260 - Miles Davis - A Tribute To Jack Johnson

"Esse álbum irá colocar Miles Davis no Rock and Roll of Fame". A frase dita pelo produtor Bob Belden, responsável pela reedição masterizada do disco, dá uma idéia da importância e da relevância do disco lançado em 1971, logo após In a Silent Way e Bitches Brew. A Tribute To Jack Johnson é um disco de apenas duas faixas longas e cheias de improvisos - "Right Off" e "Yesternow" e que rende homenagens ao primeiro boxeador negro campeão mundial, Jack Johnson. Um disco obrigatório para quem curte o casamento do jazz com o rock.


Miles Davis era um apaixonado por boxe e desde menino havia desenvolvido amor pelo esporte. Nessa foto da década de 60, vemos Miles treinando em alguma academia em um raro momento de diversão.

Miles conta que em 1952 ele havia se aproximado do treinador de boxe Bobby McQuillen pedindo para ser seu aluno. Porém, Miles acabou sendo dispensado por ser viciado em heroína. McQuillen disse que só o aceitaria se ele se livrasse das drogas. Ele acabaria voltando para St. Louis e com a ajuda de seu pai, ficaria livre do vício e poderia retomar sua carreira. Mas a paixão pelo esporte continuava intocável.

Miles havia desenvolvido uma grande paixão pelo lendário boxeador Sugar Ray Robinson: "em 1954 ele era a coisa mais importante em minha vida, além da música. Eu me vi copiando sua atitude arrogante. Ray era cool, o melhor de todos e tudo o que eu sonhava em ser naquela época. Eu tinha sido disciplinado quando vim pela primeira à New York e tudo o que precisava fazer era voltar àquela cena antes de ser pego pela porra das drogas." Dessa maneira, Miles começou a tomar aulas de boxe como McQuillen, em 1954.

Miles havia dado uma nova guinada em sua carreira e se aproximava mais do rock, especialmente de Jimi Hendrix, com quem havia desenvolvido uma amizade e um plano para gravarem um disco juntos, idéia abortada com a morte prematura do guitarrista.

A virada da década dos anos 60 para 70 foi marcada por intensas lutas sociais e políticas, especialmente contra o racismo. Os Jogos Olímpicos de 1968, na Cidade do México, foram um exemplo disso, quando muitos atletas negros norte-americanos faziam saudações aos movimento dos Panteras Negras na hora de receber as medalhas.

Desde menino, Miles tinha verdadeira adoração por Jack Johnson, primeiro negro a ser campeão mundial de boxe dos pesados, em 1910, quando derrotou a "Esperança Branca" Jim Jeffries, em 4 de julho daquele ano.

Por isso, ficou animadíssimo quando soube que um documentário sobre a carreira de Johnson iria ser realizado. Miles se ofereceu para realizar a trilha-sonora e ainda escreveu um texto introdutório. Eis alguns excertos dele: "[...] um dia antes da defesa de seu título contra Jim Flynn, em 1912, ele recebeu um bilhete dizendo 'Beije a lona amanhã ou te mataremos - Ku Klux Klan'. Vejam só!. Johnson passava a imagem de total liberdade. Ele era um homem que vivia velozmente. Adorava as mulheres, especialmente as brancas. Tinha carros velozes porque esse era seu jeito. Fumava charrutos, bebia somente o melhor champagne e media mais de 2,10 m. [...] E Jack morreu da mesma maneira que gostava de viver - em um acidente de carro em 1946, aos 68 anos de idade."

Apesar de Miles preferir as mulheres negras, cultivava o mesmo gosto por carros velozes e por fazer o que desejasse e atravessava um momento particularmente brilhante em sua carreira, após os lançamentos de In a Silent Way e Bitches Brew.

O disco marcaria também o fim da parceria entre Miles e o produtor Teo Macero, amigos desde que Miles entrara para a Columbia, no início dos anos 50.

As gravações para o disco foram realizadas entre os meses de fevereiro até junho daquele ano, mas apenas as duas faixas realizadas no dia 7 de abril - "Right Off" e "Yesternow" - acabaram entrando no LP.

Miles continuava treinado por McQuillen - agora rebatizado de Robert Allah, após se coverter ao islamismo. E, de fato, Miles estava no auge de sua forma física, como se vê nessa foto.

Nesse dia, participaram do disco os seguintes músicos: Miles Davis (trumpete); Steve Grossman (sax soprano); John McLaughlin (guitarra); Herbie Hancock (órgão); Michael Henderson (baixo elétrico); Billy Cobham (bateria); orquestra desconhecida, conduzida por Teo Macero; Brock Peters (narrando a voz de Jack Johnson).

capa da caixa The Complete Jack Johnson SessionsPosteriormente, todas as gravações seriam lançadas em uma caixa de cinco cds chamada The Complete Jack Johnson Sessions e mais detalhe sobre essas gravações você pode ler aqui.

Miles destaca o impecável trabalho do guitarrista McLaughlin e do baxista Michael Henderson, que deram ao som uma força e consistência que dariam inveja a qualquer grupo de rock. Miles havia tido a idéia de utilizar a faixa "In a Silent Way", do disco de mesmo nome e composta pelo tecladista Joe Zawinul para projeto e ligou para ele perguntando se podia colocar seu nome nos créditos. Embaraçado, Zawinul não permitiu, embora algumas passagens do disco tenham sido utilizadas, especialmente as que foram realizadas por McLaughlin naquele álbum.

As gravações começaram como uma grande jam, como disse o próprio guitarrista: "Estávamos no estúdio há vinte minutos e Miles e Teo estavam dentro da cabine de som conversando e nós parados. Fiquei furioso e comecei a tocar um boogie, pois nasci no R&B e amo boogie. Então, Billy Cobham começou a me seguir e Michael também e, de repente, Miles se juntou a nós, enloquecido, e começou a tocar. Só deu tempo de ver a luz vermelha acesa, indicando que estavam gravando."

"Right Off" nasceu assim, em todo o esplendor em longos 26 minutos e 52 segundos, embora Teo tenha acrescentado um solo de Miles gravado no final de 1969, além de alguns trechos das gravações de "Willie Nelson", realizada em 18 de fevereiro de 1970 e também de terem tirado um riff de "Sing a Simple Song", de Sly and the Family Stone.

"Minha idéia inicial era uma música muito suingada, com bastante ritmo e groove, imitando os passos de um boxeador, já que eles praticamente dançam em cima do ringue. Eu sempre comparo Joe Louis e Jack Johnson a um trem quando se movimentam", disse Miles, que fez um disco cheio de funk.

E coube a Herbie Hancock construir uma massa hipnótica, densa, forte com o órgão. Herbie se lembra que o órgão não era seu instrumento favorito de maneira alguma, mas que conseguiu encaixar-se à perfeição naquilo que havia sido proposto.

Em "Yesternow", Miles optou por uma música mais suave, cheia de espaços e climas, com McLaughlin construindo delicados climas na guitarra e Hancock, nos teclados. Na faixa aparece todo o talento do saxofonista Steve Grossman e Teo colocou, na mixagem final, alguns trechos da guitarra que John havia feito na faixa "Shhh/Peaceful", de In a Silent Way. A faixa termina com o ator Brock Peters dizendo "I'm Jack Johnson, heavyweight champion of the world; I'm black. They never let me forget it. I'm black alright. I'll never let them forget it."

capa do disco A Tribute to Jack JohnsonA Tribute to Jack Johnson foi lançado apenas no ano seguinte, em 24 de abril de 1971 e rendeu pouco sucesso comercial ao músicos, ficando apenas na 159ª posição da parada, enquanto Bitches Brew, por exemplo, havia alcançado a 35ª.

No entanto, há músicos, fãs e críticos que o consideram muito superior ao próprio Bitches Brew, discussão sempre difícil de se responder.

Deixo vocês com a discografia de Miles. Um abraço e até a próxima coluna.

Discografia

Discos de estúdio

Birth of the Cool (1949)
And Horns (1950)
Blue Period (1951)
Conception Original Jazz (1951)
1951 The New Sounds of Miles Davis (1951)
Diggin' (1951)
Dig (1951)
Live at the Barrel, Vol. 2 (1952)
Miles Davis Plays the Compositions of Al Cohn (1952)
Miles Davis Quartet (1953)
Blue Haze (1953)
Miles Davis Quintet (1954)
Bags' Groove (1954)
Miles Davis Quintet (1954)
Miles Davis and the Modern Jazz Giants (1954)
Walkin' (1954)
Green Haze (1955)
The Musings of Miles (1955)
Odyssey (1955)
Milt and Miles (1955)
Miles Davis and Milt Jackson Quintet/Sextet (1955)
Circle in the 'Round (1955)
Cookin' (1955)
The New Miles Davis Quintet (1955)
Miles (1955)
Miles Davis & Horns 51-53 (1955)
Workin' (1956)
Steamin' (1956)
Relaxin' (1956)
Cookin' with the Miles Davis Quintet (1956)
'Round About Midnight (1956)
Miles Ahead (1957)
L'ascenseur pour L'Échafaud (1957)
Milestones (1958)
Porgy and Bess (1958)
Kind of Blue (1959)
Sketches of Spain (1960)
Directions (1960)
Someday My Prince Will Come (1961)
Quiet Nights (1962)
Sorcerer (1962)
Seven Steps to Heaven (1963)
E.S.P. (1965)
Miles Smiles (1966)
Nefertiti (1967)
Miles in the Sky (1968)
Filles de Kilimanjaro (1968)
In a Silent Way (1969)
Bitches Brew (1970)
Big Fun (1969)
A Tribute to Jack Johnson (1971)
On the Corner (1972)
Get Up With It (1972)
We Want Miles (1981)
The Man with the Horn (1981)
Star People (1982)
Decoy (1983)
Aura (1985)
You're Under Arrest (1986)
Tutu (1986)
Music from Siesta (1986)
Amandla (1989)
Dingo (1990)
Doo-Bop (1991)

Discos ao vivo

Miles & Monk at Newport (1955)
Miles Davis at Newport 1958 (1958)
Olympia 11 Octobre 1960, Pt. 1 (1960)
Olympia 11 Octobre 1960, Pt. 2 (1960)
Friday at the Blackhawk (1960)
Friday at the Blackhawk, Vol. 2 (1960)
Friday and Saturday Nights in Person (1961)
In Person: Friday Night at the Blackhawk (1961)
Miles Davis in Person, Vol. 1 (1961)
Miles Davis in Person, Vol. 2 (1961)
In Person: Saturday Night at the Blackhawk (1961)
At Carnegie Hall (1961)
Miles in St Louis (1961)
In Person at the Blackhawk (1961)
Miles at Antibes (1962)
Miles in Antibes (1963)
Four & More (1964)
My Funny Valentine (1964)
Miles in Tokyo (1964)
Miles in Berlin (1964)
Miles Davis in Europe (1964)
Live at the Plugged Nickel (1965)
In Berlin [live] Columbia (1966)
Live-Evil (1970)
Miles Davis at Fillmore: Live at the... (1970)
Black Beauty: Miles Davis at Fillmore West (1970)
Miles Davis at the Lincoln Center (1972)
Dark Magus (1974)
Pangaea (1975)
Agharta (1975)
Live A'Round the World (1988)
Miles in Montreux (1989)
Miles & Quincy (1991)
Green Dolphin Street (1992)
Newport Jazz Festival (1993)
On Green Dolphin Street (1999)
Miles Davis Live (2000)
Olympia 11 Juillet 1973 (2001)
At Newport 1958 (2001)


 


 

 

Colunas