094 – Suzanne Vega

Em 1987, o mundo todo cantava uma canção de uma garota com um violão e que contava a história de um garoto chamado Luka. Era aquela música que acabou tocando em todas as festinhas de adolescência e até de formatura. Alguns anos depois, já morando em São Paulo, um amigo meu me criticou quando eu disse que adorava a canção por ser divertida. “Você devia voltar às aulas de inglês e ler com mais atenção a letra. Não há nada de belo em uma criança vítima de espancamento”. Bem, esse é um dos problemas de cantarmos algo quando não dominamos a língua: basta uma melodia leve e alegre para acharmos que a letra é igual. Suzanne Vega tinha chegado ao estrelato e, acabou se tornando uma das porta-vozes da novíssima geração de cantoras que empunhavam um violão e tinham algo a dizer (Tracy Chapman foi outra de enorme sucesso, mais ou menos na mesma época), que havia se iniciado com Joan Baez e Joni Mitchell. Uma cantora de voz frágil, porte físico idem, mas de um senso aguçado e nada açucarado para uma menina. E que me fez começar a andar com os Michaelis da vida na minha mochila…


Se Suzanne não fosse uma cantora e quisesse escrever sua biografia, ainda assim seria uma pessoa diferenciada. Se há uma coisa que não existe na vida dela é espaço para o lugar-comum.

Vamos a alguns detalhes então: nascida no dia 11 de julho de 1959, em Santa Monica, no estado da Califórnia, foi criada pela sua mãe e por um escritor porto-riquenho, Ed Vega. Nesta altura, os Vega já moravam em Manhattan e Suzanne convivia com a vizinhança barra-pesada de origem hispânica do Harlem. Mas como Suzanne tinha sangue 50% hispânico (assim ela acreditava) aceitava bem e tinha uma vida tranqüila e completamente satisfatória.

Suas primeiras tentativas com a música foram aos 14 anos, mas acabou entrando em uma escola de arte para ser dançarina. Já mais velha, entrou na Barnard College e nessa época começou a renovar sua paixão pela música, em especial pelo cantor e compositor canadense Leonard Cohen. Como diversão, empunhava um violão e tocava suas composições folks nos cafés do Greenwich Village, se apresentando no Folk Club, bar que ficou famoso por ter sido um dos primeiros palcos do jovem Bob Dylan nos anos de 1960 e 1961. Sua vida (musical) virou do avesso de verdade em 1979 após assistir um show de Lou Reed, outro de seus heróis. Decidiu então abandonar a literatura da escola e tentar a vida como cantora e compositora.

Mas sua vida (pessoal) mudaria do avesso de verdade e de maneira profunda quando Ed Vega contou a Suzanne uma verdade aterradora: ele não era seu pai biológico. Sua mãe havia se casado e divorciado antes de tê-lo conhecido ainda na Califórnia e nunca haviam tido notícia do paradeiro do seu verdadeiro pai. A notícia a devastou e Suzanne anos depois contrataria um detetive para descobrir por onde andava e vivia seu pai. O encontro só aconteceria muitos anos depois.

Nesse meio tempo, Suzanne começou a tocar mais e mais nos clubes locais. Após formar-se na escola, arranjou os mais diversos serviços para poder viver e também tornou-se uma das pequenas promessas como cantora nos arredores de Greenwich Village. Começou a mostrar suas demos para várias gravadoras, que não viam muito futuro em uma cantora folk. Mesmo assim, com o auxílio de Steve Addabbo e Ron Fierstein (seus empresários), tanto fizeram que conseguiram um contrato com a A&M, que já a havia recusado um par de vezes, em 1983.

capa do primeiro disco chamado apenas de Suzanne VegaEm 1985, tendo o lendário guitarrista Lenny Kaye (que havia tocado com Patti Smith) como produtor, lançou seu primeiro disco, em 1985, apenas com seu nome.

Com a canção “Marlene on the Wall” sendo o carro-chefe do LP, Suzanne virou uma mini-coqueluche no Reino Unido, sendo lá disco de platina, além de vender 200 mil cópias na América, para espanto da gravadora. A jovem cantora começou a ser comparado à ícones femininos como Joni Mitchell ou James Ian. Alguns repararam (e com toda correção) em conexões a Cohen.

Seu fraseado delicado de violão, seu jeito de cantar, meio falado faziam dela uma das mais promissoras e importantes novas cantoras-compositoras que surgiriam, destacando–se entre nomes como Tracy Chapman, Tori Amos, PJ Harvey, k.d. lang, Shawn Colvin, Michelle Shocked, etc…

capa de Solitude StandingMas sucesso de verdade, viria, e de forma irresistível dois anos depois, com o disco Solitude Standing, quando deixou a aura de artista cult para ser uma cantora de fama mundial, maior até do que gostaria ou sonhara. E tudo por culpa de um garotinho: Luka.

Todo mundo se lembra da canção que começava com o verso “My name is Luka…”. O que quase ninguém prestou atenção (ao menos nos países em que a língua inglesa não era a oficial) era o conteúdo da letra: por detrás daquele arranjo alegre e da voz calma de Suzanne, vivia um menino que sofria abusos e era espancado em seu apartamento. Uma das canções mais doces e tristes já compostas. Se você quiser conferir, eis a letra…

My name is Luka
I live on the second floor
I live upstairs from you
Yes I think you’ve seen me before

If you hear something late at night
Some kind of trouble. some kind of fight
Just don’t ask me what it was
Just don’t ask me what it was
Just don’t ask me what it was

I think it’s because I’m clumsy
I try not to talk too loud
Maybe it’s because I’m crazy
I try not to act too proud

They only hit until you cry
And after that you don’t ask why
You just don’t argue anymore
You just don’t argue anymore
You just don’t argue anymore

Yes I think I’m okay
I walked into the door again
Well, if you ask that’s what I’ll say
And it’s not your business anyway
I guess I’d like to be alone
With nothing broken, nothing thrown

Just don’t ask me how I am
Just don’t ask me how I am
Just don’t ask me how I am


O disco simplesmente disparou nas paradas de sucesso tendo vendido mais de um milhão de cópias na América, em poucos meses e mostrando que um novo nicho de artistas folk (gênero considerado morto na década de 80) estavam loucos e prontos para o sucesso.

A produção de Kaye e Addabbo fez questão de ressaltar o talento de Suzanne como compositora e preferiu não abusar de recursos tecnológicos, deixando que as composições se sobressaíssem por si só. E acertaram em cheio.

Com o disco estourado por todo o planeta, realizou uma série de concertos mundo afora por mais de um ano. Após o fim da turnê, voltou para Nova York e intensificou as buscas por seu pai biológico. Depois de um merecido descanso, começou a trabalhar em um novo disco. Mas desta vez resolveu assumir a produção, ao lado do tecladista e namorado Anton Sanko.

Nascia assim Days of Open Hand, um disco estranho e nada parecido com o anterior. Até o compositor minimalista Philip Glass participou em uma das faixas, o que acabou confundindo público e crítica.

O trabalho teve baixas vendagens, mas o inesperado veio salvá-la. Um duo inglês batizado de DNA (nada a ver com a célebre banda norte-americana liderada por Arto Lindsay) simplesmente havia feito uma versão de uma canção que abria e fechava Solitude Standing, “Tom’s Diner”, num sucesso das pistas de dança. A música era apenas uma gravação com Suzanne cantando/declamando a letra sem nenhum instrumento.

Pois, a dupla meteu uma batida eletrônica, lançou um disco pirata intitulado Oh Suzanne e faturava horrores. A A&M resolveu acabar com a brincadeira e processar a dupla, mas Suzanne interviu e permitiu que a mesma fosse lançada como um single oficial dela, sendo seu segundo estrondoso sucesso.

Eis a letra de “Tom’s Diner”.

I am sitting
In the morning
At the diner
On the corner

I am waiting
At the counter
For the man
To pour the coffee

And he fills it
Only halfway
And before
I even argue

He is looking
Out the window
At somebody
Coming in

“It is always
Nice to see you”
Says the man
Behind the counter

To the woman
Who has come in
She is shaking
Her umbrella

And I look
The other way
As they are kissing
Their hellos

I’m pretending
Not to see them
And Instead
I pour the milk

I open
Up the paper
There’s a story
Of an actor

Who had died
While he was drinking
He was no one
I had heard of

And I’m turning
To the horoscope
And looking
For the funnies

When I’m feeling
Someone watching me
And so
I raise my head

There’s a woman
On the outside
Looking inside
Does she see me?

No she does not
Really see me
Cause she sees
Her own reflection

And I’m trying
Not to notice
That she’s hitching
Up her skirt

And while she’s
Straightening her stockings
Her hair
Is getting wet

Oh, this rain
It will continue
Through the morning
As I’m listening

To the bells
Of the cathedral
I am thinking
Of your voice…

And of the midnight picnic
Once upon a time
Before the rain began…

I finish up my coffee
It’s time to catch the train


capa de 99.9 F.Espantada com o sucesso da versão dance de sua canção, Suzanne resolveu abrir seu leque de opções. Começou a trabalhar com Mitchel Froom, que era famoso por seus projetos com Elvis Costello, Richard Thompson e Crowded House. Com arranjos mais dissonantes e fazendo uso de percussão, nascia seu novo disco 99.9° F..

O disco falhou no intento de introduzi-la como uma nova artista dance, apesar das raízes folks estarem todas lá, ainda que mascaradas com baterias eletrônicas e efeitos mil.

Uma das curiosidades do disco é a letra de “Blood Sings” onde relata o reencontro com seu verdadeiro pai e a descoberta que sua avó havia sido baterista de uma banda de jazz feminino nas décadas de 20 e 30! “Isso só prova que sempre tive uma grande veia feminina musical na minha família, pois minha mãe tocava guitarra na adolescência”.

Suzanne com a filha RubyO mais incrível disso tudo é que o pai de Suzanne soube desse passado de sua mãe dois anos antes de reencontrar a filha! “Passamos depois disso horas e horas olhando as fotos dela quando tocava em bandas de vaudeville do Meio-Oeste. Ela teve quatro filhos e colocou três deles em orfanatos, mas desistiu em deixar meu pai ser adotado. Então, basicamente, venho de uma família de músicos andarilhos e órfãos. Eu fiz a canção, mas não dei nenhuma pista sobre o assunto nela. Sou obscura em minhas letras, nunca digo o que realmente quero.”

Mas se o disco não agradou tanto, pelo menos o coração da moça não teve do que reclamar, já que acabou se casando com Mitchell Froom.

Suzanne teve uma filha, Ruby, em 1994 e desapareceu do mapa. “É muito complicado você se inspirar em escrever uma canção quando sua filha chora após tomar vacina contra catapora ou acorda no meio da madrugada doente. Não há muita poesia nisso, apenas a vida de uma mãe”, diria em uma entrevista, anos depois.

A volta aos estúdios aconteceria apenas em 1996, com Nine Objects of Desire. Voltou a ser produzido pelo agora marido Mitchell e continuou a explorar mais os climas e texturas, mas de uma maneira menos “perdida” do que o anterior.

Suzanne começava a explorar novos sentidos e temas, como a maternidade e o casamento, em letras. Partiu novamente para uma série de shows mundo afora, levando sua filha a tiracolo.

Suzanne lembra bem da postura de Ruby na turnê: “ela odeia quando pego o violão e começo a tocar. Em meus shows, quando eu começava a conversar com a platéia, ela do balcão do teatro berrava ‘por favor mamãe, apenas cante!’, e todos riam. Ela quer saber tudo sobre sua origem, minha família e tem uma personalidade extremamente forte. Ela morre de ciúmes quando começo a compor.”

capa da coletânea The Best of Suzanne Vega: Tried and TrueMas como Suzanne nunca foi uma garota com uma vida simples, um divórcio apareceu em sua vida. Em 1998, ela e Mitchell se separaram, pois o mesmo começou um romance com a cantora Vonda Shepard.

Abalada e traumatiza com o acontecimento, teve ainda outro aborrecimento ao romper com o empresário Ron Fierstein. Resolvida a fazer um balanço de sua carreira e encerrar um ciclo, lança a coletânea The Best of Suzanne Vega: Tried and True, que trazia duas canções inéditas, “Book & a Cover” e “Rosemary”. Ao mesmo tempo lançou um livro intitulado The Passionate Eye.

Apostando em uma volta simples, tendo Michael Visceglia, baixista e amigo de longa data ao lado, fez alguns shows mais intimistas, com novas músicas falando do final de seu casamento.

O resultado foi Songs In Red and Gray, uma espécie de volta às raízes dos dois primeiros discos. Em algumas canções ela retratou como sua filha veria um rompimento do casamento, e no geral, é um disco bem mais leve e agradável do que os dois anteriores.

Suzanne voltou aos palcos, com vários shows e em 2003 lançou uma outra coletânea retrospectiva de toda sua carreira Retrospective: The Best of Suzanne, que teve duas edições diferentes, sendo uma americana, com 21 canções e uma inglesa, com 27, sendo seis delas, ao vivo (“The Queen and The Soldier”, “Widow’s Talk”, “Solitude Standing”, “Blood Makes Noise”, “In Liverpool (Intro/Narrative)” e “In Liverpool”) e com capas diferentes.

A edição inglesa traz na capa a mesma foto usada no DVD que leva o mesmo nome, e conta com nada menos do que 52 músicas, sendo uma opção bem mais interessante.

Nas duas fotos você confere as capas das edições inglesas e americana, respectivamente. Com a audição incessante de Suzanne enquanto escrevo esta coluna, deixo vocês mais uma vez. Até a próxima e um abraço!

Discografia

Suzanne Vega (1985)
Solitude Standing (1987)
Days of Open Hand (1990)
99.9° F. (1992)
Nine Objects of Desire (1996)
The Best of Suzanne Vega: Tried and True (1999)
Songs In Red and Gray (2001)
Retrospective: The Best of Suzanne Vega (2003)