Um dos mais
subestimados discos dos anos 80, Psicoacústica é
um dos últimos bons momentos do Ira!, apesar do fracasso
comercial do álbum. Um disco difícil, com apenas
oito faixas e sem nenhuma faixa de trabalho que quase decretou
o final do quarteto, após dois LPs de sucessos.
Dois
discos de sucessos, cheios de hits e trilha-sonora até
em uma novela da Globo.
Certamente, o Ira! era
uma das mais bem-sucedidas bandas dos anos 80 e dono de um dos
melhores shows da década, com performances sempre fortes,
contundentes e precisas.
Encharcados do espírito
mod, a primeira grande inspiração de Edgard
Scandurra, desde menino apaixonado pelo filme e disco Quadrophenia,
do The Who, o Ira! tinha alcançado uma posição
extremamente confortável no cenário brasileiro.
Por isso, causou tamanha
perplexidade o terceiro LP do Ira!, Psicoacústica.
O título fazia alusão
a um fenômeno físico. A psicoacústica estuda
a percepção subjetiva das qualidades (características)
do som: intensidade, tom e timbre. Estas qualidades ou características
do som estão, por sua vez, determinadas pelos próprios
parâmetros do som, principalmente, freqüência
e amplitude (explicação
retirada do Wikipedia). E o grupo queria uma obra ousada,
como o rock brasileiro não havia tentado.
O
Ira! passava um momento complicado. A visão romântica
e sonhadora dos primeiros tempos era substituída por uma
visão mais crua e real do mundo.
Os integrantes começavam
a constituir família, as responsabilidades cresciam, as
drogas eram consumidas em maior escala e os gostos musicais dos
integrantes iam se alargando.
Nasi e o baterista André
Jung estavam interessados em rap e acabaram produzindo o primeiro
LP de Thaíde e DJ Hum, Pergunte a Quem Conhece,
em 1989. E os dois participariam de forma mais ativa no disco.
A concepção
foi extremamente complicada. Primeiro, fizeram uma faixa em homenagem
ao filme ao filme O Bandido da Luz Vermelha,
de Rogério Sganzerla, "Rubro Zorro", onde desejavam
usar algumas falas da película, ao fundo. Nasi procurou
o diretor para a liberação da mesma e ouviu um ok,
desde que ele dirigisse um vídeo para a música.
A idéia foi aceita pela a WEA, a gravadora, mas que refugou
ao saber do montante pedido pelo diretor para o trabalho. Irritado,
o diretor ligou para o vocalista várias vezes, ameaçando
embargar a faixa.
O segundo problema aconteceu
com a faixa "Receita para se fazer um herói".
Edgard havia utilizado uma parte de uma letra feito por um colega
de exército de Edgard, Esteves. Contudo, Esteves pediu
uma grana alta para a liberação da mesma e ameaçou
também embargar a obra. A confusão só foi
resolvida quando a viúva do escritor português Reinaldo
Edgar de Azevedo e Silva Ferreira, que era o verdadeiro dono do
poema, foi encontrada e liberou a utilização.
O disco foi editado no
estúdio Nas Nuvens, de Liminha, no Rio de Janeiro, em um
clima pesadíssimo. Nasi conta que a banda passou boa parte
do tempo fumando maconha que havia sido encontrada em uma grande
lata do iate Solano Star, que havia despejado 20.000 delas com
1,5 quilos de maconha prensada com mel e glicose, nas costas litorâneas
de São Paulo e Rio de Janeiro, para não ser preso
pela Polícia Federal. A polícia conseguiu recuperar
apenas 2500 delas, e a restante abasteceu a capital fluminense,
que viveu o famoso "Verão da Lata".
A produção
foi assinada pela banda e pelo engenheiro de som português
Paulo Junqueiro e o LP foi gravado em um clima de caos, improviso
e caos.
O disco trazia as seguintes
faixas:
Lado A
1. Rubro Zorro (Marcos
Valadão - André Jung - Ricardo Gaspa - Edgard Scandurra)
2. Manhãs de domingo (Edgard Scandurra)
3. Poder, sorriso, fama (Edgard Scandurra)
4. Receita para se fazer um herói (Marcos Valadão
- André Jung - Esteves - Ricardo Gaspa - Edgard Scandurra)
Lado B
1. Peguei essa arma (Edgard
Scandurra)
2. Farto do rock'n roll (Ricardo Gaspa - Edgard Scandurra)
3. Advogado do diabo (Marcos Valadão - André Jung)
4. Mesmo distante (Edgard Scandurra)
O
disco causou apreensão na gravadora. Não havia uma
faixa de trabalho evidente, as músicas eram longas, difíceis
e pretendia uma ruptura com o passado do grupo. Ao invés
de hinos à juventude, feitos por Edgar, o Ira! entregava
um álbum com samplers, rap e temas pesados. Além
disso, o álbum original trazia, no encarte, um óculo
de 3D para brincar com os efeitos da imagem da capa.
E, pela primeira vez, o
Ira! gravava uma música que não tivesse a participação
do guitarrista; "Advogado do diabo" era uma parceria
de Nasi e de André Jung e uma grande inspiração
para o músico Chico Science, que a apresentava nos shows
do ação Zumbi.
O grupo abusava dos efeitos
na guitarra de Edgard, que foi a voz principal em "Farto
de Rock'n'Roll". Edgard fez uma letra que atacava o estilo
de uma maneira sutil, mas Nasi não quis cantar a letra,
preferindo fazer scratches.
"Rubro Zorro"
é, certamente, uma das melhores faixas do grupo, uma mistura
muito bem feita de um solo ácido de Edgar, combinando com
violão, samplers do filme de Sganzerla, porém, ousado
demais para o público brasileiro. Outra bela faixa é
"Manhãs de Domingo", um dos últimos momentos
"adolescentes" do grupo.
Com tanta inovação,
Psicoacústica foi um tremendo fiasco de
vendas, e o grupo se recolheu por um tempo, enquanto Edgard preparava
seu primeiro disco solo, Amigos Invisíveis.
Mas isso é papo para outro dia. Um abraço e até
a próxima coluna.
Discografia
Mudança de Comportamento
(1985)
Vivendo e Não Aprendendo (1986)
Psicoacústica (1988)
Clandestino (1989)
Meninos da Rua Paulo (1991)
Música Calma para Pessoas Nervosas (1993)
Geração POP (1995)
7 (1996)
Você Não Sabe Quem Eu Sou (1997)
Isso É Amor (1999)
Ao Vivo MTV (2000)
Entre Seus Rins (2001)
Acústico MTV (2004)
Invisível DJ (2007)
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