013 – Hüsker Dü – Zen Arcade

Eles vieram da mesma terra de Prince, Minneapolis, mas o som não tinha nada a ver com o funk recheado de conotações sexuais do conterrâneo. Pelo contrário: o Hüsker Dü tinha uma origem muito mais pesada, fazendo um crossover entre o punk e hardcore. Seus primeiros lançamentos mostram um trio que toca rápido e com pouca variação. Músicas curtas, com baixo reto, riffs repetidos e vocais cuspidos e berrados. A influência do grupo, contudo, foi enorme e talvez tenha atingido o ápice em um disco duplo perturbador e imperdível: Zen Arcade. Lançado pela SST, o grupo mostrava uma maturidade impressionante e o disco seria o primeiro de álbuns seguidos de uma qualidade impressionante, até a separação final em 1987.

 


Greg Norton, Grant Hart e Bob MouldO Hüsker Dü foi uma das bandas independentes mais importantes da América, e há até quem os considerem os mais importantes. Um trio em que os Pixies, Nirvana, Sonic Youth beberam direto dessa fonte. Liderados por dois talentosos compositores, o baterista Grant Hart e o guitarrista Bob Mould, o grupo ficou junto por quase 10 anos e apenas sucumbiram quando os dois já não falavam a mesma língua e trataram de seguir seus caminhos. O quieto e bigodudo baixista, Greg Norton, resolveu abandonar a música e virou chef de cozinha. Mas antes disso acontecer, lançaram uma dezena de grandes discos e músicas. E, de todos, talvez o mais importante seja Zen Arcade, quando ainda gravavam pela gravadora independente SST, a mesma do Minutemen.

O começo do grupo aconteceu de uma forma imprevista: os moleques Greg Norton e Grant Hart se conheceram quando foram trabalhar como balconistas de uma loja de discos na cidade de Minneapolis. Certo dia, aparece um jovem nova-iorquino, estudante da faculdade de St. Paul, procurando alguns discos de grupos independentes que não conseguia encontrar na Big Apple.

Greg, Grant e Bob em 1980Em poucos minutos, os dois atendentes e o estudante (seu nome era Bob Mould) descobriram que tinham os mesmos gostos e resolveram formar uma banda. O ano era 1979 e acabaram formando o Hüsker Dü. O nome foi tirado de um jogo de tabuleiro com esse nome e que em sueco e norueguês significa “Do You Remember?”

O trio começou a ensaiar diariamente e tocar suas próprias canções. A influência óbvia eram os grupos punks e hardcore, embora eles fossem mais sujos e violentos. Na cabeça do trio, as canções seriam rápidas e com poucos acordes, sendo que deveriam ser tocadas da mesma maneira do começo ao fim.

“Nós definimos nosso som através de várias influências que tivemos. Não sei qual o nosso estilo, mas só sabemos que deixamos as pessoas nervosas”, declara o guitarrista Bob Mould.

Fizeram a primeira apresentação no campus da universidade em que Bob estudava, em 1979, logo após a comemoração da Independência.

Foi um show rápido e confuso, onde tocaram muito alto, e logo deixaram o palco, mas o suficiente para deixar os três felizes e começarem a tocar onde fossem aceitos. Rapidamente começaram a montar um enorme repertório, onde falavam de vários problemas, como violência, angústia, repressão sexual, drogas e os medos do homem nos dias de hoje.

”Não queremos ser tratados como estrelas. A ambigüidade do nome é para que as pessoas fiquem perguntando quem somos e para que ouçam nosso som ao vivo e jamais colocaremos uma foto nas capas de nossos discos, porque não queremos vender uma imagem nossa”, garantia Bob, o que era um alívio, já que os três não eram um modelo de beleza, para se dizer o mínimo.

capa do compacto Statues / AmusementAo vivo, eram rápidos, incandescentes, com Bob tirando riffs poderosos de sua guitarra Flying V. Com a confiança adquirida no repertório montando, começaram a procurar algum selo que quisessem bancar uma gravação inicial.

Encontraram a Reflex Records, que em janeiro de 1981, lançou o primeiro compacto Statues / Amusement.

Com um compacto embaixo do braço, continuaram a fazer shows, e em 1982 estavam prontos para lançarem o primeiro LP, Land Speed Record.

capa do disco Land Speed RecordGravado ao vivo, continham 17 músicas cuspidas em 26 minutos, tocadas com urgência. O disco saiu primeiro pelo selo New Alliance, e havia sido gravado em agosto de 1981, e depois foi relançado pelo selo Alternative Tentacles, de propriedade de Jello Biafra, líder dos Dead Kennedys. Alguns dos títulos podem dar idéia dos temas que abordavam: “Guns At My School” (Armas na minha escola), “You’re Naive” (Você é ingênuo) e “Let’s Go Die” (Vamos morrer). Diretas, não?

No mês seguinte lançam um novo single, In a Free Land e participam de algumas coletâneas do selo, com as canções “Barefoot And Pregnant”, “Kitten” e outra da Sound Records, com a música “Meathouse”.

capa do disco Everything Falls Apartcapa do disco Everything Falls Apart And More, lançado em 1993, pela gravadora RhinoEm 1983, lançam o segundo disco e o primeiro gravado em estúdio, Everything Falls Apart, com 12 canções, sendo elas uma cover inusitada de “Sunshine Superman”, de Donovan.

Mas, no geral, as músicas são tocadas da mesma maneira: alta, com baixo reto e muita velocidade. Uma curiosidade: ao ser lançado em CD, em 1993, o disco traria algumas novidades, com 19 faixas, incluindo o compacto In a Free Land, uma versão diferente de “Statues”, a canção “Amusement” e uma demo com a canção “Do You Remember?” e com nome alterado para Everything Falls Apart And More, lançado pela gravadora Rhino.

capa do EP Metal CircusNo mesmo ano lançam novo trabalho, o EP Metal Circus. com sete músicas, sendo que uma delas é assustadora: “Diane”. Com versos como “Ei garotinha, você quer uma carona?/ Bem, eu tenho um lugar na minha perua, por que você não entra/ Nós podemos cruzar a Rua Robert por toda noite / Mas eu acho, que ao invés disso, vou estuprá-la e matá-la.”

O grupo começa 1984 surpreendendo os fãs ao lançarem um compacto com a canção “Eight Miles High”, clássico dos Byrds, lançada no disco Fifth Dimension, em 1966.

capa do compacto Eight Miles HighO grupo californiano era um dos favoritos de Bob Mould, e em 1990, esse compacto seria relançado ao lado de outro, Makes No Sense At All, em CD.

Bob Mould gostava de dizer em entrevistas que as letras da banda tinham uma função básica: fazer as pessoas pensarem, enquanto dançavam. “Nossas canções estão evoluindo em todos os aspectos. Não precisamos mais sair tocando tão rápido quanto antes e queremos mostrar um novo lado musical, com a inclusão de alguns instrumentos, como teclados e algumas composições mais elaboradas. Nossos shows tendem a ser mais longos, menos violentos. Não podemos soar sempre da mesma maneira.”

capa do disco Zen ArcadeE, em 1984, lançam aquele que é considerado o disco mais importante de sua carreira: Zen Arcade. Um disco duplo, com 23 canções e que foi chamado de White Album (referência ao disco duplo dos Beatles, lançado em 1968) do punk e hardcore. Grant Hart dizia que as canções não tinham necessariamente um fio condutor entre elas, embora em algumas faixas isso seja evidente. É também o disco mais trabalhado do grupo, com Bob e Grant dividindo composições, além de percussões e teclados.

Na verdade, o disco flutua por várias tendências: há experimentalismos longos e pesados, como a última faixa, “Reoccurring Dreams”, com seus mais de 13 minutos que parecem de um vulcão ativo; mas há momentos mais calmos, menos intensos. As letras falam de drogas, como em “Pink Turns to Blue”. Bob Mould disse que eles não se permitiram ser pessimistas. “Veja essas bandas de hoje falando em morte e que morreremos um dia. Todo mundo sabe que isso acontecerá, mas nós queremos falar do dia-a-dia, da realidade. Não vamos ficar nos lamuriando e enchendo quem ouve o disco.”

Bob disse ainda que suas letras refletem suas idéias. “Eu não vou escrever sobre política ou de assuntos que não me interessam. Eu quero dizer coisas que as pessoas dizem a seus melhores amigos, quando eles têm a chance de possuir um. Muito se fala de nosso pessimismo e raiva em nossas composições, mas somos exatamente o oposto disso. Não somos pessoas insensíveis, mas nos sentimos frustrados porque continuam vendo o Dü como se fosse um grupo que prega o fim da esperança e derrotados. E tenho medo de que isso acabe nos atingindo e que o medo transborde em nossas canções.”

Mas, de fato, o medo é um dos temas mais fortes de um disco tão sombrio, escuro, denso. Algumas das composições são bem sujas e trazem letras pesadas, como na faixa de abertura, “Something I Learned Today”: “Alguma coisa eu aprendi hoje / Preto e branco sempre dá cinza / Olhando através da janela / Eu não estou dentro de seu cérebro / Algumas coisas eu aprendi hoje / …./ Existem algumas regras, mas não são minhas / Algumas coisas eu aprendi hoje / Nunca olhe diretamente para os raios solares / Deixe os raios entrarem / Eu não me lembro onde estive.”

Bob surpreende ao dizer que está certo de que os fãs nunca amarão a banda. “eu tenho certeza que as pessoas só prestam atenção em nós porque Jello (Biafra) vive citando o Hüsker como a melhor banda do mundo. Acho que agora estamos um pouco mais distantes daquela definição de que somos um trio hardcore. Alguns gostam de nós da mesma maneira que gostavam antes dos Sex Pistols. Mas isso não quer dizer que sejamos querido pelo público.”

O disco teve um forte concorrente no mundo hardcore, já que o Minutemen também havia lançado um disco duplo, Double Nickels On The Dime, e pela mesma gravadora, a SST. Isso não teria gerado um enfraquecimento na mensagem do grupo ou afetado as vendas?

“Tenho certeza que não, porque eles possuem um foco totalmente diferente do nosso: exploram uma outra sonoridade e suas letras são bem mais engajadas. Na verdade, as únicas semelhanças é que os dois grupos são trios e a nossa amizade. E quanto mais discos bons, melhor”, explicou Grant Hart.

E enquanto o disco era lançado o grupo já estava gravando um novo petardo, New Day Rising. Mas esse disco e a futura mudança para a Warner, quando foram acusados de traidores ao mudarem para uma grande casa e “suavizarem” o som, assim como os dias finais da banda, ficam para uma outra coluna. Deixo vocês com uma letra do disco, que foi gravado e mixado em míseras 85 horas, e a discografia. Um abraço e até a próxima coluna.

Masochism World

Can you feel it feel it feel it
In your soul
Can you tell me
Tell me if it’s hot or cold


Can you tell me what it is
Does it hurt you when I do this

Stop it stop it stop it
You’re pulling too hard
Stop it
You’re going too far

I love it I hate it I love it I hate it too
I love it
So how about you?

Can you tell me ‘cause I don’t know
Why don’t you tell me why is it so
Confusing!

Discografia

Statues / Amusement (single, 1981)
Land Speed Record (1982)
Everything Falls Apart (1983)
Metal Circus (EP, 1983)
Eight Miles High (single, 1984)
Zen Arcade (1984)
New Day Rising (1985)
Makes No Sense At All (single, 1985)
Flip Your Wig (1985)
Candy Apple Grey (1986)
Warehouse: Songs and Stories (1987)
The Living End (1994)