133 - Programa de “indie” ou “programa de índio”?


Quem odeia as rádios FMs babas e não suporta mais sair pela rua e ver casas de pagode, breganejo e outras atrocidades, não entende o motivo do rock não ter mais seus espaço cativo em casas noturnas. Afinal, se todos os "estilos" sobrevivem com uma biboca aberta com manobrista, ar-condicionado, cerveja gelada, porque os ditos roqueiros não criam um espaço também? Ah, eles criam? Mas você não está chamando aqueles lugares apertados, com um banheiro entupido e imundo para 50 pessoas, cerveja quente, sem ar-condicionado, com gente espremida feito sardinha e pagando um preço exorbitante de um passeio adequado, está? É esse o espaço para as novas bandas? Ou é um programa de índio?


Pense na seguinte situação e vamos analisar. Comecemos pela maior cidade da América Latina, São Paulo, onde tudo acontece primeiro. Há mais ou menos 20 anos atrás, quando explodiu a geração 80 do rock tupiniquim, em plena ditadura militar, havia espaços exíguos para que RPM, Ultraje A Rigor, Violeta de Outono, Titãs, Ira!, Legião, etc... se apresentassem. Os lugares eram apertados, quentes, com péssima acústica e as deficiências técnicas não podiam ser consideradas um problema para as bandas novatas. O que valia era dar o recado e tocar, tocar. E se eu falar que, hoje, quase 25 anos depois, com a democracia e “Lulinha paz e amor” no governo, as condições daquela época causam inveja, dá para entender? E se fizermos uma comparação com alguns países de fora, como estamos?

Pensando nisso, pedi para que um músico norte-americano quase lendário do meio (Steve Wynn), e dois donos de gravadoras independentes - um canadense (Ralph Alfonso) e um australiano (Peter Kowarsky) - que militam por esse mundo, dissessem como é a vida por lá, para que possamos fazer uma comparação. A idéia não é mostrar os problemas, até porque todos sabem quais são, mas ver porque o Brasil ama tanto o tal “rock alternativo”, mas maltrata terrivelmente o consumidor desse tipo de música, enfiando essas pessoas em lugares sem higiene, segurança e obrigando a desembolsar uma grana alta, fazendo o programa de “indie” virar de índio.

Steve WynnSe por aqui, o caos reina, Steve Wynn fala que a cena independente na América vai bem, muito obrigado.
“Bem, agora é tudo tão novo. Antigamente não havia um circuito para o rock alternativo como hoje e você precisava viajar de uma cidade para outra para descobrir quem eram seus fãs, tocando nos lugares “new wave” e tudo que poderia se dizer é que tinha algo diferente acontecendo. Eu penso que os artistas que tocavam esse tipo de músicas eram sustentados por esses fãs que sabiam que éramos desprezados e que eram uma minoria e isso fazia tudo mais excitante, ainda que significasse um período de extrema dureza para as bandas.”

Para ele, os seus fãs continuam os mesmo desde os tempos em que tocava no Dream Syndicate e que continuam sendo amantes da boa música e com quem é possível tomar uma cerveja e até sair com alguns.
“A maioria dos meus fãs são grandes amantes da música, pessoas que amam e apreciam qualquer tipo de qualquer época. Essas pessoas podem ser velhas, jovens, homens, mulheres, tímidos, enfim, pode dar o rótulo que quiser. Normalmente eu me divirto muito conversando e tomando uma cerveja com pessoas que vieram me assistir, e eu acho que eles são as pessoas mais legais com quem você pode sair.”

fachada da Cumbersome RecordsSe na América, o circuito independente vai bem, o mesmo pode ser dito na Austrália, com uma rica cena explodindo em todas as esquinas, segundo Peter Kowarsky. Ele fundou a Cumbersome no dia 1º de abril de 2003, o famoso dia da mentira e teve como mote ajudar e criar um espaço fixo para essas novas bandas que queriam fazer música fora do mainstream e não tinha como produzi-la ou distribuí-la.

“Após um ano experimentamos um crescimento forte e fomos ganhando suporte de músicos locais e fãs, em geral. Hoje, exploramos vários ritmos, como o pop, punk, hip-hop, rock, eletrônico, experimental, sempre procurando artistas que queiram explorar novas possibilidades, sejam eles australianos ou de qualquer canto do planeta.”

Peter explica que gosta de lançar coletâneas como forma de divulgar mais as bandas que gravam e lançam esses cds por um preço módico (cinco dólares australianos). A idéia é ajudar os artistas a levantarem uma grana e também ajudar a própria Cumbersome a sobreviver.


coletânea da BongobeatE no Canadá, a cena é igualmente diversa. Para quem acha que o país é apenas um apêndice dos Estados Unidos, fique sabendo que a pátria de Leonard Cohen, Neil Young, 4/5 dos membros do The Band e Cowboy Junkies tem muito a oferecer.

Segundo Ralph Alfonso, da Bongobeat, o Canadá é um país com música vibrante e com uma cena vasta que muda conforme a região.

“O centro de tudo é Toronto, onde estão os grandes selos e onde existe uma excitante cena de pequenos clubes que tocam jazz, punk. Em Montreal, o jazz, o folk e a world music predominam, com as bandas The Dears, Suse Arioli e Stef, que faz uma ‘samba jazz’. Halifax, na costa leste, ficou famosa por causa da Subpop, que assinou com quase todas as bandas da região na década de 90. Vancouver é casa da eletrônica e das raves e possui uma cena alternativa muito forte.”

Obviamente que essas bandas e selos não podem ser considerados campeões de vendagem, mas todos conseguem sobreviver dignamente e sem precisar apelar para truques mercadológicos, até porque correm o risco de perderem a credibilidade e seus fãs.

“Ah, números são coisas tediosas. Vamos dizer que eu vendo discos suficientes e levo pessoas em bom número para meus shows por eu ser um 'músico profissional'. Em outras palavras, esse é meu trabalho há mais de 20 anos e é o suficiente para mim”, afirmou Steve Wynn, que revela que seu selo, Astrodiscos está tentando encontrar uma parceira no Brasil, sendo que já estão iniciando distribuição no México e na América do Sul. “A Astrodiscos está começando a distribuir, mas ainda não sei se eles estão com planos de lançar algo no Brasil. Espero que seu país entre na rota do selo quando meu novo disco sair em setembro. Vamos cruzar os dedos!”, pede Steve, que revela uma outra curiosidade: “eu financio meus próprios discos e então escolho o melhor selo para lançá-los para o maior número de pessoas. Algumas vezes, as majors são boas, mas normalmente perdem o foco quando possuem um grande nome que paga suas contas e só posso duramente criticá-los por esquecerem os outros grupos. É isso que os mantêm vivos, mas eu prefiro trabalhar abaixo do radar, onde o ar é mais respirável.”

Mas não é apenas em disco e em shows que você pode ver todo mundo. Peter explica que, em Melbourne, eles levaram o lema punk Do It Yourself, o famoso “faça você mesmo” às últimas conseqüências. É possível especular que eles não devem ter a metade ou um terço das dificuldades e burocracias que encontramos aqui, mas há quanto tempo não ouvimos falar e ouvir genuínas rádios alternativas? Acho, que na verdade, nunca tivemos uma que mereça esse título e que ainda possa ostentar essa bandeira. Peter explica que os membros dos grupos atuam como empresários, agentes, engenheiros de som e que também contam com uma enorme ajuda das rádios alternativas e comunitárias, citando a 3RRR (rrr.org.au) e a PBS FM (pbsfm.org.au), que entrevistam bandas locais e fazem promoção dos shows, nos inúmeros pubs e clubes, que mesmo minúsculos, vivem abarrotados.

Um dos grandes problemas que se encontra no Brasil é a idéia idiota de que o alternativo não vende ou não dá dinheiro. Mais estranho é que o Brasil é hoje um dos cinco países do mundo que mais consome “bandas alternativas” e que quando uma delas, por milagre, aqui se apresentam, viram semi-deuses e se assustam com a romaria que provocam. É simples ver isso se observarmos o frisson causado por Pixies e pelo Teenage Fanclub.

Mas há que se culpar os próprios amantes desse tipo de música. As pessoas aceitam qualquer coisa que é jogado e tido como “diferente” e compram gato por lebre com grande facilidade. É muito estranho que você seja obrigado a entrar em biroscas fedidas e agüentar acomodações e instalações tétricas e pagando preço salgados, como se fosse a casa da moda. Isso sem falar nas bandas. A grande maioria acha que rock é sinônimo de barulho e caos e muitos grupos sem a menor experiência, qualidade ou com uma proposta decente assaltam os palcos e ferem nossos ouvidos. Nem sempre um equipamento de primeira rende uma música de mesmo nível, mas não é porque as condições são precárias que a música apresentada deve ser igual. É preciso investir em repertório, produção, ensaios e mostrar que a palavra “alternativo” quer dizer apenas uma opção de ir contra a corrente vigente, e que não ser popular ou famoso, necessariamente não obriga o artista a ser ruim.

Concluo dizendo que, infelizmente, não consegui nenhum depoimento de algum país da Europa. Embora seja um limitante, a amostragem desses três países serve como parâmetro para nós. E lembre-se: sempre que você for começar a chorar porque neguinho não toca aqui ou que a noite de sua cidade é um tédio, pare e pense como é possível mudar essa situação. Nada é fácil, mas nada é tão complicado. E, quem sabe, poderemos ver Steve Wynn no Brasil sem precisar ficar cruzando os dedos ou apenas lendo e dizendo que o Brasil é o fim da picada mesmo.

Se você quiser saber mais sobre eles, acesse o site www.stevewynn.net, www.cumbersome.net ou www.bongobeat.com.

Um abraço e até a próxima coluna.

 

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