mesmo fãs querendo tocar no Kling Klang. Nosso estúdio é um local sagrado de trabalho. Por causa de sua complexidade é que damos poucos shows. Eu fico extremamente irritado quando alguém mexe em algum computador”, revela Florian.

A banda possui outros trabalhos interessantes como o single de Tour de France, que foi finalmente editado em CD em 99 e teve uma reedição comemorativa em 2003. A prova ciclística mais famosa do mundo sempre despertou curiosidade no grupo. De bônus, há um filme com alguns momentos do evento.

O último disco do Kraftwerk foi um single chamado Expo 2000, feito para a feira de Frankfurt, que agitou os mais fanáticos.

A banda possui muitas particulariedades. Certa vez, mandaram para o presidente da gravadora uma cópia do que seria o disco Computer World, em 1981. Como chegou lacrada, ele chamou todos os executivos do selo para que ouvissem o novo trabalho. Quando foi aberta havia apenas havia um pequeno bilhete escrito “desculpem, mas música só daqui a seis meses”. Só não foram demitidos porque eram grandes vendedores e possuíam grandes fãs entre os diretores.

Holger Czukay, do Can, afirmou: “Nós ficamos sem referência de cena musical na Alemanha após a Segunda Guerra Mundial. Não havia mais o que ouvir e então começaram a pipocar bandas como nós, o Tangerine, o Neu, e o Kraft. Eles conseguiram entender bem o desenvolvimento do país e puseram com muita competência os novos sons, com que os jovens puderam se identificar. O fato de cantarem em inglês facilitou muito a entrada no mercado mundial. Florian e Ralf são fechados, tímidos, mas de um grande caráter. Eles contribuíram muito para que a nova cultura da Alemanha fosse bem vista no mundo todo.”

Quase todos, ou todos os discos da banda saíram no Brasil e merecem ser procurados. Se você quer entender de onde tanta gente legal buscou o som, que até rappers samplearam, ouça algo do Kraft. Um abraço a todos e até a próxima coluna.

Discografia

Kraftwerk 1 (1971)
Kraftwerk 2 (1972)
Ralf and Florian (1973)
Autobahn (1974)
Radio-Activity (1975)
Exceller 8 (1975)
Trans-Europe Express (1977)
The Man-Machine (1978)
Computer World (1981)
Tour de France (1983)
Electric Café (1986)
The Mix (1991)
The Capitol Years (1994)
The Model: Best Of Kraftwerk (1994)
Expo 2000 (1999)
Tour de France Soundtracks (2003)
Minimum-Maximum (2005)