Eles
foram a banda mais cultuada dos anos 80. Culpa do vocalista Ian
Curtis e de suas posturas teatrais no palco. Culpa também
de suas letras sofridas e do som opressivo. E o grupo virou mito
quando Ian resolveu dar cabo de sua vida e se enforcou, aos 23
anos e às vésperas de embarcarem para a primeira
excursão pela América. Ian deixou então o
plano real para ocupar um status de lenda e de "poeta maldito
do rock". Seus fãs choraram, desesperados. Os demais
integrantes do Joy e a gravadora Factory, o esfolariam vivo, se
fosse possível. Com a morte de Ian, nascia o New Order.
Mas jamais poderia suprir a ausência e as letras de Curtis.
Como
uma banda evolui de um grupo punk tosco até atingir uma
maturidade e uma personalidade tão forte e surpreendente
em pouco mais de dois anos, sem mudar os integrantes?
Como é possível
que nesse curto espaço de tempo produzissem praticamente
três discos de estúdio (apenas o primeiro foi lançado
com o grupo em atividade) impecáveis e com letras tão
profundas? De onde tiraram inspiração para canções
perturbadoras como “She’s Lost Control” ou “Love
Will Tear Us Apart” e ainda assim, as fazerem belas e emocionantes?
Para muitos, o grupo não
existiria sem o produtor Martin “Zero” Hannett, o
homem que colocou o baixo à frente no som e criou uma técnica
de gravação em que o próprio baixo e a bateria
fossem os instrumentos principais. Mas essa é apenas uma
das particularidades do Joy Division, grupo que durou menos de
três anos e deixou uma marca tão profunda que até
Hollywood está produzindo um filme sobre eles. E antes
que muitas bobagens sobre a banda sejam perpetuadas, quero deixar
minha contribuição sobre eles. E a história
só poderia começar com...
1 – Ian Kevin
Curtis
Ian
nasceu no dia 15 de julho de 1956, no Memorial Hospital, Old Trafford,
em Manchester.
Quando criança fez
escola primária em Macclesfield. Ian teve um importante
espelho em seu pai, Kevin, que era detetive de polícia
e escritor amador, nas horas vagas, tendo produzido algumas peças
de teatro, que jamais foram encenadas.
Ian era uma criança
atenta, esperta e que adorava histórias de gladiadores.
Adorava ler e ouvir música ao lado de seu melhor amigo,
Tony Nuttall. Gostavam de andar com garotos mais velhos e preferiam
ouvir Rolling Stones e The Who a Beatles.
Ainda
menino, resolveu formar um grupo de rock para se divertir ao lado
de Tony, Peter Johnson e Brian McFaddian.
Nessa época optou
por tocar baixo, enquanto Tony era o baterista. Brian assumiu
a guitarra e Peter, dedilhava o piano usando um lápis.
Continuou seu estudos em
Macclesfield, conseguindo ingressar no King’s School. Apesar
de simpático, Ian não se misturava muito com os
colegas e morria de vergonha de seu rosto redondo de criança,
onde se destacavam suas bochechas. Era também muito alto
para sua idade, e foi também na escola que começou
a fumar compulsivamente.
Ian odiava as normas rígidas
de horário da escola e começava a mostrar sinais
de rebeldia, embora soubesse dissimular o sentimento. Suas tardes
eram passadas em seu quarto, ouvindo discos de MC5, Velvet Underground,
Roxy Music e David Bowie, seu grande ídolo. Sonhava em
ser um “rebelde sem causa” como James Dean e chegou
ao cúmulo de comprar uma jaqueta vermelha igual a que o
ator usou em Juventude Transviada.
Sua paixão pela
música era igual ao amor pelo cigarro e bebidas e como
tinha pouco dinheiro, constantemente saía com um casaco
bem largo e andava pelo mercado aberto de Macclesfield, onde roubava
discos de uma barraquinha da feira. Curiosamente, muito desses
discos eram revendidos ou trocados por outros na semana seguinte,
sem que o dono desconfiasse. Também conseguia roubar bebida
e ao sair da loja, mantinha uma simpática conversa com
a dona do estabelecimento, que encantada com o garoto, lhe dava
sempre um chocolate.
Às vezes saía
para beber pelas ruas com Tony e para paquerar as meninas. Sua
altura e seu papo mais sério, faziam aparentar mais do
que os 14, 15 anos que realmente tinha.
Obviamente que o vício
não ficou resumido apenas às bebidas e cigarros
e Ian começou a experimentar drogas, cheirando cola e fumando
maconha. Apesar de tanto tempo para vadiagem, Ian era um excelente
aluno, chegando até a ganhar prêmios na escola. No
entanto, nunca falava em seguir uma carreira ou ir para a universidade.
Seu sonho já era ser um astro da música, embora
alguns amigos o gozassem já que nunca ensaiava ou escrevia
canções.
Um
dos ídolos de Ian era Jim Morrison. Mais do que a música
dos Doors, o que mais fascinava o jovem era o fato de que o vocalista
tinha morrido apenas com 27 anos. Ian tinha especial atração
por artistas que morriam antes de completar 30 anos. Alguns o
ridicularizavam, mas há quem diga que essa foi uma das
primeiras “pistas” de que Ian iria morrer cedo.
Aos 16 anos, Ian estava
completamente viciado em qualquer tipo de droga disponível.
Quando a escola instituiu que os alunos deveriam prestar um serviço
social aos idosos da cidade, Ian ainda assim, não deixava
de se drogar. O tal serviço consistia em visitar os idosos
em casa ou em asilos. Nesses dias, ele e Tony encharcavam seus
lenços com líquidos de limpeza e cheiravam sem que
os velhinhos percebessem. Com isso, passavam a tarde toda rindo
e eram considerados “meninos adoráveis” pelos
mais velhos.
Mas o abuso começou
a causar problemas maiores até que um dia seu pai foi chamá-lo
e o encontrou desmaiado. Correu com Ian para o hospital onde teve
que se submeter a uma lavagem estomacal. Ian havia tomado uma
overdose de comprimidos e só não foi punido pelos
pais porque disse que havia ingerido de brincadeira.
2 – Ian
conhece Deborah
Aos 17 anos, Ian era um
garoto extravagante, usando maquiagem, olhos pintados, unhas idem
e cabelo comprido. Sua solidão passou a ser dividida com
Tony e Deborah, a namorada de seu amigo. Os dois iam ao quarto
do dublê de músico, onde ficavam ouvindo música
no pequeno, mas extremamente organizado quarto de Ian. Os dois
amigos mantinham uma atitude respeitosa com Deborah e nunca usavam
qualquer tipo de narcótico na presença dela. Apesar
de Deborah não ter achado Ian particularmente bonito, gostava
da maneira apaixonada pela qual falava de música e achava
que ele tinha um gosto mais apurado do que qualquer pessoa que
já conhecera.
Deborah lembra um episódio
que mudaria completamente a vida de Ian, e consequentemente, a
sua: os três haviam ido até o Park Green, em Macclesfield
assistir uma banda local tocar. O grupo usava luz estroboscópica
na apresentação e de repente, Deborah e Tony notaram
que Ian havia sumido. Ao olharem para o chão, viram Ian
deitado no chão encolhido e se contorcendo: estava tendo
um ataque epilético. Ian foi levado rapidamente para um
lugar onde pudesse se recuperar.
Deborah
acabou trocando de lado e se tornou a namorada de Ian. Tony, que
já não gostava de alguns amigos de Ian, acabou rompendo
uma amizade que durava desde a infância.
Com uma pessoa para cuidar
de suas coisas e uma namorada em tempo integral, Ian começou
a se mostrar extremamente genioso, possessivo e mandão.
Deborah não tinha
liberdade para se vestir como quisesse ou mesmo conversar com
qualquer outro rapaz.
Em 1973, a família
Curtis mudou-se para Macclesfield, mas meses depois voltaram para
Manchester, já que Ian não queria mais continuar
estudando em King’s School.
Depois que desistiu de
estudar, começou a procurar um emprego e o primeiro que
achou foi em uma loja de discos chamada Rare Records. Ian sonhava
com uma vida diferente e não queria mais morar com seus
pais. Junto com Deborah, começaram a economizar dinheiro
para se casarem, o que acabou acontecendo no dia 23 de agosto
de 1975.
3 – Nasce
o Warsaw
Em
1976, Ian começou a pensar seriamente em uma carreira musical,
mas não encontrava com quem tocasse e estava desanimado.
Tentando desesperadamente achar alguém colocou um anúncio
em um semanário musical atrás de pessoas interessadas
e assinou como Rusty. Uma única pessoa respondeu o anúncio:
Iain Gray.
Os dois resolveram rodar
Manchester atrás de outros integrantes para formar um grupo.
No dia 20 de julho, um grande acontecimento o marcou: um show
de uma banda novata e que daria o que falar, os Sex Pistols.
A banda iria tocar no
Lester Free Trade Hall e era a segunda apresentação
do grupo na cidade. Ian havia perdido a primeira, mas não
desperdiçou a chance novamente.
Os Pistols haviam sido
trazidos pela figura mais importante da nova cena rock de Manchesters,
Howard Devoto, integrante dos Buzzcocks. Foi nesse show que pela
primeira vez Ian estabeleceu contato com Bernard Dicken, Peter
Hook e Terry Mason.
Alguns meses depois, a
excursão “Anarchy Tour” formada pelos Pistols,
The Clash e The Heartbreakers de Johnny Thunders, aporta novamente
em Manchester para outro show, no dia 9 de dezembro.
Lá estavam novamente
Bernard, Peter e Terry. Os três tinham uma banda chamada
Stiff Kittens (Gatinhos Rijos). A origem desse nome é acompanhada
por duas versões: alguns dizem que Pete Shelley dos Buzzcocks
é que batizou o grupo dessa forma, mas Bernard jura que
o nome foi sugerido quando uma garota chamada Lou, e que morava
com Devoto e Richard Boon (empresário dos Buzzcocks), dizendo
que no andar de cima havia um monte de “gatinhos durinhos”
já que a gata havia abortado. O nome foi rapidamente descartado
por soar apenas como mais um grupo punk qualquer.
Tanto Peter como Bernard
e Terry eram amigos desde a infância. Eles tinham se animado
com a nova possibilidade que o movimento punk abria para grupos
sem experiência, mas cheios de vontade, de se arriscarem.
Os três colocaram um anúncio no jornal da Virgin
Records procurando um vocalista. Ian respondeu e dessa maneira
nascia o Warsaw. Iain havia sido descartado.
O nome foi tirado da canção
“Warszawa” de David Bowie, lançada no disco
Low em janeiro de 1977.
A primeira providência
foi definir a função de cada um. Terry já
tinha seu kit de bateria, e ficou no posto. Bernard sabia alguns
acordes primários de guitarra e ficou sendo o guitarrista.
Peter assumiu o baixo e deixaram com Ian a função
de cantar e escrever as letras. Consta que a primeira canção
do grupo logo surgiu, e se chamava “Gutz”.
4 - Abrindo para
os Buzzcocks
Mesmo sem qualquer experiência
de palco e com poucas canções, o grupo teve um convite
para abrirem um show dos Buzzcocks. Richard Boon acabou optando
pelo Warsaw, argumentando que existiam poucas bandas locais e
que queria ajudar no desenvolvimento da cena de Manchester. O
show estava marcado para o dia 29 de maio no Electric Circus.
O
grupo ficou maluco quando soube que no cartaz do show haviam colocado
o nome Stiff Kittens, já que Boon desconhecia que haviam
mudado de nome.
Além do nome, o
grupo havia mudado um integrante, já que nessa noite o
baterista acabou sendo Tony Tabac, que mal havia ensaiado com
o grupo. O show foi acompanhado por um corresponde do semanário
NME, Paul Morley que os descreveu como uma banda que
ainda tinha muito a mostrar e que contavam com um integrante de
bigode (Peter Hook). Concluiu o artigo dizendo que esperava mais
deles nos próximos meses.
O grupo, mesmo sem dominar
seus instrumentos adequadamente, realizou esparsas apresentações
nos meses de junho e julho, com Mason, Tabac e Steve Brotherdale
na bateria.
E Steve entrou justamente
nos dias em que gravaram a primeira demo com quatro músicas:
“Inside the Line”, “Gutz”, “At a
Later Date” e “The Kill”. A gravação
aconteceu no dia 18 de julho no Penine Sound Studios.
No meio das gravações,
Brotherdale havia sido convidado pelo grupo Panik para gravar
um single. Steve saiu do grupo e em uma festa, dias depois, tocou
o single para Ian e pediu que ele entrasse para a banda.
Ian
não conseguiu encaixar sua voz e, ao mesmo tempo, sentiu
que não estava sendo correto com os demais integrantes
do Warsaw. Acabou deixando a festa e ficou na banda. Dias depois,
Brotherdale ligou e avisou que não tocaria mais com eles.
Desesperados, deram a sorte
de encontrar um antigo aluno da King’s School e que havia
sido expulso de lá na mesma semana em que Ian teve sua
overdose por comprimido. Seu nome era Stephen Morris. Curiosamente,
Stephen foi obrigado a deixar a escola devido ao abuso de xarope
contra tosse.
5 – Financiando
o primeiro disco
Em outubro, acontece uma apresentação que iria mudar
a vida do grupo: no dia 2 de outubro, participaram de um festival
no Electric Circus com grupos novos. As apresentações
aconteceriam nos dia 2 e 3. O grupo queria tocar desesperadamente
na primeira noite, mas acabaram perdendo a vez para um grupo formado
apenas para o ocasião, os Negatives que contava com o mesmo
jornalista do NME Paul Morley e por Richard Boon. O Warsaw
foi escalado para a segunda noite e foram os últimos a
pisar no palco, já na madrugada do dia 4.
O
grupo conseguiu uma pequena polêmica quando Bernard fez
um comentário sobre o criminoso nazista Rudolf Hess, que
havia sofrido um enfarto na prisão de Spandau, em Berlim
e estava ganhando simpatia via imprensa. Bernard queria alertar
para o renascimento do nazismo em algumas partes na Europa, mas
o que conseguiu foi que o Warsaw acabasse sendo taxado como um
grupo simpático ao antigo regime de Hitler.
Esse show teve todas as
apresentações gravadas, e posteriormente virou um
disco. Short Circuit - Live At the Electric Circus,
lançado em 9 de junho de 1978 e contava com faixas do The
Fall, John Cooper Clarke e uma do Warsaw. “At A Later Date”
foi a escolhida e decepcionou o grupo, pois não era, nem
de longe, a melhor canção que tinham.
Mas a banda continuou fazendo
shows, mesmo sem terem uma segurança financeira. A solução
para seus integrantes era manter um emprego das 9 às 5
da tarde como qualquer mortal e ensaiarem na parte da noite.
Ian trabalhava como assistente
social e era obrigado a freqüentar um curso para administrar
seus ataques epiléticos, que aconteciam com certa regularidade,
embora estivessem sob controle no período.
Com
um repertório já montando, ainda que em bases rudimentares,
resolveram entrar em um estúdio para gravarem um disco.
Ian fez então um
empréstimo pessoal em um banco, de 400 libras, com a desculpa
de que necessitava comprar uma nova mobília para sua casa.
Cada integrante também contribuiu e em dezembro estavam
no Pennine Studios mais uma vez para gravarem um EP, com quatro
faixas.
O dono do estúdio
T. J. Davidson se ofereceu para produzir e financiar a banda,
mas a idéia foi rechaçada pelo grupo e especialmente
por Peter Hook, que considerava Davidson um idiota. Quatro canções
foram escritas: “Warsaw”, “No Love Lost”,
“Leaders of Men” e Failures (of the Modern Man).
As gravações
ficaram com uma péssima qualidade sonora, o que dificultou
a comercialização do disco, que havia sido praticamente
uma criação coletiva do grupo, com a capa sendo
feita por Bernard e a impressão arranjada por Stephen.
O Warsaw acabaria exatamente
na noite de Ano-Novo de 1977 após um show em Liverpool.
E assim nascia o Joy Division...
6 – Prostitutas
para os Nazistas
Em
janeiro de 1978 a banda teve uma péssima notícia:
um grupo londrino chamado Warsaw Pakt havia lançado um
disco. Para não serem confundidos com eles, o grupo optou
por um nome diferente: Joy Division. Se com Warsaw eram acusados
de serem neo-nazistas, o novo nome jogou mais lenha na fogueira:
ele havia sido extraído de um livro sado-masoquista chamado
de The House of Dolls. As “divisões
da alegria” nada mais eram do que um lugar, onde prostitutas
e prisioneiras eram mantidas vivas para o prazer dos oficiais
nazistas.
Com o novo nome, a banda
debuta no dia 25 de janeiro no Pip’s de Manchester, em um
dia que Ian Curtis foi expulso da casa por causar confusão
quando tentava tirar cacos de vidro do palco após a apresentação
dos The Stance.
Ian foi enxotado e berrava
para o porteiro que precisava entrar, já que era o cantor
do grupo principal da noite. “Por mim você pode ser
o Papa, mas aqui não entra”, respondeu o gorila da
entrada. A confusão só foi resolvida 15 minutos
antes de começar o show.
Mas não foi apenas
Ian que aprontou: Peter literalmente voou em cima de uma pessoa
da platéia, causando uma tremenda confusão. O repertório
dessa noite constou de “Leaders of Men”, “Warsaw”,
Failures (of the Modern Man), “Reaction”, “Inside
the Line”, “Ice Age”, “Days of the Lords”
e “Novelty”.
Logo após o show,
Ian entregou uma cópia de An Ideal for Living
para Derek Brandwood, que trabalhava na RCA. Derek prometeu que
iria conseguir um contrato para o grupo no selo e ele realmente
levou o EP para a gravadora, que não mostrou interesse.
O grupo sentia falta de um empresário, função
que o antigo baterista Terry Mason tentava desempenhar, mas com
pouco sucesso.
7 – Aparecem
Rob Gretton e Tony Wilson
Fizeram outro show nos
Rafters, em um concurso de bandas. Lá, teriam a noite que
mudaria a sorte de vez do grupo. Logo na entrada, Ian esbarrou
propositadamente em Tony Wilson, que tinha um programa na televisão
Granada e grita: “seu filho da puta, você levou os
Buzzocks, Sex Pistols e Magazine para seu programa. E quando nós
iremos?” Tony garantiu que eles seriam os próximos,
já que havia falado do grupo. Animados, partiram para sua
apresentação, que mais uma vez foi caótica
pois entraram no palco apenas as duas da manhã, já
bêbados e irritados. Tocaram apenas três canções,
mas chamaram a atenção de Rob Gretton que resolveu
se tornar o empresário do grupo.
No entanto, bem antes de
Rob resolver tomar conta do grupo, Ian tentava um contrato para
o Joy Division. O vocalista começou a faltar ao trabalho
para se encontrar diariamente com Derek e Richard Sealing. Sealing
acabou trazendo John Anderson para ajudar o grupo a conseguir
uma gravação. Tudo começou a melhorar quando
apareceu Bernie Binnick da Swan Records, que procurava um novo
grupo para lançar no mercado norte-americano. Coube a Ian
arranjar um encontro entre Richard, John, Bernie e o Joy Division.
O grupo queria gravar novamente
e ficou aliviado quando soube que não precisariam bancar
as despesas. E quando Peter Hook levantou a questão de
quem iria produzir ou quais canções seriam usadas,
foi desprezado. Os empresários entraram com 500 libras
cada um e definiram que iriam gravar nos estúdios Greenwood.
John Anderson seria o produtor, mas logo sentiu que os problemas
seriam grandes quando passaram dois dias tentando encontrar uma
equalização para a voz de Ian.
O
grupo tinha separado dez canções novas e aceitaram
pegar um tema sugerido pelo produtor - “Keep on Keepin’
On” de N. F. Porter - que a banda reescreveu, aproveitando
o riff e compondo “Interzone”. As canções
que foram gravadas e que fariam parte do primeiro disco eram:
“The Drawnback”, “Leaders of Men”, “Walked
In Line”, “Failures”, “Novelty”,
“No Love Lost”, “Transmission”, “Ice
Age”, “Interzone”, “Warsaw” e “Shadowplay”.
Uma das broncas de Ian
é que Anderson queria que ele cantasse em um ritmo mais
solto, como se fosse James Brown!
Um contrato entre o grupo
e os empresários foi assinado via RCA, mas logo Bernard
se sentiu incomodado com a baixa porcentagem de lucros que era
destinado ao grupo e consultou Richard Boon, que aconselhou ao
grupo pular fora da empreitada.
As gravações
aconteceram nos dias 3 e 4 de maio e no último dia, Anderson
tentou colocar sintetizadores em algumas canções
do grupo para tentar diluir o som excessivamente punk do Joy Division.
Mas a falta de unidade entre os dois lados era visível
e logo se separaram.
Foi
Bernard quem introduziu Rob ao grupo. Certo dia, Gretton foi visitar
o guitarrista em sua casa, já que continuava interessado
em ser o empresário do grupo.
Bernard explicou a situação
que tinham assinado e estavam gravando um disco. Bernard o acabou
convidando para ir a um ensaio no domingo e quando lá chegou,
o guitarrista anunciou para o grupo que eles tinham um novo empresário.
Rob tinha atuado como empresário
e co-produtor do primeiro single do Panik, banda de Steve Brotherdale.
Rob era considerado uma
pessoa que não prometia nada, mas que trabalhava duro quando
precisava. Espertamente preferiu esperar um desfecho do contrato
que haviam feito com a RCA. Enquanto a banda esperava, impaciente,
que algo acontecesse em relação ao disco, Rob resolveu
agir por conta própria e mandou confeccionar seis mil broches
com seis variações do nome Joy Division. Metade
era em fundo preto e a outra metade em fundo branco.
Ao mesmo tempo, resolveu
conversar com Tony Wilson que estava montando um clube chamado
Factory, para promover as bandas locais. Usando sua imagem de
apresentador do programa So It Goes, Wilson deu uma oportunidade
para que grupos como Durutti Column, Cabaret Voltaire, The Fall,
Big In Japan e o Joy Division se apresentassem.
Em junho, o grupo resolveu
lançar por conta própria, 5 mil cópias do
EP An Ideal for Living em sete polegadas, através
de um selo próprio, Enigma. Mas qual não foi a surpresa
ao descobrirem que já existia uma gravadora com esse nome
e precisaram mudar de nome, novamente!
Em agosto, o grupo recebeu
um telefonema da RCA. O selo havia optado em lançar o disco
que haviam gravado nas seguintes condições: não
receberiam nada de adiantamento e só faria um segundo disco
se a vendagem desse disco fosse boa. O grupo ficou irritado com
a oferta, pois o repertório estava em evolução
e consideraram uma grande falta de respeito. Rob assumiu então
as negociações, exigindo 10 mil libras de adiantamento
e 15% de royalties, contra os 4% oferecidos inicialmente. Anderson
se irritou e mandou Gretton se foder. Finalmente um acordo foi
feito e a banda desembolsou 850 libras para poderem ficar com
a posse das fitas mestres e estavam livres para procurar uma nova
casa.
Quando
resolveram relançar o disco por um novo selo batizado de
Anonymous Records, optaram por mudar a capa já que a primeira
havia sido claramente desenhada inspirada na juventude hitlerista.
Assim sendo, o EP ganhou
nova embalagem e aproveitaram que as músicas haviam sido
gravadas nos estúdios da RCA e prensaram o disco com uma
qualidade superior. Foi essa cópia que distribuíram
para a imprensa após um show na Factory, no dia 20 de outubro,
quando abriram para o Cabaret Voltaire.
Curiosamente as 1200 cópias
prensadas possuíam o nome das duas gravadoras do grupo
(Enigma e Anonymous) em endereços diferentes (a primeira
na casa de Rob e a segunda na de Morris), mas com o telefone de
contato sendo apenas o de Rob. Os EPs acabaram sendo distribuídos
pela Rabid Records, com uma interferência pessoal de Martin
Hannett, que queria trabalhar com o grupo. E Martin viria a ser
uma peça-chave no novo som do Joy Division...
8 – Martin
"Zero" Hannett, o quinto membro do Joy
Se
George Martin foi chamado diversas vezes de “quinto Beatle”
o mesmo pode se dizer desse excêntrico sujeito que moldou
o som do Joy Division. Sem Hannett, o Joy não teria sido
metade do que foi.
Martin gostava muito das
letras de Ian, mas achava que o som do grupo não estava
à altura dos versos de Ian.
Começou então
a tirar os resquícios punks e lapidou a massa sonora. Percebendo
que Bernard era apenas um guitarrista mediano e sem muita técnica,
resolveu valorizar mais o som do baixo de Peter Hook, deixando-o
mais grave e preenchendo os espaços que a guitarra deixava.
As primeiras gravações
com o grupo aconteceram no dia 11 de outubro, quando o Joy Division
participou de um compacto de sete polegadas, duplo chamado
A Factory Sample, ao lado de Durutti Column, Cabaret
Voltaire e John Dowie: “Digital” e “Glass”
foram as faixas escolhidas.
O
grupo adorou o resultado, embora tenha reclamado que Martin ignorou
algumas idéias da banda e de que Rob não foi convidado
para as mixagens.
O disco marca a estréia
de uma pessoa igualmente importante no conceito não apenas
do Joy Division, mas de todos os artistas que gravariam pela Factory:
o desenhista Peter Saville, que cuidaria da parte gráfica
de todos os lançamentos do selo.
No dia 28 de novembro,
o grupo iria se apresentar em Londres, no Hope & Anchor. Era
a primeira apresentação do grupo na cidade.
O show foi marcado por
vários problemas. O primeiro deles foi uma gripe que deixou
Bernard com febre alta e que o deixou extremamente debilitado.
Mas o guitarrista foi colocado
em saco de dormir e despachado com o resto do grupo para a cidade.
A apresentação foi um fiasco com pouquíssima
gente presente e culminou com a primeira crise pública
de epilepsia de Ian.
O
resultado foi um corre-corre danado já que ninguém
sabia a intensidade dos ataques do vocalista. Ian voltou para
casa, medicado. O cantor precisou pedir licença por alguns
dias do trabalho, já que o Joy Division rendia muito pouco
dinheiro para os integrantes.
O grupo só começou
a ser conhecido nacionalmente quando Ian Curtis foi capa do semanário
New Musical Express, na edição de 13 de
janeiro de 1979. A foto mostrava um Ian com um olhar impenetrável
e fumando um cigarro.
Nessa época, o cantor
tinha diariamente um ataque epilético, no mínimo,
que era provocada pelas drogas e pela estafa produzida pelo trabalho
diário e com os ensaios e shows noturnos.
No dia 31 de janeiro o
grupo gravou sua primeira participação na rádio
BBC, tocando no programa Peel Sessionss, do radialista
John Peel. Tocaram quatro músicas novas: “Exercise
One”, “Insight”, “Transmission”
e “She ‘s Lost Control”. O programa foi ao ar
no dia 14 de fevereiro.
Em 1º de março,
o grupo voltou para uma segunda apresentação no
mesmo Hope & Anchor. Desta vez, a casa estava cheia graças
ao programa de John Peel e o grupo fez uma apresentação
bem melhor.
Três
dias depois, se enfiaram em estúdio a convite de Martin
Rushent, da Genetic Records.
Rushent estava extasiado
com o potencial do grupo e os convidou para entrarem nos estúdios
Eden e gravaram uma demo com quatro músicas: “Glass”,
“Transmission”, “Ice Age” e “Insight”.
Ele queria ver como a banda trabalhava, mas por problemas financeiros,
Martin não pode assinar com o grupo. Essas demos nunca
foram lançadas e ficaram de posse de Martin.
9 – As gravações de Unknown Pleasures
Sem conseguir uma gravadora,
Rob Gretton procurou Tony Wilson e perguntou se ele não
queria lançar um disco do grupo. Rob argumentou que o grupo
estava valendo um bom dinheiro após terem feito a demo
com a Genetic e convenceu Wilson a assinar com a banda. Mas Tony
garante que Rob ofereceu o Joy à Factory pelo simples fato
de Gretton odiar as grandes gravadoras.
A primeira providência
que Rob fez constar em contrato é que o grupo teria completa
liberdade artística e nenhuma interferência da Factory
em suas canções. Rob garantiu que o som do disco
seria absolutamente diferente de tudo que existia.
No dia 4 de março
o grupo tocou novamente em Londres, desta vez no Marquee, abrindo
para o The Cure. O grupo se associava pela primeira vez com um
grupo de jovens batizado de “Final Solution” (nome
de uma canção do Pere Ubu) e que tinha como objetivo
promover novos artistas. As duas bandas ainda fizeram outro show,
dias depois.
O
grupo se tranca no mês de abril nos estúdios Strawberry,
em Stockport com Martin Hannett para a gravação
do primeiro disco. E o que Martin fez com o som da banda foi algo
de anormal.
A primeira providência
foi colocar a bateria como instrumento de ataque, seguido pelo
baixo e pela voz de Ian Curtis, gutural e suas letras angustiadas.
Martin mostrou ao grupo algumas inovações técnicas,
como adicionar barulhos de vidros partindo e uso de samplers em
algumas passagens.
Batizado de Unknown
Pleasures, o disco, lançado em junho, não
continha um Lado A ou Lado B. Ao invés disso, foram batizados
de “Inside” e de “Outside”. A capa era
uma outra obra de arte. Uma capa preta, sem nada escrito e com
traços que simulavam um gráfico que representava
o grito de uma estrela morrendo, segundo Bernard.
Tony Wilson bancou pessoalmente
as primeiras 10 mil cópias que foram rapidamente vendidas,
enquanto a banda ganhava matéria em todas as revistas inglesas.
É considerado um dos melhores discos de 1979.
O disco trazia 10 canções:
Lado 1 "Outside"
01. "Disorder" – 3:32
02. "Day of the Lords" – 4:49
03. "Candidate" – 3:05
04. "Insight" – 4:29
05. "New Dawn Fades" – 4:47
Lado 2 "Inside"
01. "She's Lost Control" –
3:57
02. "Shadowplay" – 3:55
03. "Wilderness" – 2:38
04. "Interzone" – 2:16
05. "I Remember Nothing" – 5:53
No
mesmo mês em que as gravações aconteciam em
Stockport, o grupo cedeu duas canções para uma coletânea
chamada Earcom 2: Contradiction, com as canções
“Autosuggestion” e “From Safety to Nowhere...?”.
O disco saiu pela editora Fast de Edimburgo .
Com a fama súbita,
as entrevistas começaram a ser agendadas, mas o grupo se
negava enfaticamente a cooperar, por considerá-las redundantes
e uma grande perda de tempo. Agora que tinham conseguido chamar
a atenção da mídia, não precisavam
mais dela e isso causou uma relação tensa entre
os músicos e os jornalistas.
Como Ian ainda não
havia largado seu emprego regular e ainda tinha vários
compromissos agendados com o Joy Division, os ataques epiléticos
ficaram cada vez mais fortes e problemáticos. Isso afetava
diretamente seu casamento com Deborah, que implorava que ficasse
mais em casa com sua filha recém-nascida, Natalie, e ao
grupo, que não sabia exatamente como lidar com o vocalista.
Um outro problema que afetava a sua vida era a falta de dinheiro,
já que gastava muito com roupas, bebidas, cigarro e discos.
Curtis
acabou atendendo os pedidos da esposa e ficando alguns dias em
casa, curtindo a vida doméstica. Mas não por muito
tempo.
Em agosto participaram
de um outro festival organizado pela “Final Solution”,
que aconteceria em Londres. O local do concerto era o Y.M.C.A.
do Prince of Wales Conference Centre, e eles tocaram no dia 2
de agosto, junto com Essential Logic, Teadrop Explodes e Echo
and the Bunnymen.
A apresentação
foi um sucesso e várias revistas que cobriram o evento
elogiaram o Joy Division que tinha o repertório mais consistente,
já que os outros grupos ainda estavam nos primeiros meses
de vida.
A rotina de shows permanecia
inalterada com o Joy Division participando de vários espetáculos
montados pelo “Final Solution”. Como já não
era mais possível conciliar o grupo com uma vida em repartição
pública, os membros optaram por uma dedicação
exclusiva ao grupo. O dinheiro começou a escassear, já
que os salários pagos pela Factory eram pequenos –
Ian recebia 15 libras semanais e era o que mais ganhava, por ter
maiores gastos domésticos. E não bastasse a epilepsia,
casamento em crise e a falta de dinheiro, o cantor conseguiria
um outro problema...
10 – Uma
garota chamada Annik
O
grupo estava em uma turnê conjunta com os Buzzcocks desde
agosto, e quando houve uma folga nas datas, Rob Gretton tentou
marcar uma apresentação em Berlim, o que acabou
não acontecendo.
Porém, conseguiu
que o grupo se apresentasse em Bruxelas, na Bélgica, em
um local chamado Plan K, que nada mais era do que uma refinaria
de açúcar que tinha construído um centro
de artes em seu interior.
O grupo estava acompanhado
do Cabaret Voltaire, mas a atração principal era
o escritor norte-americano William Burroughs.
Ian ficou excitadíssimo
em poder conhecer pessoalmente um de seus ídolos, mas foi
grosseiramente despachado por um Burroughs extremamente mal humorado.
Apesar da decepção com o escritor, o show foi excelente
e o grupo acabou sendo ovacionado.
E
foi nesse concerto – embora alguns afirmem que o caso já
havia começado algumas semanas antes – que Ian começou
a circular com uma jovem belga chamado Annik Honoré.
Annik começou a
substituir Deborah na vida do cantor, que desconfiava que seu
marido havia tido alguns casos com fãs, mas sem provas.
Nove dias após o
espetáculo na Bélgica é lançado o
single Transmission. A Factory havia segurado
o lançamento esperando que Unknown Pleasures
vendesse mais.
A Factory inovou lançando
primeiro um disco antes de um single, contrariando toda a lógica
vigente. Aparentemente, a idéia havia sido de Martin Hannett.
Mais uma vez Peter Saville produziu uma capa intricada e de difícil
explicação. Mas o som contido nele era uma obra-prima,
talvez a melhor canção do grupo, com um poderoso
trabalho de produção e mixagem de Hannett.
No lado B aparecia “Novelty”,
que a Factory jurava ser a primeira canção composta
pelo Joy Division.
Aos poucos, o grupo foi
roubando todos os shows dos Buzzcocks, com Ian Curtis sendo a
atração principal, com sua postura frenética
em palco, olhos abertos e movimentos de cabeças e braços
que pareciam imitar seus vários ataques epiléticos.
Novamente foram convidados
para tocarem no Peel Sessions, apresentando quatro novas canções:
“Sound of Music”, “24 Hours”, “Colony”
e “Love Will Tear Us Apart”. A gravação
aconteceu no dia 26 de novembro e a transmissão se deu
no dia 10 de dezembro.
11 – Dúvidas
Com o lançamento
de Transmission, o grupo foi coroado com uma
das melhores bandas do país e alguns convites para mudarem
de gravadora foram especulados, já que não havia
um contrato formal entre o grupo e a Factory. Assim, a Warner
procurou Martin Hannett e Peter Saville. A Warner fez uma proposta
tentadora para os dois: a matriz americana distribuiria os discos
do grupo na América e alguns vídeos promocionais,
pagando US$ 1 milhão ao grupo.
Hannett, no entanto frisou
que Gretton não aceitaria esse contrato, pois não
se encaixava no perfil pensado ao Joy Division. Hannett disse
que se o selo quisesse ajudar em custear alguns produtos, aceitariam,
mas a Warner não teria nenhum controle sobre a banda.
Decepcionados, os diretores
da gravadora deixaram a reunião e o selo só voltaria
a procurar o grupo novamente em maio de 1980, quando voltaram
a receber uma proposta com o mesmo valor numérico mais
benefícios. Só que não puderam assinar pois
Ian não estava mais com o grupo.
O
grupo acabou o ano com dois concertos, um em Paris no Les-Bains
Douches Club e outro em Manchester, em uma festa organizada por
Tony Wilson.
O grupo mostrava-se desanimado
com o pouco dinheiro que ganhavam, apesar de terem conseguido
fama. Já Ian, mostrava-se triste e reticente sobre seu
futuro. O casamento com Deborah e a paixão por Annik o
atormentavam.
O ano de 1980 começou
com uma nova excursão européia, e de quebra, no
concerto em Amsterdã, no dia 11 de janeiro, precisaram
subir ao palco duas vezes, já que a banda de abertura não
apareceu. Acabaram tocando 17 músicas nesse dia. Seguiram-se
shows na Holanda, Bélgica e Alemanha onde tiveram problemas
com o público.
Nessa
turnê Ian levou sua amante nas excursões, o que causou
uma grande confusão com os demais integrantes, que foram
proibidos de levar suas namoradas e esposa (Bernard era casado),
como uma forma de impedir que Deborah se juntasse ao comboio.
Junto com as brigas com
público e internas, as crises de Ian iam aumentando gradativamente.
Em março de 1980,
é lançado um vinil de sete polegadas chamado Licht
und Blindheit, pela Sordide Sentimental, da França.
Apenas 1578 cópias
numeradas foram produzidas, com uma capa de três páginas,
um texto escrito por Jean-Pierre Turmel e com uma foto do grupo
tirada por Anton Corbijn. “Dead Souls” e “Atmosphere”
eram as músicas escolhidas.
12 - O final
Mesmo com o fracasso das
negociações com a Warner a Factory planejava uma
excursão pela América. A intenção
de Tony Wilson era simples: vender o Joy Division, acreditando
que eles poderiam vender 3 ou 4 milhões de discos. A banda
estava num ritmo insano de produção. O grupo havia
produzido várias canções e preparavam um
novo LP.
As primeiras gravações
terminadas foram a de um novo single contendo as canções
“Love Will Tear Us Apart” e “These Days”.
Apesar de ser o grande clássico do grupo, foi também
a canção que mais dor de cabeça deu para
Martin Hannett e para o grupo
Hannnet gastou uma pequena
fortuna mixando a canção nos estúdio Pennine.
O produtor mandou Ian cantar inspirado em Frank Sinatra e arranjou
uma tremenda confusão, quando ouviu as duas versões
que tinham feito da canção: uma versão lenta,
com a voz mais soturna, gravada no estúdio Strawberry.
E também havia uma versão em ritmo mais acelerado.
Martin sabia que ela seria a canção ideal para promoverem
na América e só optaram pela versão mais
lenta, mas refazendo todos os vocais nos dias finais de gravação
de Closer, no estúdio Britannia Row.
O single seria lançado
em dois formatos: sete e 12 polegadas. E mais uma vez o desenho
gráfico ficou por conta de Peter Saville, que concebeu
dois desenhos completamente distintos.
A capa de sete continha
um desenho que parecia um bloco de metal como se fosse uma lápide.
Como o single foi lançado apenas após a morte de
Ian, foi considerado de gosto duvidoso. Tony Wilson explica que
a foto havia sido tirada muitos meses antes do suicídio
do cantor, sendo uma peça de oito polegadas por quatro,
com o título impresso e a deixaram na chuva para que enferrujasse.
A peça ainda sofreu uma lavagem com ácido.
A versão de sete
polegadas chegou ao público antes, no dia 18 de abril,
e virou uma febre nacional, sendo considerada a canção
do ano, alcançando a 13ª posição na
parada e vendendo quase 160 mil cópias.
E, mais uma vez, com Martin,
o grupo entrou no Britannia Row para gravar o segundo disco, Closer.
Era o período final
e turbulento da vida de Ian, que não suportando mais a
vida dupla que levava, confessou a Deborah que tinha uma amante.
As letras do disco eram extremamente pessoais e falavam das dúvidas
que o atormentavam. Há quem goste de especular que Ian
já tinha pensado em suicídio e que havia avisado
a todos por meio das letras. O desespero transformou-se em obra
de arte e Martin conseguiu melhorar o que já era sublime,
deixando a voz do cantor mais poderosa e as músicas mais
sombrias.
O
cantor acabou saindo de casa e Deborah entrou com uma ação
de divórcio. Provisoriamente, Ian foi morar na casa de
Tony Wilson e levou Annik consigo. Os ataques eram mais freqüentes
e durante um show no Rainbow, Ian teve no palco um violento surto,
caindo em cima do kit de bateria. O ataque foi provocado pelas
luzes estroboscópicas colocadas no palco.
O último concerto
do grupo se deu no dia 2 de maio na Universidade de Birmigham
e acabou entrando no disco póstumo Still
lançado em 1981. Era a hora de pensar na turnê pelos
Estados Unidos, e o dia do embarque estava marcado para 19 de
maio.
Mas antes da viagem, Closer
seria lançado. Seria, se não tivessem acontecido
alguns percalços. O primeiro problema era que a capa bolada
por Peter Saville não havia sido entregue pela fábrica.
E um outro problema, e mais grave, aconteceu quando 5 mil cópias
já haviam sido feitas sem que Martin Hannett houvesse aprovado.
O disco acabou tendo o lançamento retardado até
julho.
Alheio a tudo isso, Ian
se sentia confuso e não sabia o que fazer de sua vida.
Dividido entre o amor de sua esposa e sua amante, tentou conversar
com Deborah. Estava claro que Ian não queria um processo
de divorcio, por causa de sua filha e para não sofrer mais.
Cansado, pediu para passar
o final de semana na sua antiga casa e Deborah concordou. Natalie
estava na casa de seus sogros, já que Deborah precisava
trabalhar todo o final de semana. No sábado, dois dias
antes de embarcar para os Estados Unidos, Ian voltou para o lar.
Quase não conversava sobre a viagem. Deborah acabou dormindo
de sexta para sábado na casa de seus pais, mas passou no
seu endereço para ver se Ian estava bem e avisando que
no domingo estaria de volta.
Sozinho em casa, Ian começou
a procurar fotos de Natalie e escreveu uma carta para Deborah,
dizendo que a amava e odiava Annick. Após ver um filme
chamado Stroszek de Herzog e ouvir The
Idiot de Iggy Pop, Ian se enforcou.
Na manhã do dia
18 de maio, no domingo, Deborah encontrou o corpo de seu marido,
com as mãos descansando em cima da máquina de lavar.
Deborah gritou, os vizinhos foram ver o que tinha acontecido e
a polícia acabou sendo chamada. Posteriormente, o corpo
de Ian acabou sendo identificado pelo seu sogro, já que
sua esposa não tinha nenhuma condição emocional
de fazê-lo.
O choque foi tão
grande ou maior para o grupo, Martin Hannett e Tony Wilson. Ninguém
queria imaginar que Ian tivesse cometido um ato cruel e tão
“vingativo” com todos aqueles que o cercaram. Para
piorar, a reunião com a Warner, que estava agendada assim
que a banda pisasse em território americano foi cancelada
e o grupo perdeu a chance de ganhar muito dinheiro.
Ian
havia conseguido o que tanto sonhara: imortalizara-se, cometendo
o suicídio quando estava prestes a se tornar um ídolo.
Preferiu ser mito.
Abalados com a decisão,
Closer é lançado em julho, precedido
dias antes por um relançamento de “Love Will Tear
Us Apart”, em 12 polegadas.
A capa do disco foi acusada novamente de mau gosto, mas Peter
argumentou que havia se inspirado em uma fotografia de Bernard
Pierre Wolfe.
Após a morte de
Ian, o Joy Division acabou. Não havia mais o que continuar
sem as letras e o carisma do vocalista.
Closer
foi imortalizado com 9 faixas:
Lado 1
"Atrocity Exhibition"
– 6:06
"Isolation" – 2:53
"Passover" – 4:46
"Colony" – 3:55
"A Means to an End" – 4:07
Lado 2
"Heart and Soul" – 5:51
"Twenty Four Hours" – 4:26
"The Eternal" – 6:07
"Decades" – 6:10
Dois
novos singles, são lançados: “Komakino”
e “Atmosphere” e a solução encontrada
pelos integrantes foi começar uma vida nova. Sim, você
conhece a banda, é o New Order.
Um último lançamento
póstumo foi realizado em 1981, um álbum duplo que
compilava canções inéditas e a apresentação
em Birmigham, batizando de Still.
O design do disco havia
sido bolado por Peter Saville, após achar um álbum
de um banda checa-eslovaca, em um sebo.
Mas a arte original, com
uma capa vermelha e letras douradas foi abandonada por ser considerada
pomposa demais. Ainda assim, resolveram manter a palavra "Still",
que pode ser entendida como um sinônimo de "calma",
que daria um entendimento melhor à concepção
do mesmo. O símbolo "f" provavelmente faz alusão
à gravadora Factory.
Vários
lançamentos posteriores, incluindo vídeos, coletâneas
e bootlegs foram feitos, sendo particularmente interessante o
que registra o show de Preston, no dia 28 de fevereiro, tido como
o pior em termos técnicos, mas cheio de garra, com a banda
tentando passar por cima das adversidades e com um Ian mais comunicativo
com a platéia.
Há também
o registro do show em Les-Bains Douches Club e completado com
gravações realizadas na Holanda, em janeiro de 1980.
Como a coluna ficou longa
demais, completarei apenas com a discografia do grupo. Um abraço
e até a próxima!
Discografia
Short Circuit - Live At
The Electric Circus (1978)
An Ideal For Living (single, 1978)
A Factory Sample (1978)
Earcom 2 (1979)
Unknown Pleasures (1979)
Transmission (single, 1979)
Love Will Tear Us Apart (single, 1980)
Closer (1980)
Komakino (1980)
Atmosphere (single, 1980)
Still (1981)
Substance (coletânea, 1988)
Permanent: Joy Division 1995 (coletânea, 1995)
Heart and Soul (caixa com 4 cds, 1998)
Preston Warehouse 28 February 1980 (1999)
The Complete BBC Recordings (2000)
Les-Bain Douches (2001)
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