Anos atrás
fiz uma coluna sobre o Ira!, uma entrevista com o baixista Ricardo
Gaspa. Mas ele foi tão antipático e lacônico
na entrevista, que fiquei chateado. Aliás, conhecer os
integrantes da banda me tirou um pouco o tesão de ouvir
os discos; eles foram bem convencidos. Porém, o segundo
disco deles é um dos melhores dos anos 80 e para mim, o
melhor LP do excepcional ano de 1986. Só para citar, nesse
ano saiu o primeiro do Capital; o Dois da Legião Urbana;
Cabeça Dinossauro dos Titãs; Selvagem dos Paralamas,
entre outros. E mesmo soando um pouco datado resolvi fazer uma
coluna. Sendo assim...
Após
um primeiro disco primoroso, Mudança de Comportamento,
de fortes raízes mod e clássicos como "Núcleo
Base", "Tolices", "Coração"
e a faixa-título, o Ira! entrou em estúdio para
realizar o segundo LP.
Para a empreitada, a Warner
queria Liminha como produtor. O grupo havia conseguido um bom
êxito comercial, vendendo perto de 60 mil cópias.
Mas o primeiro contato do grupo com o produtor foi terrível.
Nasi conta que eles chegaram com alguns discos do The Jam embaixo
do braço e que Liminha começou a gozar da banda
inglesa, alegando que eles estavam tocando desafinadamente, com
andamento errado e fora do tempo. Aquilo era um suplício
para o quarteto, que andava por demais arrogante com o sucesso
do primeiro disco.
Edgard
lembra que Liminha tinha recém reformado o estúdio
Nas Nuvens e que tinha condições técnicas
de oferecer o melhor em termos de novos timbres e arranjos. Porém,
resolveram que iriam trabalhar com o português Paulo Junqueira
na produção. Nos créditos constam ainda os
nomes do próprio Liminha (também diretor artístico),
Pena Schmidt, Vitor Farias, além da própria banda.
"Sentei na mesa do
estúdio e não tinha quem me tirasse. Eu tirava e
colocava tudo nas faixas", conta Scandurra.
O
grupo estava mais maduro e as músicas começaram
a ganhar uma roupagem mais acessível. O primeiro grande
sucesso de Vivendo e Não Aprendendo foi
a faixa "Envelheço na Cidade", que tinha um dos
melhores videoclips nacionais até então. Uma canção
triste, apesar de muitos acharem o contrário.
Outro grande sucesso foi
"Dias de Luta". Mas o Ira! explodiu mesmo com a faixa
"Flores em Você", que virou tema da novela global
O Outro. O resultado foi que o disco ultrapassou
facilmente a casa dos 100 mil vendidos. Eram tempos de glória.
Mas a banda começou
a sofrer algumas acusações, sendo a de racismo a
mais grave. Tudo por causa da faixa "Pobre Paulista".
Nela Edgard falava que "não quero ver mais essa gente
feia/não quero ver mais os ignorantes/eu quero ver gente
da minha terra/eu quero ver gente do meu sangue..."
Por causa disso, Edgard
teve que se explicar várias vezes ao longo dos anos. Em
entrevista à Revista BIZZ, em 2000, Edgard conta que a
música foi feita quando adolescente e que falava do mundo
pequeno de sua rua, de seu bairro. "Nada tinha a ver com
racismo, eram apenas os meus problemas pessoais." Certo ou
errado, essa marca acabou deixando seqüelas e alguns inusitados
e horrorosos convites para tocar em shows de grupos nazistas.
Tanto sucesso e polêmica
fez a banda meter os pés pelas mãos, comercialmente
falando. Uma delas foi se recusar a fazer playback de "Flores
em Você", no Programa Globo de Ouro,
da Rede Globo. Nasi lembra que eles queriam ter a presença
de um quarteto de cordas na apresentação. "Quando
se negaram, dissemos não sem o menor constrangimento".
Outra briga foi com o Chacrinha.
Em um programa de Natal, eles se recusaram a usar os gorrinhos
de Papai Noel e nunca mais voltaram. O Ira! tinha uma visão
meio de gangue e não queriam trair seus princípios.
Um
dos grandes acontecimentos foi o show realizado na Praça
do Relógio na USP, no dia 11 de outubro, com abertura de
Vultos e Violeta de Outono. Mais de 10 mil pessoas prestigiaram
a apresentação e mostraram que o Ira! tinha muito
carisma e competência ao vivo.
Com dois discos bem sucedidos
comerciais, elogios da crítica e aparição
em uma novela tudo estava certo para o grupo então? Não,
não. O grupo era considerado "patinho feio" pela
gravadora e entornou mais ainda o caldo no festival Hollywood
Rock, em 1988, quando denunciou na entrevista coletiva que as
bandas nacionais estavam tocando sem receber cachê. O resultado
foi uma apresentação com vários problemas
técnicos. O Ira! viveria dias ainda mais turbulentos s
quando lançaram o ousado e excelente Psicoacústica,
que tanta dor de cabeça deu para ser feito e teve péssimas
vendagens. Mas isso é papo para um outro dia.
Um abraço e até
a próxima coluna.
Discografia
Mudança de Comportamento (1985)
Vivendo e Não Aprendendo (1986)
Psicoacústica (1988)
Clandestino (1989)
Meninos da Rua Paulo (1991)
Música Calma para Pessoas Nervosas (1993)
Geração POP (1995)
7 (1996)
Você Não Sabe Quem Eu Sou (1997)
Isso É Amor (1999)
Ao Vivo MTV (2000)
Entre Seus Rins (2001)
Acústico MTV (2004)
Invisível DJ (2007)
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