38 - Kid Vinil - entrevista

Há quase 10 anos fiz uma entrevista com Kid Vinil motivado pelo lançamento do CD Na Honestidade, do Magazine. Muita coisa aconteceu de lá pra cá. Kid continua um batalhador no meio alternativo, comprando LPs, CDs, dando shows e lançando livros. Recentemente lançou um novo CD com sua banda, Kid Vinil Xperience, Time Was. Por isso, a ocasião era mais que propícia para um novo papo.


Essa entrevista será dividida em três partes: a primeira será dedicada à resenha do disco; na segunda Kid começa falando de sua carreira e, na terceira, sobre sua imensa coleção e sua relação com a música: o que gosta de comprar, onde etc...

Espero que apreciem...

PARTE 1 - RESENHA

Time Was, é o primeiro trabalho do Kid Vinil Xperience e tem uma proposta diferente: um disco de covers, mas de músicas pouco conhecidas de artistas que boa parte das pessoas jamais ouviu.

O Xperience tem como membros fixos, além de Kid, Carlos Nishimiya (guitarra), Carlos Rodrigues no baixo e McCoy (bateria). Além deles, três convidados: o baixista Mauricio Guedesson, na faixa 9; Sonny Rocker, baixo na faixa 8 e o baterista JC Goes Rock, nas faixas 5 e 9.

A obra abre com "Magic Potion", gravada pelo The Open Mind. Em seguida, uma leitura bem rocker de "Louise", e Paul Revere & The Raiders, um dos grupos norte-americanos que mais sucessos fizeram durante a invasão britânica. Uma curiosidade é a faixa "Inferno no Mundo", do Bango, grupo conhecido como Os Canibais, durante os anos de Jovem Guarda.

Mas a obra não fica apenas nos anos 60. O Guided By Voices é relembrado "Everywhere With Helicopters".

Uma outra curiosidade é a faixa "British Caledonian". Originalmente escrita pelo grupo Squeeze, por onde passou o tecladista Jools Holland, a banda preferiu utilizar uma versão alternativa feita por Fernando Naporano, que manteve a música, mas escreveu uma letra completamente diferente. Naporano era membro do Maria Angélica Não Mora Aqui, e eles a gravaram em duas demos e chegou até a tocar na rádio 89 FM.

O trabalho fecha com uma bela faixa de um dos membros da psicodelia britânica, o Creation, grupo de origem mod e que deixou grandes álbuns. "How Does It Feel To Feel?" é um belo momento para um disco que se propõe a encher os ouvidos com um bom rock. Simples, bem tocado, sem frescuras.

O trabalho foi produzido por Nishimiya e teve como engenheiro de som, Sandro Garcia.

Faixas

1. Magic Potion (The Open Mind)
2. Louise (Paul Revere & The Raiders)
3. Please Leave My Mind (The Herbal Mixture)
4. Inferno No Mundo (Bango)
5. Everywhere With Helicopters (Guided By Voices)
6. Military Madness (Graham Nash)
7. Splash #1 (13th Floor Elevators)
8. Love Is All Around (Sonny Curtis)
9. Ocean (Sebadoh)
10. British Caledonian (Squeeze/Maria Angélica)
11. The Way I Walk (Jack Scott)
12. How Does It Feel To Feel? (The Creation)

ENTREVISTA

PARTE 2 - CARREIRA

Mofo: - Kid, fale de seu momento com o Xperience e dos seus projetos atuais como DJ e escritor.
Kid Vinil: -
Foi muito positivo esse ano pro Xperience. Lançamos nosso CD independente e já vendemos quase tudo nos shows que fizemos pelo Sesi e Sesc por todo estado de São Paulo. Planejamos um outro CD de Nuggets, só que dessa vez com rock brasileiro de várias épocas. Temos um DVD gravado no interior de São Paulo, mas estamos negociando ainda direitos para lançá-lo de forma independente, em 2012.

Como autor tenho mais dois projetos em andamento, um livro que ajudei na tradução chamado Popcorn, sobre cinema e filmes relacionados ao rock, desde a decada de 50. É uma seleção de 100 filmes importantes dentro da temática rock. O outro livro é sobre o rock brasileiro será A história do rock brasileiro e sairá em julho de 2012 pela Editora Planeta.

"I am a DJ, I am what I play..."

Como DJ continuo atuando em festas tematicas de anos 70 e 80 e ainda em festas indie, mesclando coisas novas e antigas.

Como viajo muito, não tenho uma residência fixa em SP, como DJ, faço conforme me chamam e dependendo da minha disponibilidade, mas me divirto bastante, principalmente quando posso ainda tocar meus vinis.

Prefiro mais tocar com vinil, apesar que hoje a maioria das casas usam música computadorizada com laptops conectados a novos programas de discotecagem. Não curto muito essas coisas, sou mais pelo formato fisico.

Mofo: - E qual o seu repertório?
Kid Vinil: -
Depende da festa. Se for flash back é anos 60, 70 e 80, de Beatles a B-52's. Se for indie são as modernidades (Franz Ferdinand, Strokes, Arctic Monkeys, The Drums, Radiohead, etc).

Mofo: - Como é ser independente no Brasil no Século XXI? Como está organizada a cena? As dificuldades são as mesmas dos anos 80, com o Verminose, por exemplo, ou o cenário é totalmente diferente? E como define o rock brasileiro atual?
Kid Vinil: -
De certa forma, o independente moderno não sofre tanto quanto na década de 80. Hoje, com toda essa tecnologia à nossa disposição não tem muito como errar. Questão de bom senso e saber usar os dispositivos da internet (sites, myspace, facebook etc).

Na década de 80, com o Verminose batíamos de porta em porta com uma fita cassete, a cena independente mal existia. Tínhamos que batalhar muito mais pra arranjarmos onde tocar e, além disso, o equipamento que era muito caro. Hoje é facil ter um amplificador, gravar em um estudio caseiro, tudo muito mais simples. Pena que com todos esses recursos muita gente não sabe como aproveitar.

Temos coisas interessantes na cena independente, mas nada se compara a produtividade da década de 80. Ainda assim, as melhores coisas de hoje estão na cena independente. Gosto muito de bandas como Los Pirata, Falcatrua, de BH, Tomada, de SP, Garotas Suecas, Fuscas, do Rio, Dead Lovers, de BH, Dop Amor, do Rio, enfim, muita coisa legal, mas que dificilmente aparecem na mídia, exceto quando a MTV os indica para revelação em algum prêmio.

Mofo: - Você sempre será lembrado por "Eu Sou Boy". Ela ainda é tocada nos shows do Xperience, que tem uma proposta totalmente diferente? Já aconteceu de você não executá-la e ser vaiado por isso?
Kid Vinil: -
Não, "Eu Sou Boy" faz parte da minha vida, é uma musica que tenho orgulho de um dia tê-la gravado. Nós a fizemos inspirados na new wave, o arranjo é em cima de "Shake It Up" do sensacional The Cars, do genial Rick Ocasek.

Durante os anos 90 existia um preconceito muito grande em relação a minha pessoa por causa do sucesso dela. Hoje, o preconceito é menor, mas ainda têm alguns ignorantes por aí, que não tem noção da origem disso.

Esses são os reflexos da super-exposição, que em alguns momentos da minha carreira, me incomodou e gerou cobranças estúpidas de criticos mal informados. Acontece e aprendi a conviver com isso.

Nunca deixarei de cantar "Eu Sou Boy" e jamais fui vaiado por isso. Pelo contrário, as pessoas cobram a música desde o início do show. Discordo quanto a proposta diferente. "Sou Boy" é puro new wave e eu ainda sou new wave. O Xperience resgata tudo isso e coloca pitadas de anos 60 e rock and roll básico, elementos estes que também foram a base da new wave.

Mofo: - Você foi dos grandes astros do rock brasileiro dos anos 80. Como você enxergou aquele boom até inesperado e como analisa aquela geração após quase três décadas?
Kid Vinil: -
Foi uma época interessante para o rock brasileiro, já que nada acontecia no início dos anos 80. Lá fora, o punk e a new wave reinavam. Foi quando uma nova geração despertou pra isso em nosso país. Pra nossa sorte as rádios abraçaram o novo som.

A imprensa, à princípio, criticava, mas depois aceitou e a TV com seus programas de auditório (Chacrinha, etc) popularizou aquela nova safra do rock brasileiro, bem humorada, descompromissada, como era o bom e velho rock and roll dos anos 50.

Mofo: - Anos atrás, Buddy Guy dizia-se desanimado de tudo, pois o blues tinha voltado, segundo ele, pro gueto, já que os shows tinham cada vez menos público, os discos vendiam pouco e está cada vez mais difícil alguém se interessar pela música de verdade, que não seja genérica, derivativa e extremamente comercial e apelativa. Você sente isso com o Xperience? A banda, aliás, não é muito "ousada", pro mercado brasileiro? Você alguma vez sentiu vontade fazer algo do tipo Magazine-II para ver se emplacava um hit?
Kid Vinil: -
Depois de tanto tempo me sinto à vontade pra fazer o que quiser, não tenho mais a preocupação de gravar um novo hit. Hoje as coisas são diferentes, tenho meus pés no chão, sem pretensões. Quero tocar com minha banda e me divertir um pouco.

O Xperience é um projeto independente, até tentamos resgatar o Magazine naquele disco da Trama, mas não deu certo. Sabíamos que sem um alto investimento de gravadora na mídia, em geral, seria impossível. Não era essa nossa intenção e nem da Trama, gravamos o disco por sugestão do João Marcelo, mas sabíamos que não haveria compromisso com divulgação em massa. Era mais um independente e foi esse o modelo que resolvi adotar com o Xperience. As coisas caminham para isso atualmente. Não existem mais grandes gravadoras e esperanças de sucesso fácil. A mídia é controlada por muita grana e só chegam ao topo os que pagam mais. Não é o nosso caso e prefiro sobreviver num mercado menor, como muitos sobrevivem por aí.

Mofo: - Almanaque do Rock vendeu muito bem e é considerado referência no assunto. Você, aliás, é referência quando se fala de rock no Brasil, mas hoje tem pouco espaço na grande mídia. Você acha que o rock morreu mesmo pra ela, que se preocupa mais em lançar bandas pra garotas e com pouco conteúdo?
Kid Vinil: -
O livro foi bem legal pra mim, divulgou ainda mais meu nome e me abriu muitos espaços. Realmente, viver de rock hoje em dia não é fácil, mas não é impossível. Não acho que o rock morreu, apenas existem outros meios de se fazer e divulgá-lo.

Uso como referência São Paulo, que tem milhares de casas noturnas que tocam rock e trazem até atrações internacionais da cena indie constantemente. Temos um público grande pra festivais como Terra e SWU. A grande mídia elegeu essas bandinhas emo sem conteúdo pra agradar o público adolescente, mas não é só isso. O importante é enxergar além disso, pois tem muita coisa boa acontecendo.

Mofo: - Você deve ser ainda muito tietado até mesmo nas ruas. As pessoas te perguntam o que devem ouvir, dicas de lançamento ou tiram dúvidas contigo? Como é seu contato com os fãs?
Kid Vinil: -
É bem legal isso, muitos me cumprimentam pela carreira como músico e outros pelas coisas como apreciador de música. Muitos me pedem dicas e opiniões sobre bandas novas ou antigas. É muito bom essa aproximação com fãs que acabam se tornando, muitas vezes, grandes amigos.

PARTE 3 - KID VINIL, O COLECIONADOR

Mofo: - Quero aprofundar sobre algo que temos em comum: somos colecionadores. Recebo emails de leitores que acham curioso o site falar de tantos estilos diferentes e eles não entendem como é possível gostar de John Coltrane, Iron Maiden e Baden Powell.

Explique um pouco como é ser colecionador, esse bicho estranho que começa a se coçar quando vê aquela caixa sendo lançada ou aquele cd fora de catálogo sendo editado, com faixas bônus ou descobre que, finalmente, lançaram aquele livro "imperdível sobre o punk finlandês". Quando você foi "atingindo por esse mal"?
Kid Vinil: -
Ser colecionador depende muito de uma coisa. Uma delas é poder aquisitivo. Passei a comprar mais discos quando comecei a ganhar algum dinheiro com shows e empregos em gravadoras.

Na década de 80, viajava pra fora e voltava com malas cheias de discos. Continuei fazendo isso até o final dos anos noventa. Depois, com essa facilidade de se comprar tudo online nem é preciso mais viajar.

Não sou chegado em downloads, prefiro ainda o formato físico, tanto vinil como CD, mas original, com encartes, informações, belas capas etc. Sempre gastei quase tudo que ganho em discos, vivo conectado ao ebay e nas lojas independentes americanas e inglesas, sempre procurando novidades e raridades que eu não tenho.

As caixas que não param de sair, isso tudo me causa uma certa compulsão, que pode ser bom e ruim, ao mesmo tempo. Bom, porque alimenta o ego, me deixa feliz. Ruim, porque me leva a falência (ah, entendo bem essa parte, Kid...). Não consigo economizar pra nada e minha casa acaba virando um museu do disco, mas me sinto feliz assim.

Mofo: - Sua coleção é imensa, não vou te pedir uma lista do que você mais gosta de ouvir ou seus discos favoritos. Vamos falar de suas compras: o que mais o Kid Vinil consome hoje? As edições luxuosas e caixas dos artistas do passado ou os novos lançamentos? Quais lojas virtuais costuma visitar?
Kid Vinil: -
Hoje, nesse momento, estou aguardando as caixas do Pet Sounds, do Beach Boys, a caixa do Quadrophenia, do Who, a caixa do Pink Floyd de Wish You Were Here, a caixa de Historie De Melody Nelson, do Serge Gainsbourg. Semana passada recebi a mega caixa dos Smiths que parou no correio e cobraram quase 400 paus de imposto, mesmo assim, valeu a pena, pois é limitada e hoje ela vale mais de 500 dólares no ebay.

Esses dias, recebi a caixa das BBC do Thin Lizzy e a caixa do Phil Spector. Além dessas reedições, invisto em bandas novas. Essa semana recebi Spectrals, Real Estate, Bombay Bicycle Club, Wooden Ships, The Caezars, Other Lives e Veronica Falls.

Mofo: - Os CDs despencaram em termos de venda, mas você é ainda um daqueles que faz questão de aumentar seu imenso acervo com compras regulares de LPs, CDs e compactos. O mp3 tem alguma importância em sua vida?
Kid Vinil:-
Nenhuma, detesto fazer download de coisas, nada como ter um CD original, Quando começou essa onda de downloads todo mundo me dizia pra embarcar nessa, mas nada feito, detesto arquivos compactados, muita mão de obra ficar descompactando aquele sonzinho chinfrim pra ouvir num ipod. Muito sem graça.

Mark E. Smith, do The Fall, deu uma entrevista recentemente pra revista Mojo e detonou essa coisa de download. Os leitores o chamaram de velho e ultrapassado. Se for assim, também me considero velho e ultrapassado, mas feliz com meus vinis e cds originais.

Mofo: - Fale da "volta do LP" para desespero daqueles que preveram inclusive a morte do CD.
Kid Vinil:
- Pois é, isso acabaria acontecendo. Uma vez, li uma entrevista do Alan McGee dizendo que todos formatos poderiam acabar mas o vinil seria eterno.

O vinil não perdeu sua majestade e volta a ser fabricado e consumido. O CD perdeu a força em vendas, mas também continua no mercado, mas nada acaba com o charme do vinil.

Mofo: - No exterior, somos conhecidos principalmente por causa da Bossa Nova e, um pouco menos, pela Tropicália. Mas há o funk carioca que começa a abrir espaços, até lá fora. Quando você conversa com alguém de fora, o que eles te perguntam da música brasileira? Costuma mandar discos e cds de rock brasileiro pra lá? Quais artistas?
Kid Vinil: -
Não, raramente, tinha um amigo americano alguns anos atrás, que gostava de MPB tipo Gil e mandei pra ele aquela mega caixa do Gilberto Gil, que saiu pela Universal. Ele curtia Milton, Beto Guedes, essas coisas de MPB. Tirando isso, é muito raro alguém de fora me perguntar sobre música brasileira. Tirando os caras de gravadora, que conheci através da Trama, que curtiam Tom Zé e Mutantes.

Mofo: - Deixe uma mensagem aos fãs e aos jovens que ainda estão começando a conhecer o maravilhoso mundo da música.
Kid Vinil: -
É dificil deixar uma mensagem para um público mais novo, mas acho importante o bom senso na hora de escolher aquilo que vai ouvir, pesquisar bem em boas fontes, como eu faço, lendo sites como o Pitchfork, o site do NME, da Mojo, da Uncut, da Artocker, All Music Guide, da Spin e até mesmo da Rolling Stone americana, onde avalio as criticas dos discos principalmente. As lojinhas independentes onde compro também sempre dão boas dicas: a Rough Trade, a Piccadilly, Norman Records, Banquet Records e a Bomp Records.