Uma
coletânea oportuna. Essa excepcional banda de origem escocesa
comandada pelos briguentos irmãos Reid (William e Jim)
foi a primeira grande aposta do pequeno selo Creation de Alan
McGee (que depois atingira o topo do mundo com outra banda de
irmãos, os Gallagher, Noel e Liam). Mas antes do Oasis,
a Creation foi um celeiro notável de grupos como Primal
Scream, House of Love, entre outros. O lançamento cobre
toda a carreira com um repertório óbvio para quem
possui os discos, e ao mesmo tempo, indispensável para
neófitos.
Quando The Jesus and Mary
Chain apareceu com o espetacular Psychocandy,
em 1985 (um dos melhores álbuns de estréia já
feitos) foram saudados como uma das grandes esperanças
dos novos grupos independentes britânicos, ao lado do Smiths,
Cocteau Twins e New Order (para ficarmos nos mais famosos). Alguns
torceram o nariz afirmando que faziam apenas uma reciclagem de
Velvet com Stooges. Embora seja verdade, é um dos grandes
méritos. Suas canções curtas, cobertas com
camadas de guitarras distorcidas, quase inaudíveis fizeram
a cabeça de muita banda. Já no segundo disco, Darklands,
o grupo foi acusado de suavizar sua distorção e
produzirem canções mais simples. Mas a simplicidade
dos irmãos Reid faria qualquer banda pop sair correndo
do estúdio horrorizada. A receita continuou por toda a
carreira, e mesmo com intermináveis brigas entre os dois
irados maninhos escoceses e a perda de Bobby Gillespie (que saiu
para formar o Primal Scream) conseguiram fazer trabalhos de alta
qualidade até o finado disco de estúdio Munki
(há ainda um álbum de sessões com John Peel).
Desde a abertura de “Upside
Down”, até “I Love Rock ‘N’ Roll”,
o ouvinte poderá acompanhar a evolução de
uma carreira que durou até mais tempo do que os próprios
integrantes esperavam. Depois de passar pelas três primeiras
faixas, você cai em uma das canções mais cândidas
já feitas, “Just Like Honey”. Um backing vocal
feminino, uma canção com guitarras distorcidas,
porém contidas, ameaçando explodirem, mas não
acontecendo. Depois de “Some Candy Talking”, é
a vez do álbum “Darklands” e dos dois, talvez,
mais famosos singles: “April Skies” e “Happy
When It Rains”. Para quem acha que o Nirvana foi o pioneiro
na fusão barulho e melodias perfeitas, ouçam essas
duas canções e tente parar de ouvi-las. “Sidewalking”
é de Barbed Wire Kisses”, um disco composto de lados
B e out-takes. Com apenas dois discos oficiais, lançar
um terceiro com faixas e versões inéditas e do nível
apresentado, já mostrava que esses rapazes não eram
um grupinho qualquer.
Um dos maiores méritos
do Mary Chain é sua extrema limitação musical
e usar isso a seu favor. Por isso, não espere encontrar
arranjos muitos trabalhados em suas canções (apesar
de haver uma evolução técnica evidente de
disco a disco). O som é o mais simples: duas guitarras
(às vezes uma), baixo e bateria. Pouca (ou nenhuma) concessão
a arranjos pirotécnicos. Jim e William sabiam até
onde poderiam chegar e nunca sonharam em sair dos seus parâmetros.
Algumas canções parecem se repetir e muitas vezes
nem se percebe quando uma faixa acaba e outra começa. Essa
coerência é a fórmula perfeita. As faixas
não são longas, não há solos (apenas
microfonia escorrendo pelos amplificadores), não podem
sequer serem chamados de cantores, e sim apenas de vocalistas.
Assim como os Smiths, Echo ou mesmo o New Order, a receita pode
ser explicada como uma só: “ok, só sabemos
tocar até aqui, então vamos explorar o máximo
que pudemos.” Isso, porém, não impediu que
os discos fossem ficando mais pesados e que o grupo fosse cada
vez mais adquirindo maturidade e coesão ao vivo, que podem
ser conferidos em discos piratas. “Blues From a Gun”
não tem o mesmo charme dos primeiros compactos, mas o peso
e unidade contidas nela, a faz igualmente memorável. Nas
21 faixas do disco você ficará surpreso ao descobrir
que é apenas uma coletânea, já que as canções
parecem serem naturalmente amarradas entre si. E ficará
espantado ao pensar que ouvindo apenas os hits mais óbvios,
como “April Skies”, “Just Like Honey”ou
“Happy When It Rains” , não precisará
conhecer o resto. Em uma opinião totalmente pessoal e parcial,
talvez apenas os Smiths e New Order sejam capazes de produzir
uma coletânea com tantos atrativos quando Jesus and Mary
Chain.
Criminosamente, apenas
Munki é encontrado no Brasil em edição
nacional. Os outros álbuns são todos importados
(e alguns apenas em edição européia, o que
inflaciona mais ainda o preço). Por isso, 21
é mais um excelente motivo para ser adquirido. Ainda que
não tenha previsão para ser lançado em terras
brasileiras, se quiser importar apenas um disco do grupo, este
é o recomendado. E depois...bem, depois, naturalmente acabará
correndo atrás dos outros. É inevitável.
Track list
Upside Down
Never Understand
You Trip Me Up
Just Like Honey
Some Candy Talking
April Skies
Happy When It Rains
Darklands
Sidewalking
Blues From a Gun
Head On
Rollercoaster
Reverence
Far Gone And Out
Almost Gold
Snakedriver
Something Always
Come On
I Hate Rock 'N' Roll
Cracking Up
I Love Rock 'N'Roll
|