225 - Ira! - Vivendo e Não Aprendendo

Anos atrás fiz uma coluna sobre o Ira!, uma entrevista com o baixista Ricardo Gaspa. Mas ele foi tão antipático e lacônico na entrevista, que fiquei chateado. Aliás, conhecer os integrantes da banda me tirou um pouco o tesão de ouvir os discos; eles foram bem convencidos. Porém, o segundo disco deles é um dos melhores dos anos 80 e para mim, o melhor LP do excepcional ano de 1986. Só para citar, nesse ano saiu o primeiro do Capital; o Dois da Legião Urbana; Cabeça Dinossauro dos Titãs; Selvagem dos Paralamas, entre outros. E mesmo soando um pouco datado resolvi fazer uma coluna. Sendo assim...


capa do disco Mudança de ComportamentoApós um primeiro disco primoroso, Mudança de Comportamento, de fortes raízes mod e clássicos como "Núcleo Base", "Tolices", "Coração" e a faixa-título, o Ira! entrou em estúdio para realizar o segundo LP.

Para a empreitada, a Warner queria Liminha como produtor. O grupo havia conseguido um bom êxito comercial, vendendo perto de 60 mil cópias. Mas o primeiro contato do grupo com o produtor foi terrível. Nasi conta que eles chegaram com alguns discos do The Jam embaixo do braço e que Liminha começou a gozar da banda inglesa, alegando que eles estavam tocando desafinadamente, com andamento errado e fora do tempo. Aquilo era um suplício para o quarteto, que andava por demais arrogante com o sucesso do primeiro disco.

Edgard lembra que Liminha tinha recém reformado o estúdio Nas Nuvens e que tinha condições técnicas de oferecer o melhor em termos de novos timbres e arranjos. Porém, resolveram que iriam trabalhar com o português Paulo Junqueira na produção. Nos créditos constam ainda os nomes do próprio Liminha (também diretor artístico), Pena Schmidt, Vitor Farias, além da própria banda.

"Sentei na mesa do estúdio e não tinha quem me tirasse. Eu tirava e colocava tudo nas faixas", conta Scandurra.

capa do disco Vivendo e Não AprendendoO grupo estava mais maduro e as músicas começaram a ganhar uma roupagem mais acessível. O primeiro grande sucesso de Vivendo e Não Aprendendo foi a faixa "Envelheço na Cidade", que tinha um dos melhores videoclips nacionais até então. Uma canção triste, apesar de muitos acharem o contrário.

Outro grande sucesso foi "Dias de Luta". Mas o Ira! explodiu mesmo com a faixa "Flores em Você", que virou tema da novela global O Outro. O resultado foi que o disco ultrapassou facilmente a casa dos 100 mil vendidos. Eram tempos de glória.

Mas a banda começou a sofrer algumas acusações, sendo a de racismo a mais grave. Tudo por causa da faixa "Pobre Paulista". Nela Edgard falava que "não quero ver mais essa gente feia/não quero ver mais os ignorantes/eu quero ver gente da minha terra/eu quero ver gente do meu sangue..."

Por causa disso, Edgard teve que se explicar várias vezes ao longo dos anos. Em entrevista à Revista BIZZ, em 2000, Edgard conta que a música foi feita quando adolescente e que falava do mundo pequeno de sua rua, de seu bairro. "Nada tinha a ver com racismo, eram apenas os meus problemas pessoais." Certo ou errado, essa marca acabou deixando seqüelas e alguns inusitados e horrorosos convites para tocar em shows de grupos nazistas.

Tanto sucesso e polêmica fez a banda meter os pés pelas mãos, comercialmente falando. Uma delas foi se recusar a fazer playback de "Flores em Você", no Programa Globo de Ouro, da Rede Globo. Nasi lembra que eles queriam ter a presença de um quarteto de cordas na apresentação. "Quando se negaram, dissemos não sem o menor constrangimento".

Outra briga foi com o Chacrinha. Em um programa de Natal, eles se recusaram a usar os gorrinhos de Papai Noel e nunca mais voltaram. O Ira! tinha uma visão meio de gangue e não queriam trair seus princípios.

Um dos grandes acontecimentos foi o show realizado na Praça do Relógio na USP, no dia 11 de outubro, com abertura de Vultos e Violeta de Outono. Mais de 10 mil pessoas prestigiaram a apresentação e mostraram que o Ira! tinha muito carisma e competência ao vivo.

Com dois discos bem sucedidos comerciais, elogios da crítica e aparição em uma novela tudo estava certo para o grupo então? Não, não. O grupo era considerado "patinho feio" pela gravadora e entornou mais ainda o caldo no festival Hollywood Rock, em 1988, quando denunciou na entrevista coletiva que as bandas nacionais estavam tocando sem receber cachê. O resultado foi uma apresentação com vários problemas técnicos. O Ira! viveria dias ainda mais turbulentos s quando lançaram o ousado e excelente Psicoacústica, que tanta dor de cabeça deu para ser feito e teve péssimas vendagens. Mas isso é papo para um outro dia.

Um abraço e até a próxima coluna.

Discografia

Mudança de Comportamento (1985)
Vivendo e Não Aprendendo (1986)
Psicoacústica (1988)
Clandestino (1989)
Meninos da Rua Paulo (1991)
Música Calma para Pessoas Nervosas (1993)
Geração POP (1995)
7 (1996)
Você Não Sabe Quem Eu Sou (1997)
Isso É Amor (1999)
Ao Vivo MTV (2000)
Entre Seus Rins (2001)
Acústico MTV (2004)
Invisível DJ (2007)


 

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