067 – Talking Heads – Stop Making Sense

Várias pessoas amigas ou desconhecidas me abordam sobre a seguinte questão: o que eu prefiro, LP ou CD? Eu sempre digo que não faço distinção, desde que eu tenha uma cópia de cada formato do trabalhos que adoro… risos. Mas voltando ao tema, alguns argumentam que o vinil possui uma qualidade de som melhor, que a capa continua sendo um atrativo todo especial (e isso eu sou concordo 100%). Já quem defende o CD aponta sua praticidade e a capacidade de reunir músicas extras devido ao maior número de minutos disponíveis. Isso também me agrada. Enfim, é quem nem discutir quem veio primeiro, o ovo ou a galinha.


capa original do LPMas eu sou grato ao formato CD, pelo menos com este disco. Eu tenho o vinil desde 1986 e fiquei maravilhado quando em 1999 saiu uma edição especial com quase o show inteiro, excetuando duas músicas: “Cities,” e “I Zimbra”/”Big Business”.

O motivo era que eu já possuía uma fita pirata (nos anos 80 achar uma cópia do filme além de cara era quase impossível) e ficava sempre frustrado com o vinil. “Psycho Killer” havia sido cortada em alguns minutos para ter um formato mais acessível e as seqüências das canções – importantes dentro da concepção da apresentação – foram deixadas de lado. Por isso, quando chegou o CD ouvi várias vezes, peguei minha velha fitinha do armário (e juro que ainda vou comprar uma cópia melhor. Mas será em VHS, ainda não possuo DVD) e curti novamente. Stop Making Sense não é um simples disco ao vivo. É uma obra de arte.

Se há uma coisa que admiro em David Byrne é saber misturar à perfeição música com performance. Em minha modesta opinião, os Talking Heads só foram superados neste quesito pelo eterno David Bowie, que possui alguns atributos a seu favor: canta muito melhor, é mais carismático e possui vasta experiência no assunto, já que na década de 60 abriu muitos shows do Tyrannosaurus Rex (antes de virar T. Rex, do seu amigo Marc Bolan), como mímico. Mas Byrne chega perto. Muito perto.

A banda atravessava um período dolorido de reconciliação. Após Remain in Light, de 1980, último trabalho em parceria com Brian Eno, Jerry Harrison, Tina Weymouth e Chris Frantz avisaram para Byrne que não queriam mais o produtor como um quase-membro do grupo. A maior crítica vinha que Eno era centralizador, manipulador, apesar de ser um excelente produtor e grande músico. Tina e Chris resolveram dar um tempo na Jamaica e fundaram o Tom Tom Club, onde explodiram com vários singles de sucesso como “Genius of Love” e curiosamente conseguiram vender mais discos do que todo o trabalho dos Talking Heads.

Jerry lançou um disco chamado The Red and The Black, além de continuar a cultivar o hobby de fotografia. E David? Bom, ele não parou um segundo sequer. Primeiro foi produtor do B-52’s no disco Mesopotamia, o que menos vendeu do grupo, apesar da extrema elaboração e cuidado de Byrne, que havia aprendido muito com Eno. O próximo projeto foi lançar um disco em parceria com o próprio Brian, intitulado My Life in The Bush of Ghosts, em fevereiro de 1981. Com alguma razão é considerado o embrião da “world music”, tamanha a mescla e colagem de sons. Em novembro do mesmo ano, Byrne lança The Catherine Wheel, ainda mais estranho. Twyla Tharp, que possuía uma companhia de dança pediu que ele fizesse uma trilha sonora para seu espetáculo montado na Broadway. Parecia que a banda realmente tinha chegado ao fim.

“Todos nós estávamos cansados de ser considerados um grupo de vanguarda. A parceria com Eno foi ótima em termos técnicos, mas as gravações eram um pesadelo. A cada segundo ele parava e dizia para tomarmos uma nova direção. Só David concordava. Nós não tínhamos liberdade para criar, que sempre foi o nosso ponto principal. Foi por isso que eu e Chris mudamos para Nassau, após fazer Remain in Light. Queríamos paz, e poder voltarmos a escrever nossas músicas. Lá as casas não têm números, apenas nomes. A nossa era chamada de Tom Tom Club. Adoramos e resolvemos fazer um grupo intitulado assim.”, conta Tina.


David Byrne apresenta a baixista Tina ao público durante a canção 'Take Me To The River'.“Nosso apartamento era perto de um rio, imenso e ficávamos ensaiando sem parar. Muitas coisas do Speaking in Tongues (disco do Talking Heads, de 1983) foram feitas lá. Nós convidamos Adrian Belew, que havia tocado conosco nos álbuns que fizemos com o Brian. Ele é um guitarrista extraordinário.”, lembra Chris.

“Foi um convite maravilhoso. Levei toda minha família e ficamos três semanas. A única coisa ruim foi fazer ‘Genius of Love’. A canção toda era um ‘groove’ e comecei a improvisar fazendo dois longos solos, provavelmente os dois melhores que consegui realizar em minha carreira. E fiquei maluco quando o engenheiro de som os apagou, porque não ia com a minha cara. Ele chegava para mim e dizia que não queria distorção. Quando voltei a Bahamas um tempo depois, Chris e Tina me deram uma fita com a canção e disseram que o tal Steve tinha apagado meus solos. Foi uma maneira chata de descobrir”, relembra Adrian, que foi o único músico que participou de todos os projetos solos dos integrantes do Talking Heads naquele período.

Quando em Janeiro de 1982, “Genius of Love” alcançou o topo das paradas e rapidamente começou a vender que nem água, Tina e Chris ficaram surpresos. “foi um dos discos mais tolos da história da música e mesmo assim vendeu horrores”, confessa Chris. Bobagem ou não, “Genius of Love” virou uma espécie de hino para os rappers que o samplearam à exaustão aumentando ainda mais sua popularidade.

Para saciar a saudade dos fãs, foi lançado o álbum duplo ao vivo This Name of This Band is Talking Heads, um trabalho peculiar, já que pegava apresentações desde 1977, quando a banda ainda não havia assinado com nenhuma gravadora e mostram tocando nas salas de suas casas para alguns amigos até a turnê de 1981, quando o grupo chegou a ter quase dez integrantes no palco (e que finalmente será lançado em CD agora no mês de setembro no ano de 2004!).


Após essa separação de dois anos, Tina, Jerry e Chris resolveram reencontar David para tentarem começar a construir um novo disco com o nome Talking Heads. “Nós fizemos apenas duas exigências: queríamos poder participar de todo o processo de criação e que Eno fosse descartado. David concordou com ambas”, explica Jerry.

David explica um pouco como foi a gestação de Speaking in Tongues: “Eu tive muito trabalho para poder voltar a escrever letras diferentes do passado e além disso queria tentar cantar de uma maneira diferente. Umas das primeiras coisas que fizemos foi procurarmos outro guitarrista. Uma pessoa da Warner nos recomendou Alex Weir, um excelente guitarrista-rítmico que trabalhava com Quincy Jones. Acabamos o convidado para dar uma nova sonoridade.”

“O processo de gravação desse disco foi muito mais gostoso, leve e agradável de ser realizado. Na verdade foi o melhor disco que fiz com o grupo, porque de fato, voltamos a ser uma grupo, não havia mais a tensão que Eno impregnava, que sempre falava: ‘ah, isso é muito batido, vamos fazer algo mais experimental’. Aquilo tudo era uma tortura. Os bons tempos haviam voltado”, conta Chris.

Tina concorda com o marido: “David sempre foi um cara atencioso, amigo e gentil. Ele viu que os dois anos que ficamos separados permitiu que cada um tivesse um ponto de vista diferente. Era nítido o esforço que ele fazia para ser mais aberto, porque ele sempre foi o líder da banda.”

“Após as primeiras gravações, comecei a elaborar as letras. Eu queria coisas meio nonsense, alegres e que pudessem casar perfeitamente com as melodias que havíamos criado”, fala David.

O álbum foi concluído em Novembro de 1982 e o grupo fez alguns shows. Além dos quatro integrantes, juntaram-se ao gripo, Bernie Worrel, Steve Scales, Alex Weir e Dolette McDonald. Nesse meio tempo, Tina teve um filho no dia 4 de Novembro, batizado como Robert Weymouth Frantz, em Nassau.

Speaking in Tongues foi lançado no dia 1º de junho de 1983 e fez um enorme sucesso. Motivado, o grupo começou a organizar uma excursão para a divulgação, quando acabaria sendo gravado Stop Making Sense.

Como o disco tinha um forte apelo visual, especialmente nos clips, resolveram manter a mesma idéia para a tour. O primeiro convidado foi o diretor Jonathan Demme (que ganharia nos anos 90, um Oscar como diretor por Silêncio dos Inocentes). Um filme seria realizado gravando as quatro últimas apresentações do Talking Heads, no Pantages Theatre, em Hollywood com um orçamento de US$1,2 milhão.

“Eu estava completamente diferente no palco. Resolvi mudar totalmente minha postura, fazer algo mais cênico. Eu ficava em casa inventando movimentos, coisas que ficariam interessantes de serem filmadas. Não me acho bom nisso, mas tentei, ainda assim, fazer coisas que ninguém havia tentado”, confessa Byrne.

Demme contou que ficou fascinado com o grupo ao vê-los em Los Angeles: “eles estavam se apresentando no Greek Theatre e senti que daria um excelente filme, devido aos movimentos e ritmos que todos tinham em cena. Mas eu queria mostrar de uma forma direta, sem cortes. Eu tinha visto The Last Waltz do The Band e um show do Bowie para a HBO e fiquei irritado com os cortes bruscos e repentinos que faziam. Minha idéia era algo mais orgânico.”

A primeira sacada do diretor foi mostrar um palco cru, sendo montando durante as canções. David entra sozinho acompanhado de um violão e um gravador com uma base gravada e executa “Psycho Killer”. Enquanto canta e toca, começa a fazer momentos estranhos. Outra idéia era não filmar os espectadores durante o concerto e sim apenas no final do espetáculo. “A idéia básica era fazer o espectador não conseguir ficar sentado enquanto assistia ao filme, que ele desejasse estar lá”, revela Demme. A banda tinha sofrido algumas modificações: no lugar de Dolette, entraram as vocalistas Lynn Mabry e Ednah Holt.

Os músicos em palco eram: David Byrne – guitarra e voz; Tina Weymouth – Baixo, teclado e vocal; Jerry Harrison – voz, guitarra e sintetizador; Chris Frantz – bateria e voz; Bernie Worrell – Teclados; Alex Weir – guitarra e voz; Steven Scales – percussão; Lynn e Ednah – backing vocals.

O repertório era também o mais eclético possível: além de canções do grupo, havia uma de Byrne do projeto Catherine Wheel (“What A Day That Was”), “Genius of Love”, do Tom Tom Club e uma cover de “Take Me To The River”, de Al Green.

Byrne mostra ser um performer extraordinário, dando voltas por todo palco, brincando com uma luminária em “This Must Be The Place (Naive Melody)” – “realizei meu sonho de copiar Fred Astaire” – coloca óculos de grau em “Once in a Lifetime”- igual ao clip produzido para a canção – e deixa todos integrantes completamentes descontraídos.

O filme teve sua primeira exibição no Festival Internacional de San Francisco, no dia 24 de Abril de 1984. Byrne disse que além de entreter, esperava que o público desse boas gargalhadas. O disco acabou sendo uma seqüência natural. Na contra-capa, a banda fazia algumas perguntas à respeito do projeto, entre elas, o nome Stop Making Sense, o motivo de uma excursão, de um filme, porque os músicos vão entrando aos poucos, qual o próximo passo dos Talking Heads, indagando de onde vinham todos aqueles movimentos estranhos no palco, se discos ao vivo são melhores ou piores do que realizados em estúdio, entre outras coisas.

capa do relançamento, em CDUm dos motivos de Stop Making Sense ganhar uma nova edição especial foi exatamente a falta de continuidade que o vinil dava: “As pessoas nos perguntavam porque não tínhamos lançado um álbum duplo ao vivo como o This Name.., já que esse disco era muito mais orgânico no sentindo de ser um concerto gravado e as canções não darem o ritmo adequado. Nós só conseguimos responder isso quando resolvemos lançar o CD quase na íntegra em 1999, tirando “Cities,” e “I Zimbra”/”Big Business”, que extrapolovam o tempo de gravação em um CD”, tenta explicar Jerry.

Vale dizer que além da forte presença dos músicos em cena. Havia um telão por trás que exibia palavras e expressões que casavam com a idéia do projeto. Desde o palco extremamente cru e frio até passando por imagens construídas em fundos azuis e vermelhos, além do já famoso terno gigante que David usa em algumas canções (“até hoje não sei de onde tirei a idéia de usar um terno seis números maior do que uso”, desculpa-se), tudo em Stop Making Sense é um clássico. Poucas bandas contemporâneas conseguiram misturar com tanta beleza e habilidade o uso da imagem, música e performance. Apenas nos anos 90, o U2, com a ZOO TV Tour, em parceria com a MTV conseguiu um resultado superior em termos tecnológicos, mas sem a mesma intimidade e cumplicidade com o público, já que as apresentações eram feitas em estádios gigantescos e frios. Stop Making Sense foi gravado em teatros com o público perto e mais receptivo. Ouça o disco, veja o filme. Não só um clássico dos anos 80, e sim um dos grandes clássicos do rock.

A seguir, as canções que apareciam no vinil, lançado em 1984, e no CD, que saiu quinze anos depois.

LP

Lado 1

Psycho Killer
Swamp
Slippery People
Burning Down The House
Girlfriend is Better

Lado 2

Once In A Lifetime
What A Day That Was
Life During Wartime
Take Me To The River

CD

Psycho Killer
Heaven
Thank You For Sending Me An Angel
Found A Job
Slippery People
Burning Down The House
Life During Wartime
Making Flippy Floppy
Swamp
What A Day That Was
This Is Must Be The Place (Naive Melody)
Once In a Lifetime
Genius of Love (Tom Tom Club)
Girlfriend is Better
Take Me To The River
Crosseyed and Painless

Discografia

Talking Heads: 77 (1977)
More Songs About Building And Food (1978)
Fear of Music (1979)
Remain In Light (1980)
The Name of This Band is Talking Heads (1982)
Speaking In Tongues (1983)
Stop Making Sense (1984, versão quase na íntegra, 1999)
Little Creatures (1985)
True Stories (1986)
Naked (1988)
The Best Of: Once In a Lifetime (1991)
Popular Favorites: Sand in the Vaseline (1991)
Once in a Lifetime – The Best of Talking Heads (1992)
12 x 12 Original Remixes (1999)
Once In a Lifetime (Box com 3 Cds, 2003)
The Best of Talking Heads (2004)
Talking Heads Dual Disc Brick (caixa com 8 cds, 2005)
Bonus Rarities and Outtakes (2006)
Talking Heads: The Collection (2007)