Mofo: - Kid, fale de seu momento com o Xperience e
dos seus projetos atuais como DJ e escritor.
Kid Vinil: - Foi muito positivo esse ano pro Xperience.
Lançamos nosso CD independente e já vendemos quase
tudo nos shows que fizemos pelo Sesi e Sesc por todo estado
de São Paulo. Planejamos um outro CD de Nuggets, só
que dessa vez com rock brasileiro de várias épocas.
Temos um DVD gravado no interior de São Paulo, mas estamos
negociando ainda direitos para lançá-lo de forma
independente, em 2012.
Como autor tenho mais dois projetos em andamento, um livro
que ajudei na tradução chamado Popcorn,
sobre cinema e filmes relacionados ao rock, desde a decada de
50. É uma seleção de 100 filmes importantes
dentro da temática rock. O outro livro é sobre
o rock brasileiro será A história do rock
brasileiro e sairá em julho de 2012 pela Editora
Planeta.
"I am a DJ, I am what I play..."
Como DJ continuo atuando em festas tematicas de anos 70 e 80
e ainda em festas indie, mesclando coisas novas e antigas.
Como viajo muito, não tenho uma residência fixa
em SP, como DJ, faço conforme me chamam e dependendo
da minha disponibilidade, mas me divirto bastante, principalmente
quando posso ainda tocar meus vinis.
Prefiro mais tocar com vinil, apesar que hoje a maioria das
casas usam música computadorizada com laptops conectados
a novos programas de discotecagem. Não curto muito essas
coisas, sou mais pelo formato fisico.
Mofo: - E qual o seu repertório?
Kid Vinil: - Depende da festa. Se for flash back
é anos 60, 70 e 80, de Beatles a B-52's. Se for indie
são as modernidades (Franz Ferdinand, Strokes, Arctic
Monkeys, The Drums, Radiohead, etc).
Mofo: - Como é ser independente no Brasil no
Século XXI? Como está organizada a cena? As dificuldades
são as mesmas dos anos 80, com o Verminose, por exemplo,
ou o cenário é totalmente diferente? E como define
o rock brasileiro atual?
Kid Vinil: - De certa forma, o independente moderno
não sofre tanto quanto na década de 80. Hoje,
com toda essa tecnologia à nossa disposição
não tem muito como errar. Questão de bom senso
e saber usar os dispositivos da internet (sites, myspace, facebook
etc).
Na década de 80, com o Verminose batíamos de
porta em porta com uma fita cassete, a cena independente mal
existia. Tínhamos que batalhar muito mais pra arranjarmos
onde tocar e, além disso, o equipamento que era muito
caro. Hoje é facil ter um amplificador, gravar em um
estudio caseiro, tudo muito mais simples. Pena que com todos
esses recursos muita gente não sabe como aproveitar.
Temos coisas interessantes na cena independente, mas nada se
compara a produtividade da década de 80. Ainda assim,
as melhores coisas de hoje estão na cena independente.
Gosto muito de bandas como Los Pirata, Falcatrua, de BH, Tomada,
de SP, Garotas Suecas, Fuscas, do Rio, Dead Lovers, de BH, Dop
Amor, do Rio, enfim, muita coisa legal, mas que dificilmente
aparecem na mídia, exceto quando a MTV os indica para
revelação em algum prêmio.
Mofo:
- Você sempre será lembrado por "Eu Sou Boy".
Ela ainda é tocada nos shows do Xperience, que tem uma
proposta totalmente diferente? Já aconteceu de você
não executá-la e ser vaiado por isso?
Kid Vinil: - Não, "Eu Sou Boy" faz
parte da minha vida, é uma musica que tenho orgulho de
um dia tê-la gravado. Nós a fizemos inspirados
na new wave, o arranjo é em cima de "Shake It Up"
do sensacional The Cars, do genial Rick Ocasek.
Durante os anos 90 existia um preconceito muito grande em relação
a minha pessoa por causa do sucesso dela. Hoje, o preconceito
é menor, mas ainda têm alguns ignorantes por aí,
que não tem noção da origem disso.
Esses são os reflexos da super-exposição,
que em alguns momentos da minha carreira, me incomodou e gerou
cobranças estúpidas de criticos mal informados.
Acontece e aprendi a conviver com isso.
Nunca deixarei de cantar "Eu Sou Boy" e jamais fui
vaiado por isso. Pelo contrário, as pessoas cobram a
música desde o início do show. Discordo quanto
a proposta diferente. "Sou Boy" é puro new
wave e eu ainda sou new wave. O Xperience resgata tudo isso
e coloca pitadas de anos 60 e rock and roll básico, elementos
estes que também foram a base da new wave.
Mofo: - Você foi dos grandes astros do rock brasileiro
dos anos 80. Como você enxergou aquele boom até
inesperado e como analisa aquela geração após
quase três décadas?
Kid Vinil: - Foi uma época interessante para
o rock brasileiro, já que nada acontecia no início
dos anos 80. Lá fora, o punk e a new wave reinavam. Foi
quando uma nova geração despertou pra isso em
nosso país. Pra nossa sorte as rádios abraçaram
o novo som.
A imprensa, à princípio, criticava, mas depois
aceitou e a TV com seus programas de auditório (Chacrinha,
etc) popularizou aquela nova safra do rock brasileiro, bem humorada,
descompromissada, como era o bom e velho rock and roll dos anos
50.
Mofo:
- Anos atrás, Buddy Guy dizia-se desanimado de tudo,
pois o blues tinha voltado, segundo ele, pro gueto, já
que os shows tinham cada vez menos público, os discos
vendiam pouco e está cada vez mais difícil alguém
se interessar pela música de verdade, que não
seja genérica, derivativa e extremamente comercial e
apelativa. Você sente isso com o Xperience? A banda, aliás,
não é muito "ousada", pro mercado brasileiro?
Você alguma vez sentiu vontade fazer algo do tipo Magazine-II
para ver se emplacava um hit?
Kid Vinil: - Depois de tanto tempo me sinto à
vontade pra fazer o que quiser, não tenho mais a preocupação
de gravar um novo hit. Hoje as coisas são diferentes,
tenho meus pés no chão, sem pretensões.
Quero tocar com minha banda e me divertir um pouco.
O Xperience é um projeto independente, até tentamos
resgatar o Magazine naquele disco da Trama, mas não deu
certo. Sabíamos que sem um alto investimento de gravadora
na mídia, em geral, seria impossível. Não
era essa nossa intenção e nem da Trama, gravamos
o disco por sugestão do João Marcelo, mas sabíamos
que não haveria compromisso com divulgação
em massa. Era mais um independente e foi esse o modelo que resolvi
adotar com o Xperience. As coisas caminham para isso atualmente.
Não existem mais grandes gravadoras e esperanças
de sucesso fácil. A mídia é controlada
por muita grana e só chegam ao topo os que pagam mais.
Não é o nosso caso e prefiro sobreviver num mercado
menor, como muitos sobrevivem por aí.
Mofo:
- Almanaque do Rock vendeu muito bem e é considerado
referência no assunto. Você, aliás, é
referência quando se fala de rock no Brasil, mas hoje
tem pouco espaço na grande mídia. Você acha
que o rock morreu mesmo pra ela, que se preocupa mais em lançar
bandas pra garotas e com pouco conteúdo?
Kid Vinil: - O livro foi bem legal pra mim, divulgou
ainda mais meu nome e me abriu muitos espaços. Realmente,
viver de rock hoje em dia não é fácil,
mas não é impossível. Não acho que
o rock morreu, apenas existem outros meios de se fazer e divulgá-lo.
Uso como referência São Paulo, que tem milhares
de casas noturnas que tocam rock e trazem até atrações
internacionais da cena indie constantemente. Temos um público
grande pra festivais como Terra e SWU. A grande mídia
elegeu essas bandinhas emo sem conteúdo pra agradar o
público adolescente, mas não é só
isso. O importante é enxergar além disso, pois
tem muita coisa boa acontecendo.
Mofo: - Você deve ser ainda muito tietado até
mesmo nas ruas. As pessoas te perguntam o que devem ouvir, dicas
de lançamento ou tiram dúvidas contigo? Como é
seu contato com os fãs?
Kid Vinil: - É bem legal isso, muitos me cumprimentam
pela carreira como músico e outros pelas coisas como apreciador
de música. Muitos me pedem dicas e opiniões sobre
bandas novas ou antigas. É muito bom essa aproximação
com fãs que acabam se tornando, muitas vezes, grandes amigos.
PARTE 3 - KID VINIL, O COLECIONADOR
Mofo:
- Quero aprofundar sobre algo que temos em comum: somos colecionadores.
Recebo emails de leitores que acham curioso o site falar de
tantos estilos diferentes e eles não entendem como é
possível gostar de John Coltrane, Iron Maiden e Baden
Powell.
Explique um pouco como é ser colecionador, esse
bicho estranho que começa a se coçar quando vê
aquela caixa sendo lançada ou aquele cd fora de catálogo
sendo editado, com faixas bônus ou descobre que, finalmente,
lançaram aquele livro "imperdível sobre o
punk finlandês". Quando você foi "atingindo
por esse mal"?
Kid Vinil: - Ser colecionador depende muito de uma
coisa. Uma delas é poder aquisitivo. Passei a comprar
mais discos quando comecei a ganhar algum dinheiro com shows
e empregos em gravadoras.
Na década de 80, viajava pra fora e voltava com malas
cheias de discos. Continuei fazendo isso até o final
dos anos noventa. Depois, com essa facilidade de se comprar
tudo online nem é preciso mais viajar.
Não sou chegado em downloads, prefiro ainda
o formato físico, tanto vinil como CD, mas original,
com encartes, informações, belas capas etc. Sempre
gastei quase tudo que ganho em discos, vivo conectado ao ebay
e nas lojas independentes americanas e inglesas, sempre procurando
novidades e raridades que eu não tenho.
As caixas que não param de sair, isso tudo me causa
uma certa compulsão, que pode ser bom e ruim, ao mesmo
tempo. Bom, porque alimenta o ego, me deixa feliz. Ruim, porque
me leva a falência (ah, entendo bem essa
parte, Kid...). Não consigo economizar
pra nada e minha casa acaba virando um museu do disco, mas me
sinto feliz assim.
Mofo:
- Sua coleção é imensa, não vou
te pedir uma lista do que você mais gosta de ouvir ou
seus discos favoritos. Vamos falar de suas compras: o que mais
o Kid Vinil consome hoje? As edições luxuosas
e caixas dos artistas do passado ou os novos lançamentos?
Quais lojas virtuais costuma visitar?
Kid Vinil: - Hoje, nesse momento, estou aguardando
as caixas do Pet Sounds, do Beach Boys, a caixa
do Quadrophenia, do Who, a caixa do Pink Floyd
de Wish You Were Here, a caixa de Historie
De Melody Nelson, do Serge Gainsbourg. Semana passada
recebi a mega caixa dos Smiths que parou no correio e cobraram
quase 400 paus de imposto, mesmo assim, valeu a pena, pois é
limitada e hoje ela vale mais de 500 dólares no ebay.
Esses dias, recebi a caixa das BBC do Thin Lizzy e a caixa
do Phil Spector. Além dessas reedições,
invisto em bandas novas. Essa semana recebi Spectrals, Real
Estate, Bombay Bicycle Club, Wooden Ships, The Caezars, Other
Lives e Veronica Falls.
Mofo: - Os CDs despencaram em termos de venda, mas
você é ainda um daqueles que faz questão
de aumentar seu imenso acervo com compras regulares de LPs,
CDs e compactos. O mp3 tem alguma importância em sua vida?
Kid Vinil:- Nenhuma, detesto fazer download de coisas,
nada como ter um CD original, Quando começou essa onda
de downloads todo mundo me dizia pra embarcar nessa, mas nada
feito, detesto arquivos compactados, muita mão de obra
ficar descompactando aquele sonzinho chinfrim pra ouvir num
ipod. Muito sem graça.
Mark E. Smith, do The Fall, deu uma entrevista recentemente
pra revista Mojo e detonou essa coisa de download. Os leitores
o chamaram de velho e ultrapassado. Se for assim, também
me considero velho e ultrapassado, mas feliz com meus vinis
e cds originais.
Mofo:
- Fale da "volta do LP" para desespero daqueles que
preveram inclusive a morte do CD.
Kid Vinil: - Pois é, isso acabaria acontecendo.
Uma vez, li uma entrevista do Alan McGee dizendo que todos formatos
poderiam acabar mas o vinil seria eterno.
O vinil não perdeu sua majestade e volta a ser fabricado
e consumido. O CD perdeu a força em vendas, mas também
continua no mercado, mas nada acaba com o charme do vinil.
Mofo: - No exterior, somos conhecidos principalmente
por causa da Bossa Nova e, um pouco menos, pela Tropicália.
Mas há o funk carioca que começa a abrir espaços,
até lá fora. Quando você
conversa com alguém de fora, o que eles te perguntam
da música brasileira? Costuma mandar discos e cds de
rock brasileiro pra lá? Quais artistas?
Kid Vinil: - Não, raramente, tinha um amigo
americano alguns anos atrás, que gostava de MPB tipo
Gil e mandei pra ele aquela mega caixa do Gilberto Gil, que
saiu pela Universal. Ele curtia Milton, Beto Guedes, essas coisas
de MPB. Tirando isso, é muito raro alguém de fora
me perguntar sobre música brasileira. Tirando os caras
de gravadora, que conheci através da Trama, que curtiam
Tom Zé e Mutantes.
Mofo: - Deixe uma mensagem aos fãs e aos jovens
que ainda estão começando a conhecer o maravilhoso
mundo da música.
Kid Vinil: - É dificil deixar uma mensagem para
um público mais novo, mas acho importante o bom senso
na hora de escolher aquilo que vai ouvir, pesquisar bem em boas
fontes, como eu faço, lendo sites como o Pitchfork, o
site do NME, da Mojo, da Uncut, da Artocker, All Music Guide,
da Spin e até mesmo da Rolling Stone americana, onde
avalio as criticas dos discos principalmente. As lojinhas independentes
onde compro também sempre dão boas dicas: a Rough
Trade, a Piccadilly, Norman Records, Banquet Records e a Bomp
Records.