440 – David Bowie – Let’s Dance

O final do contrato com a RCA deixou Bowie em uma encruzilhada. Após uma dezena de álbuns brilhantes e a carreira consolidade, ainda lutava com problemas financeiros, e por ser um cantor que não vendia tanto quanto sua fama aparentava. Aos 34 anos de idade, David Bowie parecia perdido num limbo. Foi quando aparecearam a EMI e o disco Let’s Dance.


Quando Bowie assinou com a EMI teve tratamento digno de estrela e recebeu nada menos do que US$ 20 milhões adiantados por cinco álbuns.

Pela primeira vez, David via-se livre dos problemas financeiros. Aliás, estava bem feliz com outra vitória na justiça quando conseguiu que Tony DeFries, seu ex-empresário que detinha 50% dos direitos autorais de todos seus álbuns desde Hunky Dory até o que produzisse por mais de duas décadas.

No novo acordo, DeFries teria metade dos direitos apenas dos discos Hunky DoryThe Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from MarsAladdin SanePin UpsDiamond Dogs e David Live, ou seja, os discos feitos entre 1971 e 1974.

Diferente da RCA, a estratégia da EMI era fazer de Bowie uma super estrela, vendê-lo em todo os cantos. A gravadora havia vencido uma corrida contra a CBS e a Geffen pelo seu passe, pagara muito caro e descobriu que teria um osso duro pela frente: a secretária pessoal do cantor Coco Schwab.

Schwab é considerada uma das grandes culpadas por alienar Bowie, nos anos 80, buscando o lucro fácil, com discos medíocres.

A idéia da EMI era colocar o produtor Tony Visconti, velho conhecido de Bowie na produção do primeiro disco. Mas, ao ligar para Coco, descobriu que o cargo pertencia a Nile Rodgers, ex-guitarrista do Chic e um produtor renomado.

Bowie, Steve Ray VaughanA escolha de Nile não poderia ter sido mais acertada. Além de ser um produtor antenado e um excepcional músico, Nile era uma pessoa fácil de se conviver, inteligente e sutil para lidar com o jeito ditadorial e cruel de David dentro do estúdio.

Com papo, bons argumentos e um time de primeira, Nile foi vital para comandar a virada na carreira de Bowie.

Os dois haviam se conhecido no festival de Montreux, em 1981, e embora conhecesse muito pouco sobre o trabalho de Bowie, ficou impressionado com o seu conhecimento sobre blues e ficaram de se encontrar na Califórnia, em poucos meses.

Rodgers montou um timaço para as gravações. Seus ex-companheiros de Chic, o baterista Tony Thompson – que tocou com o Led Zeppelin, no Live Aid, em 85 -,o baixista Bernard Edwards.

Na guitarra, a estrela era o então novato e semi-desconhecido Steve Ray Vaughan, além do próprio Nile, na outra. Os outros instrumentistas eram o baixista Carmine Rojas, o baterista Omar Hakim, o tecladista Rob Sabino, o trumpetista Mac Gollehon, o saxofonista Robert Aaron, o flautista Stan Harrison, o percussionista Sammy Figueroa, os vocalista Frank Simms, George Simms e David Spinner.

Foi o primeiro que David não tocou qualquer instrumento, ainda que assinasse a co-produção do disco.

As gravações começaram em janeiro de 1983, com alguns títulos curiosos, no estilo “Vampires and Human Flesh”, que foi logo descartada para entrar “Let’s Dance”.

Bowie, porém, queria mais do que fazer grandes músicas e voou para a Suíça onde encontrou o diretor David Mallet para discutirem os dois primeiros vídeos promocionais do novo álbum.

capa da edição inglesacapa da edição norte-americana

Uma das excentricidades de Bowie foi colocar sua namorada, Jee Ling, no clip de “China Girl”, uma canção que ele havia escrito com Iggy Pop, em 1977.

Pop sempre foi grato por essa gravação, já que ganhou uma bela grana de direitos autorais, em um dos períodos mais duros de sua vida.

Mas “China Girl!” não foi o primeiro compacto do lote.

Na verdade, o primeiro aconteceu ainda em 1982, quando co-escreveu “Cat People”, com Giorgio Moroder, para o filme de mesmo nome, em 1981.

Ela acabou ganhando uma nova versão, com vocais diferentes para o álbum. A versão original também pode ser ouvida no filme de Quentin Tarantino, Bastardos Inglórios.

“Cat People” foi apenas um petisco, com um modesto 26º lugar nas paradas e longe do que Bowie e Rodgers tramavam.

No dia 17 de março é editado o primeiro e mais famoso compacto do lote, a canção que levava o nome do disco, “Let’s Dance”.

Segundo Bowie, todo mérito dela cabe a Nile. “Cheguei um dia a ele e disse que tinha um tema meio pop, mas fraquinho, não sabia como poderia produzi-la. Ele só disse ‘deixa comigo’ e a transformou naquele monstro!”.

E que monstro! 500 mil cópias vendidas em uma semana na Inglaterra, roubando o primeiro lugar de seus alunos do Duran Duran, no topo da parada inglesa de compactos, onde morou por três semanas, mesmo posto obtido na América.

BOWIE IS BACK! berrava a EMI ao promovê-lo. E o mundo todo ouvia em alto e bom som! O camaleão experimentaria o sucesso em doses cavalares.

Menos de um mês após o sucesso da canção, com um belo clip dirigido por Mallet na Austrália, é editado o LP em questão.

Com uma bela capa, Bowie aparece como um pugilista, de luvas, como se estivesse pronto a tomar a parada musical a socos, no mundo todo, com seu funk moderno e dançante e cheio de ritmo.

Para um artista que havia feito fama – mas não tanto dinheiro – com álbuns difíceis e sendo reconhecido como um brilhante nome da “vanguarda”, a fama nesse patamar era mais do que ele poderia imaginar.

Editado no dia 14 de abril, Let’s Dance colocou Michael Jackson, The Police e Duran Duran no chinelo, na Inglaterra e ficando em quarto, nos EUA, com vendagens superiores a 6 milhões no planeta.

Aos 36 anos, Bowie era agora uma imensa estrela pop.

O disco trazia 8 faixas:

Lado 1

01. “Modern Love” – 4:46
02. “China Girl” (Bowie, Iggy Pop) – 5:32
03. “Let’s Dance” – 7:38
04. “Without You” – 3:08

Lado 2

01. “Ricochet” – 5:14
02. “Criminal World” (Peter Godwin, Duncan Browne, Sean Lyons) – 4:25
03. “Cat People (Putting Out Fire)”[8] (lyrics: Bowie, music: Giorgio Moroder) – 5:09
04. “Shake It” – 3:49

Pouca gente se lembra das outras canções, com exceção da faixa-título, “Modern Love” e “China Girl”.

As duas últimas ficaram em segundo lugar na parada inglesa, embora fizessem carreiras mais modesta na América, ficando, respectivamente, na 14ª e 10ª posições.

Ainda assim, foram mais do que suficientes para empurrarem a mais ambiciosa e cara turnê de Bowie até então, a Serious Moonlight Tour.

Nas entrevistas coletivas, Coco Schwab controlava os repórteres com mão de ferro. Qualquer pergunta, por exemplo, sobre a biografia de Angela Bowie, ex-esposa do cantor – Free Spirit – era sumariamente vetada. Já perguntas sobre o gigantesco da turnê, guarda-roupas ou temas da época de Ziggy – “você é gay, David?” – eram permitidas.

A turnê foi um sucesso, com um belo filme produzido, mas sérios problemas. E o maior deles aconteceu com o guitarrista Stevie Ray Vaughan.

Ele havia sido uma indicação de Mick Jagger para David. Vaughan era um tremendo guitarrista de blues, com seu próprio estilo e grupo, Double Trouble e já não gostava do que era obrigado a tocar, mas sabia que havia sido contratado para tocar dentro de um estilo completamente diferente. Os problemas, no entanto, foram outros.

Primeiro, Stevie ofereceu sua banda para abrir os shows. Pedido negado. Depois se revoltou com a proibição dos músicos da banda beberem ou usarem drogas? “Como assim, não podemos? E por que você pode?”

Outro ponto de discórdia, foi o guarda-roupa. Aquele rapaz do Texas se recusava a se vestir, em suas próprias palavras “cheio de lenços, babados, como uma bicha”. Vaughan tinha opiniões fortes e pesadas demais para alguém com um ego tão imenso como Bowie. David disse que era livre para ir se quisesse. Stevie nem pensou duas vezes, cendendo o seu lugar a Earl Slick.

Bowie confessou, anos atrás, que fez a turnê simplesmente por dinheiro e não para lembrar as pessoas como tinha escrito grandes canções.

Mais profissional via uma chance de ouro para finalmente se estabilizar em todos os sentidos.

A turnê teve um momento tocante e especial, justamente na sua noite de despedida, em 8 de dezembro, em Hong Kong.

Nesta data, dois anos antes, John Lennon havia sido assassinado e, em homenagem ao amigo e ídolo, cantou “Imagine”.

Era o fim de uma turnê de sete meses, 98 shows em quatro continentes e quase 3 milhões de espectadores, com Bowie se apresentado com ternos impecáveis, show com pirotecnias e grande carisma em palco.

Tudo que sempre mostrou desde a aparição da persona Ziggy Stardust, ainda que as versões de seus clássicos parecessem diluídas, se comparadas às originais ou as famosas apresentações dos anos 70.

Bowie estava rico, na grande mídia, mas algumas coisas pareciam ir mal.

Mas isso é papo para outro dia. Um abraço e até a próxima coluna.

Discografia

David Bowie (1967)
Space Oddity (também conhecido como Man of Words/Man of Music, 1969)
The Man Who Sold The World (1971)
Hunky Dory (1971)
The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars (1972)
Aladdin Sane (1973)
Pin Ups (1973)
Diamond Dogs (1974)
David Live (1974)
Young Americans (1975)
Station to Station (1976)
ChangesOneBowie (1976)
Low (1977)
“Heroes” (1977)
Stage (1978)
Prokofiev’s Peter and the Wolf (1978)
Lodger (1979)
Scary Monsters (And Super Creeps) (1980)
ChangesTwoBowie (1981)
Christiane F. Win Kinder (trilha sonora, 1982)
David Bowie in Betrtort Brecht’s Baal (1982)
“Peace on Earth” /“Little Drummer Boy” (com Bing Crosby, 1982)
Ziggy Stardust: The Motion Picture (1983)
Let’s Dance (1983)
Golden Years (1983)
Love You Till Tuesday (1984, gravado em 1969)
Tonight (1984)
Never Let Me Down (1987)
Tin Machine (1989)
Sound and Vision (1989)
ChangesBowie (1990)
Tin Machine II (1991)
Oy Vey, Baby (1992)
Black Tie White Noise (1993)
Singles: 1969-1993 (1993)
Buddha of Suburbia (1994)
1.Outside (1995)
Earthling (1997)
The Best of David Bowie 1969/1974 (1997)
The Best of David Bowie 1974/1979 (1998)
“hours…” (1999)
Singles Collection (1999)
Bowie at the Beeb: The Best of the BBC Radio Sessions (2000)
London Boy (2001)
Heathen (2002)
Reality (2003)
The Collection (2005)
The Platinum Collection (2005)
The Best of David Bowie 1980/1987 (2007)
Live Santa Monica ’72 (2008)
Glass Spider Live (2008)
VH1 Storytellers (2009)
A Reality Tour (2010)