Mais um banda que marcou minha vida.
Eu fui um daqueles felizardos que comprei os discos do grupo na
mesma época em que saíam, então posso falar
de carteirinha sobre o que eles representaram. Era um período
bacana. O rock nacional (re)surgia com força: Ultraje,
Violeta de Outono, Plebe Rude, Legião Urbana, Camisa de
Vênus, Capital Inicial, RPM (adoro o primeiro disco deles,
confesso, e espero conseguir uma entrevista com alguém
deles para esse espaço), Paralamas, Kid Abelha e os Abóboras
Selvagens, Blitz, Lobão, entre outros. Mas o meu favorito
era o Ira!
A
razão talvez seja a combinação de personalidade
e empatia que saía dos velhos sulcos dos vinis. Ok, nenhum
deles era bonito como Paulo Ricardo (segundo as garotas, me incluam
fora dessa) ou tinham a sensualidade da Paula Toller (a musa mais
estonteante da música brasileira), não eram cultuados
como a Legião, não possuíam a raiva da Plebe
ao vivo, o escracho genial do Ultraje. Mas era um grupo de uma
raça impressionante, letras feitas para quem tinha 15 ou
16 anos (era minha faixa etária na época), um guitarrista
para lá de fabuloso, um vocalista que cantava com coração
e uma das cozinhas (baixo e bateria) mais eficientes e menos comentadas
naquela época. O Ira! era mais do que um grupo, era um
estilo de vida. Por isso resolvi falar com um integrante da banda.
Já falei no passado, de forma descontraída em um
bar, com o Edgard, uma outra vez com Nasi, por telefone, e pensei,
porque não mudar? Gaspa sempre foi o membro mais quieto
do grupo (ou parece ser). Mandei um e-mail, algumas perguntas,
que educadamente respondeu. Além do papo, tentarei contar
um pouco da minha paixão que até hoje está
ativa e promete um disco novo ainda em 2003.
De
todos os discos de bandas brasileiras que comprei, Vivendo
e Não Aprendendo foi, de longe, o que mais ouvi.
Era uma audição incessante e apaixonada e até
hoje não sei como o coitado não furou (existem riscos,
mas o som ainda está intacto). “Envelheço
na Cidade” era um retrato meu. Falava de minhas angústias,
vendo todos aqueles meninos da minha rua crescendo, ficando maiores
do que eu, meu medo do vestibular, de ter que optar por uma carreira,
entrar na famosa “vida adulta”. É uma época
de muita pressão para qualquer um de nós, e agradeço
que hoje tenha ficado para trás. Sou extremamente feliz
que essa fase tenha passado e torço para as futuras gerações
terem um pouco mais de paz espiritual que eu nunca tive. Quando
quero me lembrar dos bons momentos (tive alguns, é claro)
eu coloco os discos, fecho os olhos e canto todas as letras, sem
precisar consultar novamente o encarte. Elas estão cravadas
na minha alma. E quando os fantasmas da adolescência me
atacam, eu durmo ou saio para caminhar.
Quando garoto eu sonhava
em ter uma banda (idéia original pacas...). Não
tenho voz e nem coragem para encarar o público de frente.
Sonhava em ser guitarrista, porque o Edgard é canhoto como
eu e segundo afirmou em uma declaração em uma revista
anos atrás, aprendeu com o irmão, mas criou seu
estilo peculiar de tocar sem inverter as cordas e com muito sacrifício.
Mas ser igual a ele, o melhor guitarrista disparado do país,
um monstro no instrumento? Nem pensar... Como sempre gostei de
movimento, tentei ser baterista, mas depois de quase destruir
um kit Yamaha importado de um colega (quase saímos na porrada)
e descobrir que sou o cara mais sem ritmo que existe, pulei fora.
E o baixo? Eu até cheguei a ter umas duas ou três
aulas com um vizinho meu que tinha o instrumento, mas nunca progredi.
Mas foi o instrumento que mais tive carinho. Vocês já
repararam na atitude de um baixista em um show? É sempre
o mais quieto, estático. Você pensa porque ele são
dessa maneira. O som é discreto, mas fundamental para a
execução da canção. Não vou
ficar falando da importância técnica, até
não sei nada sobre isso. Esse nariz de cera imenso é
para apenas explicar porque fiquei feliz com a entrevista com
o Gaspa.
Eu
assisti o Ira! duas vezes ao vivo. Uma no final dos anos 80, quando
promoviam o disco Psicoacústica e outra
já no final da década de 90, quando fizeram o sensacional
disco “Isso é Amor”. Duas performances distintas,
mas ao mesmo tempo tão iguais. O calor, a intensidade,
a cumplicidade com o público, a competência extrema,
tudo perfeito. Em Ribeirão Preto, eu tinha amigos que dividiam-se
em tribos dependendo de bandas. O cara mais CDF que conheci era
viciado em Camisa, e em um dia não tão frio (em
Ribeirão para ser considerado frio basta fazer 20 graus),
chegou com um sobretudo preto, até o pé, todo abotoado
e dizia que fazia parte da geração “Beth Morreu”.
Outros, como eu, ficavam tentando decorar todas as letras do Ira!
e sonhava com um show da banda lá por aquelas bandas. Nem
preciso comentar que nunca foram. A primeira vez que ouvi “Núcleo
Base”, achei uma versão atualizada e jovem de “Trem
das Onze”. Nunca perguntei para o Edgard se a inspiração
era essa, mas a história do cara que precisava voltar ao
quartel porque fora alistado, me angustiava. Eu estava chegando
nessa idade, e o alistamento era um fantasma para todos nós.
Ficar horas e horas fardados, agüentando um babaca qualquer
berrando no seus ouvidos, de guarda a madrugada inteira... Até
hoje me provoca arrepios. E isso era a diferença do Ira!:
as letras eram feitas para os garotos, eram mais urgentes e simples
do que as do Legião, iam de direto ao seu estômago,
como um direto do Mike Tyson ou um beijo de uma garota linda.
Não tinha como ficar indiferente: era gostar ou não.
E eu adorava.
A idéia era falar
do disco Vivendo e Não Aprendendo, mas
acabei me perdendo todo já. Essa não é uma
coluna com intenção de contar uma fase da banda,
é uma tentativa de botar alguns fantasmas meus para fora.
Acho que já fiz isso e aborreci o leitor mais do que deveria.
Por isso, vou deixar vocês com a entrevista com Gaspa, que
fala também de seu conjunto paralelo de surf music, Huntington
Bitches (veja o release da banda ao final da entrevista e o link
para a página).
Mofo: Fale um pouco
da trajetória da banda, desde o começo quando era
Ira sem a exclamação e mais ligado ao punk até
os últimos discos mais elaborados.
Ricardo Gaspa: O grupo existe desde 82 e desde o primeiro
disco estamos com essa formação. No começo
tocávamos em vários grupos. Eu tocava com o Nasi
no Voluntários da Pátria, com Edgard no Cabine C
e decidimos certo dia nos dedicarmos somente ao IRA!. O grupo
seguiu em frente e adotávamos uma postura mais Mod do que
Punk.
Mofo: Vocês
são uma banda poderosa ao vivo. qual foi o melhor show
que fizeram em sua opinião ou o mais antológico?
Ricardo Gaspa: Acho que foi um show - não lembro
a data exatamente - , na Praça do Relógio, na Cidade
Universitária, em São Paulo, no lançamento
do disco Mudança de Comportamento. Tinha
muita gente nem lembro quantas mil, inesquecível!
Mofo: Edgard pode
ser considerado o líder da banda, já que compõem
quase todas as músicas e canta. mas tanto você quanto
o André fazem uma base sólida, eficiente e criativa.
Vocês têm liberdade para opinar nos arranjos das canções?
Ricardo Gaspa: Sim, isso era mais do início do
grupo, mas agora com tantos anos de estrada todos trabalhamos
em função das músicas e existem canções
de todos nós .
Mofo: Em uma entrevista
para a MTV você afirmou que estava gravando um disco solo
de surf music e o Edgard produziria. Esse projeto já rolou?
Ricardo Gaspa: Em parte. O grupo chama-se Huntington
Bitches, temos gravadas sete músicas, mas sem a produção
do Edgard. Dê uma conferida no site www.huntingtonbitches.cjb.net
Mofo: Quais são
os baixistas que mais te influenciaram?
Ricardo Gaspa: Na verdade não fui influenciado
por baixistas, mas por grupos de rock.
Mofo: Qual o disco
do Ira! que vc mais gosta?
Ricardo Gaspa: Gosto de vários, mas eu citaria
“Meninos da Rua Paulo”.
Mofo: Talvez vc
não goste da pergunta, mas muita gente chegou a criticar
a banda na época de nazista por causa da letra de "Pobre
Paulista". Vocês tiveram algum problema com a canção
em shows ou mesmo na rua? Qual a sua opinião sobre ela?
Ricardo Gaspa: Estamos cansados de responder isso, não
existe conotação alguma quanto aos nordestinos na
letra, isso foi invenção de um certo jornalista.
O nosso problema é tão somente responder sempre
à essa pergunta.
Mofo: Poderia me
citar quais discos ou artistas que curte ouvir em casa?
Ricardo Gaspa: Estou ouvindo muito anos 50/60/80, um
pouco de tudo
Mofo: Por que o
Ira! está hoje sem gravadora? Existe previsão para
um novo disco?
Ricardo Gaspa: Estamos trabalhando um novo CD com previsão
para entrarmos em estúdio em Junho. Quanto à gravadora
é segredo
Mofo: Todos os
discos que saíram pela Warner foram relançados e
com faixas bônus. Você gostou das edições?
Ricardo Gaspa: Não. As coletâneas às
vezes atrapalham o lançamento de um CD novo, como já
aconteceu. No lançamento em uma loja existia o novo CD
e a WEA lançava uma coletânea com dois ao preço
de um. Isso não da certo e as capas também não
têm um certo cuidado.
Mofo: Uma mensagem
para os fãs.
Ricardo Gaspa: Sigam curtindo o Ira!, pois estamos trabalhando
em um novo CD para vocês. Paz , Amor, Ira!
Para saber mais sobre o
Ira!, entre no site http://www.uol.com.br/ira/
Release do Huntigton
Bitches
A
Verdadeira Surf Music atende pelo nome de Hutington Bitches!
Foramda pelo baixista do Ira! Ricardo Gaspa, no final de 96, apresentou-se
em diversas casas noturnas em São Paulo. Com um repertório
baseado na Surf Music instrumental dos anos 50 e 60, como The
Ventures, The Shadows, Link Wray, The Surfaris, entre outras bandas,
o grupo gravou o CD Alquimistas, lançado no final de Maio
de 1999.
Contando com nova
formação: Cleyton - Bateria , Ray - Guitarra, Gaspa
- Baixo, o Huntington Bitches passou a fazer um som mais pesado
e atual , com composições próprias. O grupo
tem ensaiado e já conta com repertório para um próximo
CD, desta vez mesclando músicas próprias e alguns
covers.
O Huntington Bitches
tem atuado no circuito underground e deve aumentar sua participação
em festivais e apresentações em outros Estados.
Nesse ano resolvi sempre
dar a discografia da banda, mas farei mais. Como a coluna virou
pessoal demais, vou fazer uma lista com minhas 10 canções
favoritas deles. Até mais!
01 - Rubro Zorro
02 - Envelheço na Cidade
03 - Dias de Luta
04 - Núcleo Base
05 - Tolices
06 - Mudança de Comportamento
07 - Tarde Vazia
08 - Gritos Na Multidão
09 - Bebendo Vinho (cover de Wander Wildner)
10 - Longe de Tudo
Discografia
Mudança de Comportamento (1985)
Vivendo e Não Aprendendo (1986)
Psicoacústica (1988)
Clandestino (1989)
Meninos da Rua Paulo (1991)
Música Calma para Pessoas Nervosas (1993)
Geração POP (1995)
7 (1996)
Você Não Sabe Quem Eu Sou (1997)
Isso É Amor (1999)
Ao Vivo MTV (2000)
Entre Seus Rins (2001)
Acústico MTV (2004)
Invisível DJ (2007)
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