Quem odeia as rádios FMs
babas e não suporta mais sair pela rua e ver casas de pagode,
breganejo e outras atrocidades, não entende o motivo do
rock não ter mais seus espaço cativo em casas noturnas.
Afinal, se todos os "estilos" sobrevivem com uma biboca
aberta com manobrista, ar-condicionado, cerveja gelada, porque
os ditos roqueiros não criam um espaço também?
Ah, eles criam? Mas você não está chamando
aqueles lugares apertados, com um banheiro entupido e imundo para
50 pessoas, cerveja quente, sem ar-condicionado, com gente espremida
feito sardinha e pagando um preço exorbitante de um passeio
adequado, está? É esse o espaço para as novas
bandas? Ou é um programa de índio?
Pense
na seguinte situação e vamos analisar. Comecemos
pela maior cidade da América Latina, São Paulo,
onde tudo acontece primeiro. Há mais ou menos 20 anos atrás,
quando explodiu a geração 80 do rock tupiniquim,
em plena ditadura militar, havia espaços exíguos
para que RPM, Ultraje A Rigor, Violeta de Outono, Titãs,
Ira!, Legião, etc... se apresentassem. Os lugares eram
apertados, quentes, com péssima acústica e as deficiências
técnicas não podiam ser consideradas um problema
para as bandas novatas. O que valia era dar o recado e tocar,
tocar. E se eu falar que, hoje, quase 25 anos depois, com a democracia
e “Lulinha paz e amor” no governo, as condições
daquela época causam inveja, dá para entender? E
se fizermos uma comparação com alguns países
de fora, como estamos?
Pensando nisso, pedi para
que um músico norte-americano quase lendário do
meio (Steve Wynn), e dois donos de gravadoras independentes -
um canadense (Ralph Alfonso) e um australiano (Peter Kowarsky)
- que militam por esse mundo, dissessem como é a vida por
lá, para que possamos fazer uma comparação.
A idéia não é mostrar os problemas, até
porque todos sabem quais são, mas ver porque o Brasil ama
tanto o tal “rock alternativo”, mas maltrata terrivelmente
o consumidor desse tipo de música, enfiando essas pessoas
em lugares sem higiene, segurança e obrigando a desembolsar
uma grana alta, fazendo o programa de “indie” virar
de índio.
Se
por aqui, o caos reina, Steve Wynn fala que a cena independente
na América vai bem, muito obrigado.
“Bem, agora é tudo tão novo. Antigamente não
havia um circuito para o rock alternativo como hoje e você
precisava viajar de uma cidade para outra para descobrir quem
eram seus fãs, tocando nos lugares “new wave”
e tudo que poderia se dizer é que tinha algo diferente
acontecendo. Eu penso que os artistas que tocavam esse tipo de
músicas eram sustentados por esses fãs que sabiam
que éramos desprezados e que eram uma minoria e isso fazia
tudo mais excitante, ainda que significasse um período
de extrema dureza para as bandas.”
Para ele, os seus fãs
continuam os mesmo desde os tempos em que tocava no Dream Syndicate
e que continuam sendo amantes da boa música e com quem
é possível tomar uma cerveja e até sair com
alguns.
“A maioria dos meus fãs são grandes amantes
da música, pessoas que amam e apreciam qualquer tipo de
qualquer época. Essas pessoas podem ser velhas, jovens,
homens, mulheres, tímidos, enfim, pode dar o rótulo
que quiser. Normalmente eu me divirto muito conversando e tomando
uma cerveja com pessoas que vieram me assistir, e eu acho que
eles são as pessoas mais legais com quem você pode
sair.”
Se
na América, o circuito independente vai bem, o mesmo pode
ser dito na Austrália, com uma rica cena explodindo em
todas as esquinas, segundo Peter Kowarsky. Ele fundou a Cumbersome
no dia 1º de abril de 2003, o famoso dia da mentira e teve
como mote ajudar e criar um espaço fixo para essas novas
bandas que queriam fazer música fora do mainstream
e não tinha como produzi-la ou distribuí-la.
“Após um ano experimentamos um crescimento forte
e fomos ganhando suporte de músicos locais e fãs,
em geral. Hoje, exploramos vários ritmos, como o pop, punk,
hip-hop, rock, eletrônico, experimental, sempre procurando
artistas que queiram explorar novas possibilidades, sejam eles
australianos ou de qualquer canto do planeta.”
Peter explica que gosta
de lançar coletâneas como forma de divulgar mais
as bandas que gravam e lançam esses cds por um preço
módico (cinco dólares australianos). A idéia
é ajudar os artistas a levantarem uma grana e também
ajudar a própria Cumbersome a sobreviver.
E
no Canadá, a cena é igualmente diversa. Para quem
acha que o país é apenas um apêndice dos Estados
Unidos, fique sabendo que a pátria de Leonard Cohen, Neil
Young, 4/5 dos membros do The Band e Cowboy Junkies tem muito
a oferecer.
Segundo Ralph Alfonso,
da Bongobeat, o Canadá é um país com música
vibrante e com uma cena vasta que muda conforme a região.
“O centro de tudo é Toronto, onde estão os
grandes selos e onde existe uma excitante cena de pequenos clubes
que tocam jazz, punk. Em Montreal, o jazz, o folk e a world music
predominam, com as bandas The Dears, Suse Arioli e Stef, que faz
uma ‘samba jazz’. Halifax, na costa leste, ficou famosa
por causa da Subpop, que assinou com quase todas as bandas da
região na década de 90. Vancouver é casa
da eletrônica e das raves e possui uma cena alternativa
muito forte.”
Obviamente que essas bandas
e selos não podem ser considerados campeões de vendagem,
mas todos conseguem sobreviver dignamente e sem precisar apelar
para truques mercadológicos, até porque correm o
risco de perderem a credibilidade e seus fãs.
“Ah,
números são coisas tediosas. Vamos dizer que eu
vendo discos suficientes e levo pessoas em bom número para
meus shows por eu ser um 'músico profissional'. Em outras
palavras, esse é meu trabalho há mais de 20 anos
e é o suficiente para mim”, afirmou Steve Wynn, que
revela que seu selo, Astrodiscos está tentando encontrar
uma parceira no Brasil, sendo que já estão iniciando
distribuição no México e na América
do Sul. “A Astrodiscos está começando a distribuir,
mas ainda não sei se eles estão com planos de lançar
algo no Brasil. Espero que seu país entre na rota do selo
quando meu novo disco sair em setembro. Vamos cruzar os dedos!”,
pede Steve, que revela uma outra curiosidade: “eu financio
meus próprios discos e então escolho o melhor selo
para lançá-los para o maior número de pessoas.
Algumas vezes, as majors são boas, mas normalmente
perdem o foco quando possuem um grande nome que paga suas contas
e só posso duramente criticá-los por esquecerem
os outros grupos. É isso que os mantêm vivos, mas
eu prefiro trabalhar abaixo do radar, onde o ar é mais
respirável.”
Mas não é apenas em disco e em shows que você
pode ver todo mundo. Peter explica que, em Melbourne, eles levaram
o lema punk Do It Yourself, o famoso “faça
você mesmo” às últimas conseqüências.
É possível especular que eles não devem ter
a metade ou um terço das dificuldades e burocracias que
encontramos aqui, mas há quanto tempo não ouvimos
falar e ouvir genuínas rádios alternativas? Acho,
que na verdade, nunca tivemos uma que mereça esse título
e que ainda possa ostentar essa bandeira. Peter explica que os
membros dos grupos atuam como empresários, agentes, engenheiros
de som e que também contam com uma enorme ajuda das rádios
alternativas e comunitárias, citando a 3RRR (rrr.org.au)
e a PBS FM (pbsfm.org.au), que entrevistam bandas locais e fazem
promoção dos shows, nos inúmeros pubs e clubes,
que mesmo minúsculos, vivem abarrotados.
Um dos grandes problemas
que se encontra no Brasil é a idéia idiota de que
o alternativo não vende ou não dá dinheiro.
Mais estranho é que o Brasil é hoje um dos cinco
países do mundo que mais consome “bandas alternativas”
e que quando uma delas, por milagre, aqui se apresentam, viram
semi-deuses e se assustam com a romaria que provocam. É
simples ver isso se observarmos o frisson causado por Pixies e
pelo Teenage Fanclub.
Mas há que se culpar os próprios amantes desse tipo
de música. As pessoas aceitam qualquer coisa que é
jogado e tido como “diferente” e compram gato por
lebre com grande facilidade. É muito estranho que você
seja obrigado a entrar em biroscas fedidas e agüentar acomodações
e instalações tétricas e pagando preço
salgados, como se fosse a casa da moda. Isso sem falar nas bandas.
A grande maioria acha que rock é sinônimo de barulho
e caos e muitos grupos sem a menor experiência, qualidade
ou com uma proposta decente assaltam os palcos e ferem nossos
ouvidos. Nem sempre um equipamento de primeira rende uma música
de mesmo nível, mas não é porque as condições
são precárias que a música apresentada deve
ser igual. É preciso investir em repertório, produção,
ensaios e mostrar que a palavra “alternativo” quer
dizer apenas uma opção de ir contra a corrente vigente,
e que não ser popular ou famoso, necessariamente não
obriga o artista a ser ruim.
Concluo dizendo que, infelizmente,
não consegui nenhum depoimento de algum país da
Europa. Embora seja um limitante, a amostragem desses três
países serve como parâmetro para nós. E lembre-se:
sempre que você for começar a chorar porque neguinho
não toca aqui ou que a noite de sua cidade é um
tédio, pare e pense como é possível mudar
essa situação. Nada é fácil, mas nada
é tão complicado. E, quem sabe, poderemos ver Steve
Wynn no Brasil sem precisar ficar cruzando os dedos ou apenas
lendo e dizendo que o Brasil é o fim da picada mesmo.
Se você quiser saber
mais sobre eles, acesse o site www.stevewynn.net, www.cumbersome.net
ou www.bongobeat.com.
Um abraço e até
a próxima coluna.
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