404 – Jeff Beck – Truth

Ele é considerado o “guitarrista dos guitarristas”, o maior de todos, ainda que a história o tenha eclipsado por Jimi Hendrix, Jimmy Page, Eric Clapton etc… Mas Beck segue sendo um dos grandes músicos de todos os tempos e tem um legado imenso, que começou no Yardbirds (onde substituiu o amigo Eric e tocou junto com o jovem Page), até começar uma carreira-solo irregular, com poucos discos. Mas entre uma fase e outra, Beck montou um grupo fantástico com dois jovens então desconhecidos – Ron Wood e Rod Stewart – e fez um dos mais importantes álbuns dos anos 60: Truth.


Pouca gente sabe que Geoffrey Arnold “Jeff” Beck é um das grandes lendas do instrumento.

Beck foi um dos três guitarristas lendários do Yardbirds, ao lado de Eric Clapton e Jiimy Page, embora os três não tenham sido integrantes ao mesmo tempo.

Mas Jeff sempre foi um músico de uma técnica exuberante, criativo e que poderia ter feito muito mais sucesso não fosse dono de uma personalidade fortíssima e pouco simpático às pressões comerciais.

Natural de Wallington, veio ao mundo no dia 24 de junho de 1944, Jeff adorava ouvir sua mãe Ethel tocar piano em casa, além de ouvir as músicas do rádio, que vivia constantemente ligado.

“Para meus pais, que viviam o período da guerra, a música era uma espécie de conforto. A vida era muito dura e a música os ajudava a esquecer os problemas. E isso, certamente, me influenciou muito. Quando garoto, me lembro de ficar ouvindo jazz pelo rádio, quando o estilo explodiu na Inglaterra. Eu passava horas e horas ouvindo, embora meus pais desaprovassem meu hábito.”

O jovem Geoffrey fazia parte do coral da igreja aos 10 anos e ainda adolescente aprendeu a tocar violão com um instrumento emprestado. Como não tinha dinheiro para comprar um, o garoto tentou construir o seu, inúmeras vezes. Jeff era fascinado pela guitarra elétrica, especialmente de seu ídolo Brad Kinnison, guitarrista-solo do Gene Vincent and the Blue Caps. Outras grandes influências foram Chuck Berry e Steve Cropper.

Aos 20 anos, ele já tinha certeza absoluta que a música seria sua vida e resolveu se mudar para Londres e tentar a sorte com tantos outros jovens.

Enquanto dava os primeiros passos, foi estudar na Wimbledon’s Art College, pois não estava totalmente certo das suas habilidades. Jeff fez de tudo um pouco: foi pintor, deocrador e através de sua irmã conheceu um outro jovem igualmente talentoso chamado Jimmy Page.

Aos poucos foi se tornando músico de estúdio e tocou com o Screaming Lord Sutch e o Trident.

A sorte começou a virar em março de 1965 quando Eric Clapton deixou os Yardbirds, irritando com a banda, que perseguia um caminho mais comercial, especialmente por causa do single “For Your Love”.

Assim, indicado pelo amigo Page – que ainda não era membro do grupo. Era sorte grande.

Ao entrar no grupo, Jeff mudou o rumo do grupo, abandonando um pouco a fase mais purista do blues e levou o grupo de encontro ao psicodelismo que começava a tomar conta da cena inglesa. Seu primeiro concerto no novo grupo aconteceu dois dias após a saida de Clapton.

Em agosto daquele mesmo ano, a banda faz a primeira excursão norte-americana – seriam ainda mais três – e um grande álbum em 1966, Yardbirds, conhecido na América como Roger the Engineer, lançado em abril.

Extremamente talentoso, Jeff inovou em áreas quase inéditas, revolucionando o uso do fuzz tone, feedback e distorção. Não por acaso foi eleito o músico inglês pela revista Beat Instrumental.

O grupo chegaria a participar do filme Blow-up, do cineasta Michelangelo Antonioni. Logo após o lançamento, o baixista Paul Samwell-Smith deixa a banda para começar uma carreira como produtor. Em seu lugar entra o jovem Jimmy Page. Page se tornou baixista por um tempo, até que o outro guitarrista, Chris Dreja aprendesse a usar o instrumento. Tão logo isso ocorreu, o Yarbirds era premiado com uma dupla genial de guitarristas: Beck e Page.

O Yardbirds começa uma turnê abrindo shows para os Rolling Stones e lançam singles elaborados. Um exemplo é “Happenings Ten Years Time Ago”, que contava com um excelente baixista, então desconhecido: John Paul Jones.

Beck e Page, porém, gravaram pouco na banda e Jeff acaba sendo demitido no Texas, em outubro de 1966.

O temperamento forte, o perfeccionismo e o fato dos outros músicos – exceção a Page – não conseguirem executar o que ele queria, o deixavam frustrado e enfurecido. Para piorar, os instrumentos utilizados nos shows, nem sempre eram de boa qualidade, o que o irritava ainda mais.

Após deixar o Yardbirds, Beck voltou para Londres e foi contatado pelo empresário Mickie Most para montar um novo grupo.

Most queria que Beck começasse uma nova banda com um jovem cantor, totalmente desconhecido, mas com um timbre único: Roderick David Stewart, ou simplesmente Rod Stewart, um londrino nascido em 10 de janeiro de 1945, e que havia dado os primeiros passos como vocalista do Steampacket e do Long John Baldry, além de alguns compactos lançados pela Decca e Immediate Records.

Jeff não conhecia Rod e se encontraram pela primeira vez em um clube em Cromwellian. Junto com Rod Stewart veio um outro guitarrista, Ronnie Wood (Ronald David Wood, nascido no dia 1º de junho de 1947, em Londres) e que já havia passado por um grupo de nome The Birds (não confundir com o californiano The Byrds), grupo de curta existência (aproximadamente entre 1964 até 1967), onde Ronnie escreveu algumas músicas.

O primeiro baixista a ser testado foi Jet Harris, do Shadows, de quem Beck gostava.

Mas os primeiros ensaios mostraram que ele não era o músico que procuravam.

Outro tentado foi Dave Ambrose, igualmente um fracasso.

A solução acabou se tornando caseira, com Ronnie assumindo a função, após roubar um Fender Jazz Bass, em uma loja no West End londrino. Reza a lenda que anos depois, Ron adentrou na mesma loja e pagou pelo instrumento.

O primeiro baterista foi Ray Cook e os primeiros shows foram infernais. Em uma apresentação, a banda teve os amplificadores desligados.

Na mesma noite, se apresentariam o Small Faces. Outros bateristas passaram pelo grupo, como o renomado e extremamente versátil Aynsley Dunbar, que não se encaixava no som que Beck desejava.

Jeff só sossegou quando encontrou o baterista Mick Waller. “Ele não tinha a atitude ‘heavy metal’ que eu buscava, mas era muito bom, muito técnico e com classe. Começamos a cair na estrada como um quarteto, embora no estúdio tivéssemos a companhia de Nicky Hopkins (tecladista). Mas nas apresentações éramos nós quatro que fazíamos todo o ‘trabalho sujo'”.

Enquanto montava a banda, Jeff levava uma vida “dupla”, pois tinha lançado um compacto solo – Hi Ho Silver Lining -, que trazia “Beck’s Bolero”, no lado B e chegou a ficar na 14ª posição na parada britânica.

A banda das gravações consistia em no baterista Clem Cantini, no baixista Mick Ambrose e tinha a produção de Mickie Most.

Jeff vivia angustiado, pois odiava a imagem do compacto e tinha medo de ser eternamente lembrado como o menino bonito que tinha um lenço rosa em volta do seu pescoço. Por outro lado, Mickie Most não queria saber do novo grupo de Beck. “Eu assinei com um cantor e não com uma banda que tem um cantorzinho”, dizia Most, enquanto Beck só queria uma banda onde pudesse tocar alto e cada vez mais potente.

Para desespero de Jeff, a Columbia ouvia os primeiros registros do grupo e dizia “grande cantor, Jeff. Mas quem é esse na guitarra?”. Beck temia, e com razão, que Rod rapidamente sumisse do grupo, já que era apenas um empregado.

Enquanto se sentia perdido, foi salvo por um empresário que se tornaria lendário nos anos 70: Peter Grant, o mesmo que fez do Led Zeppelin, a maior banda dos anos 70.

Peter acolheu Jeff e disse para abandonar a carreira-solo, Mickie Most e ir para a América, para fazer dezenas de shows, onde havia milhares de pequenos clubes e assentos para serem preenchidos.

Em 1968 entram em estúdio para a gravação do primeiro álbum, Truth. O disco é um marco em vários aspectos, embora tenha falhado em outros.

Produzido igualmente por Mickie Most e tendo Ken Scott como engenheiro de som – anos depois Ken usaria todos os truques aprendidos nessas sessões com o guitarrista Mick Ronson, nos primeiros álbuns deste com David Bowie – Truth é um tremendo disco que misturava blues, hard, heavy metal e até alguns detalhes do que viria a ser o rock progressivo.

O grande problema do álbum era a falta de grandes composições dos próprios integrantes: embora Rod fosse um bom compositor, suas músicas tinham um sabor mais folk, totalmente inapropriado para o som. Beck também não conseguia escrever muitas coisas e o grupo acabou gravando um fabuloso disco de covers.

O álbum trazia as seguintes faixas:

Lado A

1. “Shapes of Things” 3:22 (Chris Dreja, Jim McCarty, Keith Relf, Paul Samwell-Smith)
2. “Let Me Love You” 4:44 (Jeff Beck. Rod Stewart)
3. “Morning Dew” 4:40 (Bonnie Dobson, Tim Rose)
4. “You Shook Me” 2:33 (Willie Dixon, J. B. Lenoir)
5. “Ol’ Man River” 4:01 (Jerome Kern, Oscar Hammerstein)

Lado B

1. “Greensleeves” 1:50 (Traditional, arranged by Jeff Beck)
2. “Rock My Plimsoul” 4:13 (Jeff Beck, Rod Stewart)
3. “Beck’s Bolero” 2:54 (Jimmy Page)
4. “Blues De Luxe” 7:33 (Jeff Beck, Rod Stewart)
5. “I Ain’t Superstitious” 4:53 (Willie Dixon)

O álbum fez um bom sucesso, chegando ao 15º posto nos EUA, mas algumas composições ficaram esquecidas, como é o caso da versão de “You Shook Me,” pois seis meses depois, o Led Zeppelin fez uma versão bem mais pesada em seu álbum de estréia.

Truth abre com uma antiga canção dos Yardbirds, “Shapes of Things”, onde Rod começa a mostrar ao que veio.

Com seus vocais rasgados (o próprio descreveu como uma lixa sendo passada em veludo). A segunda é uma composição de Rod e Jeff, o blues “Let Me Love You”, passando pela balada “Morning Dew”.

Segue-se “You Shook Me” e “Ol’ Man River”, onde Beck toca baixo e John Paul Jones brlha no órgão e Keith Moon faz uma aparição tocando timpani, atrás dos vocais de Rod.

O lado B abre com a tradicional “Greensleeves”, gravada por gente como John Coltrane, com Jeff brilhando no violão, ao melhor estilo Chet Atkins. Jeff era grande fã de Chet e quando mostrou a versão a Most, o produtor adorou e decidiram incluí-la.

O blues volta com força em “Rock My Plimsoul”, outra composição de Rod e Jeff, improvisada em cima de “Rock Me Baby”, de B.B. King.

A seguir vem uma composição de Jimmy Page em homenagem ao seu amigo, ainda nos tempos de Yardbirds, “Beck’s Bolero”, feita uma sessão com Nicky Hopkins, John Paul Jones e um demente Keith Moon na bateria.

“Eu ficava espantando com Keith, parecia que queria demolir o kit inteiro. Puro heavy metal!”.

O disco traz outra composição da dupla Rod-Jeff, “Blues De Luxe” (novamente chupando B.B, desta vez em “Gambler’s Blues”) e fecha com outro clássico de Willie Dixon, “I Ain’t Superstitious”.

Em 2006, o disco foi editado em CD com várias faixas bônus, trazendo, inclusive, os compactos solos de Jeff Beck, como “Tallyman” e “Hi Ho Silver Lining”:

Faixas:

1. “Ive Been Drinking” Stereo mix – B-Side of “Love is Blue” single (3:25) (Mercer, Tauber)
2. “You Shook Me” Take – minus piano overdub (2:31) (Willie Dixon, J. B. Lenoir)
3. “Rock My Plimsoul” – Faster tempo take, B-Side of “Tallyman” single (3:42) (Jeff Beck, Rod Stewart)
4. “Beck’s Bolero” Mono Mix with backwards guitar ending (3:11) (Jimmy Page, Jeff Beck, uncredited)
5. “Blues De Luxe” Take 1 (7:33) (Jeff Beck, Rod Stewart)
6. “Tallyman” 1967 Single A-side (2:46) (Graham Gouldman)
7. “Love is Blue” (2:57) Single A-side (Popp, Cour, Blackburn)
8. “Hi Ho Silver Lining” (3:46) (Scott English, Lawrence Weiss)

O grupo ainda gravaria outro disco – Beck-Ola – antes de se desfazer. Mas isso é papo para outro dia. Um abraço e até a próxima coluna.

Discografia

Truth (1968)
Beck-Ola (1969)
Rough and Ready (1971)
Jeff Beck Group (1972)
Beck, Bogert & Appice (1973)
Live in Japan (1974)
Blow by Blow (1975)
Wired (1976)
Jeff Beck With the Jan Hammer Group Live (1977)
There and Back (1980)
Flash (1985)
Jeff Beck’s Guitar Shop (1989)
Beckology (1991)
Frankie’s House (1992)
Crazy Legs (1993)
Best of Beck (1995)
Who Else! (1999)
You Had It Coming (2001)
Jeff (2003)
Live At BB King Blues Club (2006)
Performing This Week…Live At Ronnie Scotts (2008)