070 – Velhas Companheiras 2

Eu sempre gosto de dizer que tem louco para tudo. E parece que sete deles são meus fiéis leitores. Só isso explica o motivo de ter recebidos e-mails (nenhum me xingando, incrível!) quando fiz a coluna Velhas Companheiras falando de algumas canções de minha vida. Gostaram tanto que pediram outra. O chato aqui disse não, afinal estão querendo me tornar popular (risos).


Mas confesso que não resisti à tentação e alguns outros pedidos insistentes, sendo que cinco deles ameaçaram não ler mais minhas resenhas. Aí eu tremi. Meu ibope só irá aumentar quando minha sobrinha Isadora aprender a ler, mas como ela ainda está com 1 ano e 9 meses, percebi que tenho que manter essa multidão fantástica, ou corro sério risco de ter que ligar para minha mãe e pedir para começar a me dar um apoio, o que seria para ela uma tortura tripla (entrar na internet, ler meus textos e ainda me elogiar. Mas por isso que mãe é uma só) e não achei justo com quem já me colocou no mundo (eu não pedi, mas vim) e me criou. Então, para não entristecer meu fã-clube, mesmo sabendo que cada vez mais perco outro tipo de leitor, vou satisfazer a sanha. E lembrem-se: ainda dá tempo de ir ao banheiro ou mudar de página (mas não saiam do site!)

Canções, canções, canções. Eu sou daquele tipo que sempre procurou mensagem em livros, músicas, filmes e até em rótulo de Toddy. Sempre gostei de saber o que as pessoas falavam mesmo quando não tinham nada a ser dito. Mexer os quadris, balançar a cabeça não era suficiente para mim nas festas. Acabei ficando muitas vezes um chato. Imagine um músico clássico que vai a uma festinha quando criança e ao tocar uma música qualquer, começa a reclamar: “ih, esse vocalista desafinou, nossa, esse guitarrista não sabe tocar outra nota, o baterista precisa de umas aulas de coordenação motora…” O que acontece com o sujeito? Ou as pessoas saem de perto ou é saído pelos outros aos tapas e pontapés. Antigamente, eu teria pena dele, mas hoje concordo com os outros. Você não é obrigado a estar onde não quer, pelo menos depois que já aprendeu a andar, somar dois mais dois e escolheu seus amigos. Se vai a lugares apenas para ser sociável, então cale a boca e faça exatamente aquilo que se propôs. Minha intenção não é mostrar conhecimento ou ecletismo. É simplesmente falar um pouco de mim através da música. Como não tenho talento para escrever uma, uso as que mais gosto.

Antes de começar a falar delas, uma pergunta: o seu estômago vai bem?

WALKING ON SUNSHINE (Katrina & The Waves) – Quando fiz a primeira esqueci dessa, simplesmente a canção pop preferida da minha adolescência. Adorava o vídeo, a voz rouca, o visual de Katrina e o bem-estar que me causava sempre que a ouvia. Curiosamente não comprei o LP do grupo na época, e nunca soube explicar o motivo. Mas justiça seja feita agora.

INSTANT KARMA! (John Lennon) – A primeira vez que a ouvi foi naquele disco Live In The New York City, lançado em 1986 e que a Globo passou o vídeo no finado “Clip Clip” (bons tempos). Eu gravei e tenho a fita até hoje. Gostei da canção, apesar de achar um terror aquele solo de sax no meio da música. Aliás, esse disco não prima pelo acabamento. Mas quando consegui a versão em estúdio dela e prestei atenção na letra, fiquei ainda mais chapado. Lennon foi um mestre em mostrar nossas limitações. E nessa canção, para mim, atingiu seu ápice. Frases do tipo “O Carma Instantâneo te pegará/ e irá te encarar nos olhos/É melhor você se acostumar, querida e juntar-se à raça humana” mostra que ele e os Beatles não foram apenas um acidente em nossas vidas.

THIS IS THE DAY (The The) – Diferente de Katrina, essa eu só ouvi quando vim morar em São Paulo, em 1988. Dei muita festinha e dancei muito ao som alegre e voz grave de Matt. Pena que não se façam mais canções como essa hoje em dia.

SULTANS OF SWING (Dire Straits) – Eu simplesmente adorei o duplo ao vivo Alchemy quando comprei. Essa canção eu gosto particularmente de duas coisas: meu instrumento dos sonhos sempre foi bateria e o vídeo dessa música mostra Terry Williams executando com tanta precisão que você pode prever quando ele sairá voando. Mark Knopfler é o “one-man-show”, mas não para mim nesse maior clássico do grupo. Vale registar que Alchemy é o disco anterior ao mega-sucesso Brothers in Arms e meu predileto deles. Eu não sei quantas zilhões de vezes eu apaguei a luz do meu quarto, liguei no talo, cantei a letra e solava continuamente a guitarra de Mark e a bateria de Terry. A única coisa que posso garantir sem medo de errar é que caía de exaustão ao final. Uma das maiores recordações de minha adolescência.

TRAVESSIA (Milton Nascimento) – Quando eu tinha 13, 14 anos fui surpreendido por alguém da minha família no meio da madrugada ouvindo esse disco sem parar. O quarto estava com uma luz fraca, eu sentado no chão, de olhos fechados e cabeça baixa. Acho que foi a primeira crise de depressão que tive. Milton mexeu muito comigo quando menino e essa letra pesada foi uma das mais belas criações já produzidas. O efeito é ainda devastador e ouço poucas vezes, por medo.

BOYS DON’T CRY (The Cure) – Minha canção favorita do grupo. Sempre adorei a simplicidade dela, sua letra e o vídeo divertido. E muitos anos depois fiquei fascinado com o filme de mesmo nome. Não era deprimente, apesar da letra não ser alegre. O tipo de single que eu daria um braço para ter escrito.

BECAUSE THE NIGHT (Patti Smith) – Aqui o bicho pega. Não basta o piano na introdução, a bela voz de Patti, a linda letra de Bruce, ainda teve que fazer parte do período mais turbulento da minha vida? Eu era uma criatura noturna, vivia trancado na redação da Folha e mostrava para todo mundo que passava como se tivesse descoberto uma mina de ouro. Alguns gostavam, outras me olhavam pensando se eu estava drogado. Que nada, eu estava apaixonado!

MOON OVER BOURBON STREET (Sting) – Antes de comprar um LP do Police, comprei o primeiro do Sting. Adorei o disco e em especial essa balada inspirada no livro Entrevista com o Vampiro. Nunca achei que fosse um grande vocalista, mas aqui sua voz rouca casa como uma luva e prova que ele era mesmo a força criativa da banda.

SHOUT (Tears for Fears) – Sempre que a ouço me lembro das minhas aulas de inglês, em Ribeirão Preto. Quando fez sucesso, uma professora linda de morrer que eu tinha traduziu a letra em sala de aula (aliás, o que mais gostava dessa escola de inglês é como usavam o dia-a-dia para nos ensinar e semanalmente pegavam alguma música de sucesso, traduziam e mostravam a construção dela, achava isso sensacional) e começou a berrar punha “tudo para fora” acabei gostando mais ainda do grupo. E dela… (não falo da canção)

REBELDE SEM CAUSA (Ultraje a Rigor) – Todo garoto do interior bem nascido (também conhecido como agroboy) achava graça na letra, que de fato, é gozada. Mas ninguém olhava seu próprio umbigo. Era o retrato dos meus amigos que consegui romper o cordão umbilical e dar adeus. E sabe o que mais me espanta? É que quase vinte anos depois, alguns continuam o mesmo!

A CRUZ E A ESPADA (RPM) – OK, Paulo Ricardo conseguiu queimar seu filme a partir do segundo disco e com uma carreira-solo para lá de medonha. Mas o RPM teve méritos inegáveis e ele era um bom letrista e faziam lindos arranjos. “Havia um tempo em que eu vivia um sentimento quase infantil/Havia o medo a timidez/Todo um lado que você nunca viu” é um belo começo. Mas por que depois as pessoas desaprendem a compor assim?

THE UNDEFEATED (Iggy Pop) – Sinto não estar citando os clássicos de primeira hora ou mesmo com os Stooges, mas Brick by Brick é um disco do caralho, um belo registro de rock and roll honesto e bem executado. Iggy pode não ser um filósofo como Lou Reed ou Dylan, mas dentro de seu despojamento consegue ser uma das figuras mais emblemáticas e importantes do rock e mostrar que também conhece o sinônimo da palavra diversão sem precisar deixar de ser Iggy.

LUKA (Suzanne Vega) – O que não faz a falta de conhecimento de língua estrangeira. “Luka” era uma das campeãs das festinhas e todo mundo dançava em cima, até que um dia uma pessoa chegou e me disse: “como alguém pode dançar com essa canção, você já ouviu a letra, é deprimente!”. Isso nunca saiu da minha cabeça e quando consegui traduzi-la depois de infinitas consultas naqueles dicionários de bolso, vi que era verdade. Uma criança era espancada e a gente dançando. Mas não continuamos fazendo o mesmo em várias coisas e até mesmo quando escritas em português?

RISE (PiL) – “Anger is an energy” (Raiva é um tipo de energia) é o tipo de frase que não precisa mais ser explicada. Quando Album foi lançado era uma porrada e o grupo esteve aqui pouco tempo depois. Já não bastava contar com o enlouquecido e genial Lydon, ele chamou para as gravações figurinhas tipo Steve Vai e Ginger Baker. O resultado? Toque…

CREEP (Radiohead) – Eu não sou desses caras que ficam babando por esse grupo que fez coisas pentelhas, mas não posso esquecer dessa música. “Eu queria ser especial, muito, muito especial”, e as guitarras guinchando no pico mostram que se quisessem apenas fazer canções mais simples, seriam muito maiores do que são.

PRIVATE IDAHO (B-52’s) – A banda mais divertida e simpática do planeta! Todo mundo curte o B-52’s, mesmo quem acha o som deles descartável e bobo. Não dá para não gostar deles, do visual, das danças, dos vídeos cafonas, das perucas, da alegria contagiante. Adeus bandas dark, adeus preto, adeus tristeza! É ligar bem alto e sair pulando pela rua de felicidade. Puta canção!

SHE SELLS SANCTUARY (The Cult) – A única coluna em que recebo sistematicamente pauladas é sobre o Cult. Todo mundo odiou quando eu disse que a banda tinha virado uma grupo de segunda linha de hard ou uma cópia do Guns. Eu não ligo para críticas, é para isso que no site existe um mural e quem escreve deixa um e-mail para contato. Mas o que eu queria dizer era o seguinte: um grupo que produziu tantas canções sensacionais em sua primeira fase, que era chamado da nova revolução do rock, que tinha um guitarrista espetacular, um vocalista carismático e competente, ficou muito aquém do que podia quando resolveu ampliar seu público. Os três primeiros deles eu adoro, mas depois, justamente quando estouraram para valer, perderam a graça ao resolverem largar um pouco suas origens. “She Sells…” é a prova de como o Cult era bom. E mantenho minha opinião.

SUBSTITUTE (The Who) – Meu grupo favorito dos anos 60. Excepcional banda de singles e um dos pioneiros do chamado rock conceitual ou ópera rock, o Who é lembrado muito por Tommy ou pelas estrepolias de Pete ou Keith e poucos mencionam o fato de Townshend ser um dos melhores letristas que já surgiram.

RODA-VIVA (Chico Buarque) – Chico foi muito bom. Mas muito bom. Bom demais. Pena que depois esses caras abortem tão rápido e não consigam voltar a ser como antes. Meu letrista brasileiro favorito disparado e essa é a melhor dele, o que equivale dizer (em minha modesta opinião) ser a melhor canção que esse amado país já produziu. Nem precisava ter o MPB4 nos vocais, mas se era possível tentar fazer algo perto da perfeição, porque não tentar né? Obrigado, Chico.

CUPID (Sam Cooke) – Ah, Sam Cooke, a melhor voz negra, branca, parda, roxa ou lilás desse e de qualquer planeta de qualquer galáxia remota do mais longínquo quiprocó do universo! Um de minhas maiores alegrias foi conseguir uma cópia da coletânea The Man and His Music que até pouco tempo estava fora de catálogo até em CD (não sei se já voltou). Período específico da minha vida: primeiro semestre de 1997, quando eu vivia de bicos e ouvia Sam sem parar. Quer derreter o coração de alguém e ainda mostrar bom gosto? Tente com essa música.

DIRTY BOULEVARD (Lou Reed) – Meu disco favorito do homem é New York e já o resenhei. E sou apaixonado por essa música. Lou é um daqueles cantores que como Dylan ou Chico possuem uma voz muito limitada, mas que sabem usá-las com economia e valorizá-la. Um dos poucos cdrs que tenho é da festa dos 50 anos de Bowie, no Madison Square Garden, em 9 de janeiro de 1997. David chamou Lou e detonaram quatro canções, sendo essa uma delas. Ficou do cacete! Mas o original ainda é melhor.

DANCIN’ DAYS (Frenéticas) – Aqui vale a mesma idéia do Village People na Velhas Companheiras anterior. Pode esbravejar, dizer que é musica de afetado, que você jamais dançou ao som dela. Sei… E Papai Noel e Coelhinho da Páscoa todo ano te visitam também, não é?

DANCING WITH MYSELF (Billy Idol) – Primeira coisa que falam ao mencionar Idol: punk fabricado! Segunda: sua participação esdrúxula no filme The Doors. Detalhe: Billy foi punk sim e de primeira hora e dos bons. Segundo: o filme é uma porcaria, uma visão distorcida e caricatural do que foi Jim Morrison. E terceiro: Billy foi um belo artesão de canções dançáveis, ainda que fizesse beicinho e pose de macho. Uma combinação perfeita de guitarra pesada, vocal gritado, com muito ritmo.

TREM DAS ONZE (Demônios da Garoa) – Eu não me lembro onde li, mas parece que essa é a canção popular brasileira mais executada no país e o grupo deu uma entrevista, anos atrás, dizendo que precisam tocar “Trem das Onze” várias vezes em um mesmo show. Coitado dos velhinhos, acho que não agüentam mais isso. Mas eu não me canso de ouvi-la. Uma daquelas que se aprende por osmose desde pequeno. Toca em qualquer lugar, em qualquer hora. Não tem como escapar. Essa é uma prova que às vezes a osmose pode ser benéfica.

LITTLE WING (Jimi Hendrix) – Jimi foi o homem que mudou o destino do instrumento para sempre, com seus solos complicadíssimos e que pareciam estarem sendo executados por dezenas de guitarristas. Mas nessa canção “romântica” (ao estilo hendrixiano, claro) está uma das mais belas e subestimadas canções dos anos 60.

CAN’T TAKE MY EYES OFF OF YOU (The Boys Town Gang) – Até hoje tenho uma coletânea da Jovem Pan por causa de duas canções: “YMCA” e essa. Eu não me lembro quando e nem como entrou na minha vida ou a primeira vez que a ouvi. Só sei que foi para sempre. O mais curioso sobre grupo da época disco é que eles gravaram uma outra canção que eu adorava quando menino, mas não sabia que eram deles e só descobri anos depois, por acidente: “Remember Me/Ain’t No Mountain High Enough”. Tenho uma coletânea deles só por causa dessas duas pérolas da minha infância.

AIN’T NO MOUNTAIN HIGH ENOUGH (Marvin Gaye e Tammi Terrell) – Já que falei dela em cima, vou fazer direito. Nos anos 60, Marvin já era um monstro e quando resolveu fazer esse duo com Tammi, atingiu os céus das paradas. Você já ouviu, pode ter certeza, seja em filmes, comerciais, a famosa osmose. Vendo um especial do homem na televisão meses atrás, contam que ele ficou arrasado com a morte da cantora precocemente. Embora nunca tenham tido um affair, Marvin a achava sua alma gêmea musical. Tire 2 minutos e 27 segundos de seu tempo para ouvir e comprovar.

TRY A LITTLE TENDERNESS (The Commitments) – Tá, eu sei, eu tinha que falar da versão de Otis Redding, que aliás é genial, mas eu sou produto dos anos 80 e 90 e a ouvi pela primeira vez no filme. Essa é uma banda que vou fazer uma coluna só deles. Impressionante que um branquela que nem era cantor profissional quando foi selecionado para a película tivesse tanto potencial. Arrepiante.

BLUE RONDO A LA TURK (The Dave Brubeck Quartet) – Minha porção chique e metida, amante de jazz. Dave Brubeck é o líder, mas o gênio era Paul Desmond, considerado por especialistas como o dono do fraseado mais sensual e “cool” que o sax já teve. Essa é faixa de abertura do disco Time Out e supera, de longe, a imortal “Take Five”.

ROMARIA (Elis Regina) – Nas duas Velhas Companheiras apenas Elis e Chico foram citados. Estranho para um colunista de rock? Talvez. Mas é aquele papo, o que é bom independe do estilo. E Elis é um desses furacões que passam pela Terra de tempos em tempos. Para quem sabe do que eu escrevo, cito Steve Wynn para quem mandei um CD dela: “Wow man, I loved her!”

CHEGA DE SAUDADE (João Gilberto) – Parece que deixei a canção para o final por causa do título, mas na verdade, saiu por acaso. Uma feliz e grande coincidência. João Gilberto é considerado daqueles caras excêntricos, chatos e rotulados como ultrapassado, o do cantor de voz baixa, banquinho e um violão. Triste que pessoas pensem assim e não conheçam essa verdadeira obra-de-arte que atingiu um status inacreditável com esse homem que não suporta nem espirro quando se apresenta. Faltou citar que é um dos maiores violonistas do século passado, para quem quiser saber algo mais.

Bem, com “Chega de Saudade” espero ter satisfeito a curiosidade dos meus sete leitores (curiosidade: quantos de vocês chegaram até aqui?) e digo que não pretendo fazer uma terceira, por vários motivos: não sou Stallone, não quero mais falar de canções que me marcaram e não sei se conseguiria montar mais uma lista desse tamanho. Ao menos, ela poderá ter um efeito medicinal: para curar a ressaca. É só ler, correr para o banheiro, dedinho na garganta e…