02 - The Jesus and Mary Chain - 21

Uma coletânea oportuna. Essa excepcional banda de origem escocesa comandada pelos briguentos irmãos Reid (William e Jim) foi a primeira grande aposta do pequeno selo Creation de Alan McGee (que depois atingira o topo do mundo com outra banda de irmãos, os Gallagher, Noel e Liam). Mas antes do Oasis, a Creation foi um celeiro notável de grupos como Primal Scream, House of Love, entre outros. O lançamento cobre toda a carreira com um repertório óbvio para quem possui os discos, e ao mesmo tempo, indispensável para neófitos.

Quando The Jesus and Mary Chain apareceu com o espetacular Psychocandy, em 1985 (um dos melhores álbuns de estréia já feitos) foram saudados como uma das grandes esperanças dos novos grupos independentes britânicos, ao lado do Smiths, Cocteau Twins e New Order (para ficarmos nos mais famosos). Alguns torceram o nariz afirmando que faziam apenas uma reciclagem de Velvet com Stooges. Embora seja verdade, é um dos grandes méritos. Suas canções curtas, cobertas com camadas de guitarras distorcidas, quase inaudíveis fizeram a cabeça de muita banda. Já no segundo disco, Darklands, o grupo foi acusado de suavizar sua distorção e produzirem canções mais simples. Mas a simplicidade dos irmãos Reid faria qualquer banda pop sair correndo do estúdio horrorizada. A receita continuou por toda a carreira, e mesmo com intermináveis brigas entre os dois irados maninhos escoceses e a perda de Bobby Gillespie (que saiu para formar o Primal Scream) conseguiram fazer trabalhos de alta qualidade até o finado disco de estúdio Munki (há ainda um álbum de sessões com John Peel).

Desde a abertura de “Upside Down”, até “I Love Rock ‘N’ Roll”, o ouvinte poderá acompanhar a evolução de uma carreira que durou até mais tempo do que os próprios integrantes esperavam. Depois de passar pelas três primeiras faixas, você cai em uma das canções mais cândidas já feitas, “Just Like Honey”. Um backing vocal feminino, uma canção com guitarras distorcidas, porém contidas, ameaçando explodirem, mas não acontecendo. Depois de “Some Candy Talking”, é a vez do álbum “Darklands” e dos dois, talvez, mais famosos singles: “April Skies” e “Happy When It Rains”. Para quem acha que o Nirvana foi o pioneiro na fusão barulho e melodias perfeitas, ouçam essas duas canções e tente parar de ouvi-las. “Sidewalking” é de Barbed Wire Kisses”, um disco composto de lados B e out-takes. Com apenas dois discos oficiais, lançar um terceiro com faixas e versões inéditas e do nível apresentado, já mostrava que esses rapazes não eram um grupinho qualquer.

Um dos maiores méritos do Mary Chain é sua extrema limitação musical e usar isso a seu favor. Por isso, não espere encontrar arranjos muitos trabalhados em suas canções (apesar de haver uma evolução técnica evidente de disco a disco). O som é o mais simples: duas guitarras (às vezes uma), baixo e bateria. Pouca (ou nenhuma) concessão a arranjos pirotécnicos. Jim e William sabiam até onde poderiam chegar e nunca sonharam em sair dos seus parâmetros. Algumas canções parecem se repetir e muitas vezes nem se percebe quando uma faixa acaba e outra começa. Essa coerência é a fórmula perfeita. As faixas não são longas, não há solos (apenas microfonia escorrendo pelos amplificadores), não podem sequer serem chamados de cantores, e sim apenas de vocalistas. Assim como os Smiths, Echo ou mesmo o New Order, a receita pode ser explicada como uma só: “ok, só sabemos tocar até aqui, então vamos explorar o máximo que pudemos.” Isso, porém, não impediu que os discos fossem ficando mais pesados e que o grupo fosse cada vez mais adquirindo maturidade e coesão ao vivo, que podem ser conferidos em discos piratas. “Blues From a Gun” não tem o mesmo charme dos primeiros compactos, mas o peso e unidade contidas nela, a faz igualmente memorável. Nas 21 faixas do disco você ficará surpreso ao descobrir que é apenas uma coletânea, já que as canções parecem serem naturalmente amarradas entre si. E ficará espantado ao pensar que ouvindo apenas os hits mais óbvios, como “April Skies”, “Just Like Honey”ou “Happy When It Rains” , não precisará conhecer o resto. Em uma opinião totalmente pessoal e parcial, talvez apenas os Smiths e New Order sejam capazes de produzir uma coletânea com tantos atrativos quando Jesus and Mary Chain.

Criminosamente, apenas Munki é encontrado no Brasil em edição nacional. Os outros álbuns são todos importados (e alguns apenas em edição européia, o que inflaciona mais ainda o preço). Por isso, 21 é mais um excelente motivo para ser adquirido. Ainda que não tenha previsão para ser lançado em terras brasileiras, se quiser importar apenas um disco do grupo, este é o recomendado. E depois...bem, depois, naturalmente acabará correndo atrás dos outros. É inevitável.

Track list

Upside Down
Never Understand
You Trip Me Up
Just Like Honey
Some Candy Talking
April Skies
Happy When It Rains
Darklands
Sidewalking
Blues From a Gun
Head On
Rollercoaster
Reverence
Far Gone And Out
Almost Gold
Snakedriver
Something Always
Come On
I Hate Rock 'N' Roll
Cracking Up
I Love Rock 'N'Roll