068 – Ira! – Entrevista com Gaspa

Mais um banda que marcou minha vida. Eu fui um daqueles felizardos que comprei os discos do grupo na mesma época em que saíam, então posso falar de carteirinha sobre o que eles representaram. Era um período bacana. O rock nacional (re)surgia com força: Ultraje, Violeta de Outono, Plebe Rude, Legião Urbana, Camisa de Vênus, Capital Inicial, RPM (adoro o primeiro disco deles, confesso, e espero conseguir uma entrevista com alguém deles para esse espaço), Paralamas, Kid Abelha e os Abóboras Selvagens, Blitz, Lobão, entre outros. Mas o meu favorito era o Ira!


A razão talvez seja a combinação de personalidade e empatia que saía dos velhos sulcos dos vinis. Ok, nenhum deles era bonito como Paulo Ricardo (segundo as garotas, me incluam fora dessa) ou tinham a sensualidade da Paula Toller (a musa mais estonteante da música brasileira), não eram cultuados como a Legião, não possuíam a raiva da Plebe ao vivo, o escracho genial do Ultraje. Mas era um grupo de uma raça impressionante, letras feitas para quem tinha 15 ou 16 anos (era minha faixa etária na época), um guitarrista para lá de fabuloso, um vocalista que cantava com coração e uma das cozinhas (baixo e bateria) mais eficientes e menos comentadas naquela época. O Ira! era mais do que um grupo, era um estilo de vida. Por isso resolvi falar com um integrante da banda. Já falei no passado, de forma descontraída em um bar, com o Edgard, uma outra vez com Nasi, por telefone, e pensei, porque não mudar? Gaspa sempre foi o membro mais quieto do grupo (ou parece ser). Mandei um e-mail, algumas perguntas, que educadamente respondeu. Além do papo, tentarei contar um pouco da minha paixão que até hoje está ativa e promete um disco novo ainda em 2003.

capa de Vivendo e Não AprendendoDe todos os discos de bandas brasileiras que comprei, Vivendo e Não Aprendendo foi, de longe, o que mais ouvi. Era uma audição incessante e apaixonada e até hoje não sei como o coitado não furou (existem riscos, mas o som ainda está intacto). “Envelheço na Cidade” era um retrato meu. Falava de minhas angústias, vendo todos aqueles meninos da minha rua crescendo, ficando maiores do que eu, meu medo do vestibular, de ter que optar por uma carreira, entrar na famosa “vida adulta”. É uma época de muita pressão para qualquer um de nós, e agradeço que hoje tenha ficado para trás. Sou extremamente feliz que essa fase tenha passado e torço para as futuras gerações terem um pouco mais de paz espiritual que eu nunca tive. Quando quero me lembrar dos bons momentos (tive alguns, é claro) eu coloco os discos, fecho os olhos e canto todas as letras, sem precisar consultar novamente o encarte. Elas estão cravadas na minha alma. E quando os fantasmas da adolescência me atacam, eu durmo ou saio para caminhar.

Quando garoto eu sonhava em ter uma banda (idéia original pacas…). Não tenho voz e nem coragem para encarar o público de frente. Sonhava em ser guitarrista, porque o Edgard é canhoto como eu e segundo afirmou em uma declaração em uma revista anos atrás, aprendeu com o irmão, mas criou seu estilo peculiar de tocar sem inverter as cordas e com muito sacrifício. Mas ser igual a ele, o melhor guitarrista disparado do país, um monstro no instrumento? Nem pensar… Como sempre gostei de movimento, tentei ser baterista, mas depois de quase destruir um kit Yamaha importado de um colega (quase saímos na porrada) e descobrir que sou o cara mais sem ritmo que existe, pulei fora. E o baixo? Eu até cheguei a ter umas duas ou três aulas com um vizinho meu que tinha o instrumento, mas nunca progredi. Mas foi o instrumento que mais tive carinho. Vocês já repararam na atitude de um baixista em um show? É sempre o mais quieto, estático. Você pensa porque ele são dessa maneira. O som é discreto, mas fundamental para a execução da canção. Não vou ficar falando da importância técnica, até não sei nada sobre isso. Esse nariz de cera imenso é para apenas explicar porque fiquei feliz com a entrevista com o Gaspa.

capa de PsicoacústicaEu assisti o Ira! duas vezes ao vivo. Uma no final dos anos 80, quando promoviam o disco Psicoacústica e outra já no final da década de 90, quando fizeram o sensacional disco “Isso é Amor”. Duas performances distintas, mas ao mesmo tempo tão iguais. O calor, a intensidade, a cumplicidade com o público, a competência extrema, tudo perfeito. Em Ribeirão Preto, eu tinha amigos que dividiam-se em tribos dependendo de bandas. O cara mais CDF que conheci era viciado em Camisa, e em um dia não tão frio (em Ribeirão para ser considerado frio basta fazer 20 graus), chegou com um sobretudo preto, até o pé, todo abotoado e dizia que fazia parte da geração “Beth Morreu”. Outros, como eu, ficavam tentando decorar todas as letras do Ira! e sonhava com um show da banda lá por aquelas bandas. Nem preciso comentar que nunca foram. A primeira vez que ouvi “Núcleo Base”, achei uma versão atualizada e jovem de “Trem das Onze”. Nunca perguntei para o Edgard se a inspiração era essa, mas a história do cara que precisava voltar ao quartel porque fora alistado, me angustiava. Eu estava chegando nessa idade, e o alistamento era um fantasma para todos nós. Ficar horas e horas fardados, agüentando um babaca qualquer berrando no seus ouvidos, de guarda a madrugada inteira… Até hoje me provoca arrepios. E isso era a diferença do Ira!: as letras eram feitas para os garotos, eram mais urgentes e simples do que as do Legião, iam de direto ao seu estômago, como um direto do Mike Tyson ou um beijo de uma garota linda. Não tinha como ficar indiferente: era gostar ou não. E eu adorava.

A idéia era falar do disco Vivendo e Não Aprendendo, mas acabei me perdendo todo já. Essa não é uma coluna com intenção de contar uma fase da banda, é uma tentativa de botar alguns fantasmas meus para fora. Acho que já fiz isso e aborreci o leitor mais do que deveria. Por isso, vou deixar vocês com a entrevista com Gaspa, que fala também de seu conjunto paralelo de surf music, Huntington Bitches (veja o release da banda ao final da entrevista e o link para a página).

Mofo: Fale um pouco da trajetória da banda, desde o começo quando era Ira sem a exclamação e mais ligado ao punk até os últimos discos mais elaborados.
Ricardo Gaspa:
 O grupo existe desde 82 e desde o primeiro disco estamos com essa formação. No começo tocávamos em vários grupos. Eu tocava com o Nasi no Voluntários da Pátria, com Edgard no Cabine C e decidimos certo dia nos dedicarmos somente ao IRA!. O grupo seguiu em frente e adotávamos uma postura mais Mod do que Punk.

Mofo: Vocês são uma banda poderosa ao vivo. qual foi o melhor show que fizeram em sua opinião ou o mais antológico?
Ricardo Gaspa:
 Acho que foi um show – não lembro a data exatamente – , na Praça do Relógio, na Cidade Universitária, em São Paulo, no lançamento do disco Mudança de Comportamento. Tinha muita gente nem lembro quantas mil, inesquecível!

Mofo: Edgard pode ser considerado o líder da banda, já que compõem quase todas as músicas e canta. mas tanto você quanto o André fazem uma base sólida, eficiente e criativa. Vocês têm liberdade para opinar nos arranjos das canções?
Ricardo Gaspa:
 Sim, isso era mais do início do grupo, mas agora com tantos anos de estrada todos trabalhamos em função das músicas e existem canções de todos nós .

Mofo: Em uma entrevista para a MTV você afirmou que estava gravando um disco solo de surf music e o Edgard produziria. Esse projeto já rolou?
Ricardo Gaspa:
 Em parte. O grupo chama-se Huntington Bitches, temos gravadas sete músicas, mas sem a produção do Edgard. Dê uma conferida no site www.huntingtonbitches.cjb.net

Mofo: Quais são os baixistas que mais te influenciaram?
Ricardo Gaspa:
 Na verdade não fui influenciado por baixistas, mas por grupos de rock.

Mofo: Qual o disco do Ira! que vc mais gosta?
Ricardo Gaspa:
 Gosto de vários, mas eu citaria “Meninos da Rua Paulo”.

Mofo: Talvez vc não goste da pergunta, mas muita gente chegou a criticar a banda na época de nazista por causa da letra de “Pobre Paulista”. Vocês tiveram algum problema com a canção em shows ou mesmo na rua? Qual a sua opinião sobre ela?
Ricardo Gaspa:
 Estamos cansados de responder isso, não existe conotação alguma quanto aos nordestinos na letra, isso foi invenção de um certo jornalista. O nosso problema é tão somente responder sempre à essa pergunta.

Mofo: Poderia me citar quais discos ou artistas que curte ouvir em casa?
Ricardo Gaspa:
 Estou ouvindo muito anos 50/60/80, um pouco de tudo

Mofo: Por que o Ira! está hoje sem gravadora? Existe previsão para um novo disco?
Ricardo Gaspa:
 Estamos trabalhando um novo CD com previsão para entrarmos em estúdio em Junho. Quanto à gravadora é segredo

Mofo: Todos os discos que saíram pela Warner foram relançados e com faixas bônus. Você gostou das edições?
Ricardo Gaspa:
 Não. As coletâneas às vezes atrapalham o lançamento de um CD novo, como já aconteceu. No lançamento em uma loja existia o novo CD e a WEA lançava uma coletânea com dois ao preço de um. Isso não da certo e as capas também não têm um certo cuidado.

Mofo: Uma mensagem para os fãs.
Ricardo Gaspa:
 Sigam curtindo o Ira!, pois estamos trabalhando em um novo CD para vocês. Paz , Amor, Ira!

Para saber mais sobre o Ira!, entre no site http://www.uol.com.br/ira/


Release do Huntigton Bitches

A Verdadeira Surf Music atende pelo nome de Hutington Bitches!
Foramda pelo baixista do Ira! Ricardo Gaspa, no final de 96, apresentou-se em diversas casas noturnas em São Paulo. Com um repertório baseado na Surf Music instrumental dos anos 50 e 60, como The Ventures, The Shadows, Link Wray, The Surfaris, entre outras bandas, o grupo gravou o CD Alquimistas, lançado no final de Maio de 1999.

Contando com nova formação: Cleyton – Bateria , Ray – Guitarra, Gaspa – Baixo, o Huntington Bitches passou a fazer um som mais pesado e atual , com composições próprias. O grupo tem ensaiado e já conta com repertório para um próximo CD, desta vez mesclando músicas próprias e alguns covers.

O Huntington Bitches tem atuado no circuito underground e deve aumentar sua participação em festivais e apresentações em outros Estados.


Nesse ano resolvi sempre dar a discografia da banda, mas farei mais. Como a coluna virou pessoal demais, vou fazer uma lista com minhas 10 canções favoritas deles. Até mais!

01 – Rubro Zorro
02 – Envelheço na Cidade
03 – Dias de Luta
04 – Núcleo Base
05 – Tolices
06 – Mudança de Comportamento
07 – Tarde Vazia
08 – Gritos Na Multidão
09 – Bebendo Vinho (cover de Wander Wildner)
10 – Longe de Tudo

Discografia

Mudança de Comportamento (1985)
Vivendo e Não Aprendendo (1986)
Psicoacústica (1988)
Clandestino (1989)
Meninos da Rua Paulo (1991)
Música Calma para Pessoas Nervosas (1993)
Geração POP (1995)
7 (1996)
Você Não Sabe Quem Eu Sou (1997)
Isso É Amor (1999)
Ao Vivo MTV (2000)
Entre Seus Rins (2001)
Acústico MTV (2004)
Invisível DJ (2007)