397 – Chic

Enquanto tento fazer meus pés pararem embaixo da mesa do micro, um pensamento martela minha mente: o que teria acontecido se Jimi Hendrix tivesse conhecido o Chic e montado com eles uma banda? Antes que alguém mande pros quintos minha prole que nem nasceu, por pensar em tal heresia – o maior guitarrista com um grupo da “horrorosa” disco – peço-lhe que se cale por alguns minutos e tente me dizer: qual banda teve um baixista tão espetacular como Bernard Rodgers, um guitarrista-rítmico tão preciso como Nile Rodgers e um baterista tão versátil e potente como Tony Thompson? Talvez o Who, talvez o Led. Mas esses branquelos não conseguiam um swing como os três mestres da “disco” dos anos 70. Ah, o que mundo perdeu se Jimi pudesse encontrar esses três! Fico até babando só de imaginar todos aquele grooves servindo de base para a guitarra única de Jimi…


Pouca coisa foi mais “chique” que o Chic, nos anos 70.

Aquele grupo liderado por três músicos excepcionais e duas cantoras derramando charme se tornou um dos símbolos máximos da era disco, junto ao Village People e o Tony Manero, de John Travolta.

E por causa disso nasceu um preconceito absurdo de que a música da banda é cafona, datada, boba e descartável.

Bom, gostos são gostos e o Chic realmente viveu como nunca uma era pontuada pelos excessos e de gosto duvidoso, em boa parte do tempo. Mas a proposta da banda era muito mais complexa do que ser um mero grupo “disco”. O Chic fazia música de inegável qualidade.

O líder por trás de tudo isso era o guitarrista Nile Rodgers. Nascido no dia 19 e setembro de 1952, em Nova York, era um guitarrista de enorme talento e rigorosa educação jazzistica, na Manhattan School of Music.

Rodgers passou boa parte do final dos anos 60 e primeira metade dos anos 70 tocando em várias bandas e clubes da cidade, entre eles o New World Rising e até sendo um dos membros fixos da banda do lendário Teatro Apollo.

Em 1970, Rodgers acabou conhecendo o baixista Bernard Edwards (nascido em 31 de outubro de 1952, em Greenville, Carolina do Norte), na cidade. Edwards havia trocado o saxofone pelo baixo. Juntos, começaram a pensar em uma banda e saíram procurando um baterista. Acabaram encontrando (15 de novembro de 1954, em Nova York) e montaram o combo Big Apple Band, especializado em r&b.

Apesar da habilidade técnica, não encontravam quem quisesse gravá-los e acabaram mudando de nome quando outra Big Apple Band fez um tremendo sucesso com o hit “A Fifth of Beethoven”. O grupo acabou sendo rebatizado como Orange Julius e depois, Allah and the Knife-Wielding Pubks, nome ofensivo para alguns amigos muçulmanos dos três.

A vida seguia dura e sem perspectiva até começarem a reparar na nova cena disco. “Gostávamos mais de standards, coisas do tipo ‘Porgy and Bess’, coisas sofisticadas, mas percebemos que podíamos ser igualmente sofisticados e atingir um público maior, falando numa linguagem bem mais acessível”, explica Nile.

Além disso, percebiam que não precisariam abrir mão de toda a bagagem musical que queriam, desde que a adaptassem com um swing maior e com vocais femininos.

O trio começou a ensaiar incessantemente, desenvolvendo arranjos, mas sem se preocuparem ainda com as letras. Primeiro, a banda queria desenvolver melodias grudentas e, se possível, com arranjos de cordas, tendo o baladeiro Barry White como exemplo.

E aí nasceu boa parte do som “Chic”. Utilizando ensinamentos de James Brown e de alguns artistas da Motown, perceberam que o som precisaria passar essencialmente pelo baixo. Assim, Bernard Edwards desenvolvia linhas de baixo absolutamente complexas e matadoras, que conduziriam toda a canção.

O baixo teria o complemento da guitarra absolutamente precisa e rítmica de Nile e seria complementado pelo excepcional baterista Tony Thompson, que chegou a tocar com o Led Zeppelin, durante o Live Aid, em 1985 e que dizia ter em John Bonham seu maior modelo.

Com a base musical armada, faltava o visual. E nada melhor do que duas cantoras sexys, sofisticadas e com ótima voz para impulsionar. As escolhidas foram Norma Jean Wright e Alfa Anderson.

A banda começou a ensaiar e contaram com a ajuda do engenheiro de som e produtor, o jovem Bob Clearmountain para montarem uma demo.

Com as canções “Dance, Dance, Dance (Yowsah, Yowsah, Yowsah)” and “Everybody Dance,” e um nome novo (Chic), a fita caiu nas mãos do presidente da Atlantic Records, Jerry Greenberg, que ofereceu um contrato ao novo grupo.

Em 1977 é lançado o álbum de estréia, Chic. A produção é assinada por Rogers e Edwards, deixando Bob Clearmountain como o engenheiro de som responsável. Com os sucessos “Dance, Dance, Dance (Yowsah, Yowsah, Yowsah)” e “Everybody Dance”

Com uma produção requintada, o Chic consumiu US$ 35 mil nas três semanas de gravação, utilizando vários músicos. As gravações aconteceram no Electric Lady Studios e a mixagem no Power Station, ambos em Nova York.

O disco teve boa repercussão, ficando na 27ª colocação da parada Billboard e em 12ª na parada de r&b.

Curiosamente, o LP trazia uma faixa de nome “São Paulo”, instrumental, com um clima brasileiro.

O LP trazia as seguintes faixas:

Lado A

1. “Dance, Dance, Dance (Yowsah, Yowsah, Yowsah)” (Edwards, Lehman, Rodgers) – 8:21
2. “São Paulo” (Edwards, Lehman, Rodgers) – 5:01
3. “You Can Get By” – 5:36

Lado B

1. “Everybody Dance” – 6:41
2. “Est-Ce Que C’est Chic?” – 3:53
3. “Falling in Love with You” – 4:29
4. “Strike Up the Band” (Edwards, Lehman, Rodgers) – 4:32

O Chic tinha nas casas noturnas seu habitat natural e o estouro veio em 1978, com o álbum C’est Chic.

Um disco muito mais requintado, trazia a demolidora “Le Freak”, e chegou ao quarto posto da parada nacional e primeiro na de r&b, vendendo seis milhões de cópias apenas no EUA e consolidando o “som Chic”.

“Le Freak” chegou ao topo da parada de compactos, enquanto “I Want Your Love”, ficou em sétimo. Novamente produzido pela dupla Rodgers e Edward, o álbum trazia as seguintes faixas:

Lado A

1. “Chic Cheer” – 4:42
2. “Le Freak” – 5:23
3. “Savoir Faire” – 5:01
4. “Happy Man” – 4:17

Lado B

1. “I Want Your Love” – 6:45
2. “At Last I Am Free” – 7:08
3. “Sometimes You Win” – 4:26
4. “(Funny) Bone” – 3:41

Nile Rodgers e Bernard Edwards aproveitaram o sucesso para começarem uma bem sucedida carreira de produtores, assinando “We Are The Family”, da Sister Sledge, top 10 na América.

O ritmo do grupo era acelerado, igual ao ritmo de suas músicas. Em 1979, a banda ainda mostrava grande fôlego e voltam a ter outro enorme sucesso, “Good Times”, novo primeiro lugar nas paradas norte-americanas.

A faixa estava no novo disco, Risqué, quinto lugar na parada norte-americana.

Risquè trazia nova gama de hits. Além da citada “Good Times”, “My Forbidden Lover” e “My Feet Keep Dancing”, e uma pequena mudança: a cantora Luci Martin consolida-se como a segunda vocalista, em lugar de Norman Jean, que começara uma carreira-solo paralela ao Chic e que fora obrigada a deixar o grupo por razões contratuais.

“Good Times” foi atacada pelos críticos por ser alienada, já que como poderia se cantar algo como “bons tempos” enquanto os EUA atravessavam uma terrível recessão econômica. Nile Rodgers retrucou dizendo que durante a Grande Depressão na década de 30 surgiram grandes músicas e que é preciso combater a tristeza e tentar ser feliz.

O disco trazia as seguintes faixas:

Lado A

1. “Good Times” – 8:08
2. “A Warm Summer Night” – 6:10
3. “My Feet Keep Dancing” – 6:38

Lado B

1. “My Forbidden Lover” – 4:39
2. “Can’t Stand to Love You” – 2:56
3. “Will You Cry (When You Hear This Song)” – 4:06
4. “What About Me” – 4:09

O sucesso inspirou uma coletânea óbvia: Les Plus Grands Succès De Chic: Chic’s Greatest Hits. E também o fim de uma era. Em 1980, o grupo lança novo LP, Real People, com pouca inspiração e baixas vendagens. A era disco encontrava seu final.

Segue-se mais três discos – Take It Off, Tongue in Chic e Believer – antes do final.

Além dos discos, o grupo se meteu numa barca furada, o filme Soup For One, que nada tinha a ver com o Chic.

Com o final do grupo, Nile se tornou um requisitado produtor e foi o responsável por dar nova vida à carreira de David Bowie, assinando a produção de Let’s Dance. “Eu dei essa cançãozinha a Nile e pedi para fazer algo. Dias depois ele me liga e mostra o que havia feito: um monstro! Fiquei tremendamente surpreso.” Outro álbum de enorme sucesso que produziu foi Like A Virgin, de Madonna.

Em 1992, a banda é reformada e lançam o álbum Chic-ism, que fracassa nas paradas, apesar de lotarem shows. E duas tragédias dizimam qualquer chance futura: em 1996, enquanto excursionava com o grupo Power Station, no Japão, morre de pneumonia.

Nile ainda tenta reativar a banda em 2000, mas em 2003 é a vez de Tony Thompson devido a um câncer renal.

Não importa: ficará para a história a fórmula mágica de um grupo que soube fazer música de primeira e embalar a vida de muita gente.

E para quem acha que a fórmula Chic é simples, Bernard Edwards se divirtia ao dizer: “vi muito baixista famoso e de ótima técnica suarem para tirarem o meu som ou me perguntar como, diabos, eu fazia aquilo.”

Isso porque a disco era música boba e simples…

Um abraço e até a próxima coluna.

Discografia

Singles

“Dance, Dance, Dance (Yowsah, Yowsah, Yowsah)” (1977)
“Everybody Dance” (1977)
“Le Freak” (1978)
“I Want Your Love” (1978)
“Good Times” (1979)
“My Forbidden Lover” (1979)
“My Feet Keep Dancing” (1979)
“Rebels Are We” (1980)
“Real People” / “Chip Off The Old Block” (1980)
“Stage Fright” (1981)
“Soup For One” (1982)
“Hangin'” (1982)
“Give Me The Lovin'” (1983)
“Chic Cheer” (1984)
“Jack Le Freak” (1987)
“Chic Mystique” (1992)
“Your Love” (1992)

Discos

Chic (1977)
C’est Chic (1978)
Risqué (1979)
Real People (1980)
Take It Off (1981)
Tongue in Chic (1982)
Believer (1983)
Chic-Ism (1992)

Coletâneas

Les Plus Grands Succès De Chic: Chic’s Greatest Hits (1979)
Freak Out: The Greatest Hits of Chic and Sister Sledge (1988)
Megachic: Best of Chic (1990)
Dance, Dance, Dance: The Best of Chic (1991)
The Best of Chic, Volume 2 (1992)
Everybody Dance (1995)
Chic Freak and More Treats (1996)
Dance, Dance, Dance & Other Hits (1997)
Live at the Budokan (1999)
The Very Best of Chic & Sister Sledge (1999)
The Very Best of Chic (2000)
Good Times: The Very Best of the Hits & the Remixes (Chic & Sister Sledge) (2005)
The Definitive Groove Collection (2006)
A Night in Amsterdam (2006)