Como trio, a banda fez a primeira aparição
na televisão alemã, tocando "Truckstop Gondolero",
por sete minutos e usando os cones que haviam usados na capa do
primeiro disco em volta deles. Tudo isso no programa de rock Beat
Club.
E, ao mesmo tempo em que Dinger e Rother anunciaram
que deixariam o Kraftwerk para começarem um novo grupo
(Neu!, que também faria história dentro do rock
alemão), Ralf volta à banda e começam a gravar
um novo trabalho.
Kraftwerk
2 é um disco mais eletrônico, já
que a banda precisou usar uma primária bateria eletrônica
para suprir a ausência do baterista Dinger.
O disco abre com "Klingklang", que
seria o nome do estúdio do grupo e fecha o primeiro lado
com "Atem". No lado B, mais quatro faixas: "Strom",
"Spule 4", "Wellenlange" e "Harmonika".
No entanto, esse disco já mostra uma maior preocupação
em estruturar as canções, já que Ralf e Florian
não queriam se perder em improvisos como no disco do Organisation.
A
primeira virada na carreira da dupla seria com o disco Ralf
and Florian, de 1973. O duo começou a forjar toda
sua essência sonora a partir desse disco, já gravado
no Kling Klang, e tremendamente influenciado por um jovem estudante
de violino, Emil Schult. Schult seria ao longo dos anos um membro
não-oficial, ajudando nas letras e a moldar a concepção
visual do grupo. "Tanzmuzik" já trazia elementos
que seriam usadas alguns anos mais tarde na música disco,
mostrando o quanto poderiam ser visionários e conectados
com as novas tendências. As canções do disco
eram, no lado A: "Elektrisches Roulette", "Tangebirge",
"Kristallo", "Heimatklange" e no lado B: "Tanzmuzik"
e "Ananas Symphonie".
E a grande mudança viria no ano seguinte
quando se tornariam, de longe, o grupo alemão mais bem-sucedido
até então. Tudo isso por causa de uma canção
que exaltava as auto-estradas construídas por Adolf Hitler
e que haviam acabado com o verde dentro da Alemanha: Autobahn.
Autobahn
foi a primeira vez em que o Kraftwerk atingiu o grand público
e não apenas na Alemanha. O disco marca uma total e radical
mudança no som do Kraftwerk. Novamente um quarteto, com
as aquisições do guitarrista Klaus Roeder e do percussionista
Wolfgang Flür, o Kraftwerk percebeu que o som da banda estava
nos sintetizadores que se popularizavam cada vez mais.
Mas o grande susto foi quando alguém -
não se sabe ao certo o dono da idéia - pegou a longa
faixa "Autobahn", de 22 minutos e resolveu editá-la
em pouco mais de três minutos e distribuir às rádios.
Foi um estouro mundial, que pegou a banda e gravadora desprevenidas.
"Autobahn" falava de algo que fazia
sentido para os alemães - entrar em um carro popular e
rasgar a Alemanha dentro das suas modernas, largas e seguras auto-pistas.
Apesar disso, a canção bateu rapidamente entre as
30 mais nos Estados Unidos e ficou entre as 20 mais na Inglaterra.
Com o sucesso do disco, a banda saiu excursionando
e imediatamente trocou o guitarrista Roeder por um segundo percussionista,
Karl Bartos e tocou por Europa e Estados Unidos. Nessa época,
a banda recebeu o rótulo de "space rock", designados
aos grupos progressivos, e, em especial, o Pink Floyd. Apesar
de não gostarem do rótulo, Ralf e Florian não
o achavam tão ruim.
"Nós temos algumas referências
ao espaço em nossas músicas, como em "Kometenmelodie",
mas por outro lado, temos referencias bem terrestres como o corpo
humano e o dia-a-dia", explicou em uma entrevista de 1975,
Ralf.
"Nós crescemos impressionados com
a tecnologia e o maquinário rítmico que usamos na
nossa música, assim como nos aspectos mecânicos da
vida moderna. A tecnologia não é uma inimiga para
nós, nós a usamos de maneira adequada. Também
gostamos de coisas naturais, mas é errado falar que isso
é melhor ou pior do que a máquina. Você deve
aceitar essas coisas", disse Florian.
Os dois explicavam porque o ritmo era tão
importante para o Kraftwerk: "pode não parecer, mas
nós alemães gostamos de ritmo e atualmente algumas
companhias de danças da Alemanha usam nossas músicas
para criar danças em cima delas. A coregrafia parece uma
dança de robôs, com movimentos mecânicos. É
esse tipo de dança que faremos no palco. Não é
mexer todo seu corpo, mas você se sentirá dançando.
Seu cérebro dançará", garantia Ralf.
Ralf explicava que o grupo era uma orquestra
no palco: "nós criamos um único instrumento,
uma espécie de alto-falante. Nós faremos mixagens,
acionaremos tapes e tocaremos todo o aparato que forma o Kraftwerk,
incluindo luzes e a atmosfera."
Florian explicava que eles gostavam de improvisar
sob temas orientais, que não possuem uma estrutura tão
delimitada quanto a ocidental ou até sobre temas clássicos.
"O que mais gostamos é tocarmos as
notas essenciais. Uma das coisas mais tediosas nos anos de conservatórios
era a obrigatoriedade de tocar várias notas em tantos segundos
ou minutos. Nós tentamos soar da maneira mais simples e
direta possível."
Em
1975, a banda daria outro susto lançando outro disco inovador,
Radio-Activity (ou Radio-Aktivitat,
em alemão).
O álbum marca uma importante mudança
para o Kraftwerk, que havia deixado a gravadora Philips e assinado
com a E.M.I. que havia dado um generoso adiantamento e uma parte
dos futuros lucros para gravarem o novo disco, que o Kraftwerk
prometia ser melhor do que Autobahn.
O disco abre com a faixa "Geiger Counter"
(ou Geigerzahler) simulando uma batida de coração,
depois um código morse e uma voz fria, glacial declamando
a palavra-título. E, seguindo a mesma idéia do trabalho
anterior, Radio-Activity teria um fio-condutor,
como era corrente nos álbuns de rock progressivo. A diferença
seria o tema e a simplicidade por detrás de tudo, ao invés
dos exageros das bandas inglesas.
Esse trabalho pode ser considerado o primeiro
totalmente eletrônico feito pelo grupo e o primeiro a conter
letras em inglês e a partir de então os discos seriam
lançados sempre em duas versões: em inglês
e em alemão.
O primeiro single tirado do disco foi a faixa-título,
que assim como "Autobahn" teve que ser editada. Mas,
o single não fez sucesso, com exceção da
França, onde teve uma boa vendagem. No mesmo ano é
editado uma coletânea do grupo chamada Exceller
8.
Nos Estados Unidos, o grupo era considerado uma
daquelas bandas de um único sucesso, apesar do crescente
número de fãs. Mas foi na Inglaterra que o Kraftwerk
experimentou uma grande popularidade, principalmente dos nascentes
grupos punks, que viam no som do Kraftwerk uma rejeição
aos valores tradicionais do rock and roll.
A
fama da banda cresceu muito quando David Bowie confessou sua paixão
pelo som do grupo. Afinal, crítica e fãs grudavam-se
às palavras do cantor como uma tábua dos Dez Mandamentos.
Na turnê promocional de seu antológico
disco Station to Station, de 1976, Bowie tocava
uma fita com músicas do Kraftwerk e chegou a convidar o
grupo a abrir seus shows, convite esse recusado. No ano seguinte,
o cantor inglês iria morar em Berlim e estreitaria ainda
mais os laços com o Kraftwerk.
Mas o Kraftwerk não parava de trabalhar.
E, em 1977 lançam o que pode ser considerado sua grande
obra-prima, o disco Trans-Europe Express.
Trans-Europe
Express foi um sucesso monumental e um dos mais importantes
lançamentos no ano marcado pela explosão do punk-rock.
Mas o Kraftwerk não fazia referência ao novo estilo
musical e sim a Bowie. Bowie havia gravado dois discos fortemente
influenciados pelos alemães, o semi-instrumental Low
e "Heroes", além de produzir
o primeiro disco-solo de Iggy Pop, The Idiot.
No disco "Heroes",
Bowie escreveu V-2 Schneider, em homenagem à Florian. E
o Kraftwerk não deixou por menos, citando nominalmente
Bowie e Pop na faixa-título. E se Bowie se esforçava
para cantar em alemão, o Kraftwerk escrevia cada vez mais
em inglês.
O
Kraftwerk nessa época era visto por alguns críticos
como um grupo por demais teutônico e suas idéias
eram encaradas com desprezo. Havia quem os considerasse os "Beach
Boys alemães" por cantar a alegria de guiar em uma
auto-estrada. Sua música era considerada fria, distante
e inócua. Em Trans-Europe Express, o grupo
faz uma denúncia toda pessoal da condição
humana. "Showroom Dummies", por exemplo conta a história
de manequins de vitrine que ganham vida; "The Hall of Mirrors",
fala da sensação que temos de olharmos para nós
em um espelho e não nos reconhecermos.
Mas o disco acabou não tendo sucesso comercial,
alcançado resultados modestos nas paradas de sucesso. O
Kraftwerk começava a enfrentar um sério problema
com a gravadora, que aplicava muito dinheiro no grupo e via um
retorno apenas modesto. Mas essa dúvida seria quebrada
com o novo disco, The Man-Machine.
A
idéia central do novo disco vinha de tempos, desde a excursão
americana de 1975. Ralf e Florian sonhavam em serem substituídos
por robôs parecidos com eles. No imaginário dos dois,
os robôs poderia fazer de tudos - desde se apresentarem
ao vivo até em conferências com os jornalistas. Era
um conceito irônico, mostrando que as pessoas haviam sido
automatizadas pela vida. E dessa vida, os próprios integrantes
poderiam cuidar mais da parte musical.
Na
época, o máximo que podiam fazer era adaptar manequins
com os integrantes fazendo as vozes por trás. Com esse
conceito nasce o disco The Man-Machine, de 1978,
que reservaria várias surpresas. A maior delas foi dar
ao grupo, um primeiro lugar nas paradas, com "The Model",
mas em 1982, quatro anos depois! A primeira polêmica sobre
o disco veio pelo uso das cores vermelho e preto, utilizadas pelos
nazistas. O grupo respondia, de forma irônica, que o vermelho
simbolizava os países comunistas. O que o grupo pregava
era a total falta de individualidade das pessoas e a total uniformidade
das sociedades modernas.
O disco consistia em seis faixas: "The Robots",
"Spacelab", Metropolis (lado A); "The Model",
"Neon Lights" e "The Man Machine" (sem hífen,
no lado B). As canções falavam de amor, vida nas
grandes cidades, nostalgia, tecnologia, comportamento humano e
socidade.
Até
então, o grupo experimentava um desempenho pífio
nas paradas de sucessos e isso inquietava a banda. Apesar das
vendagens de LPs serem boas e os fãs aumentarem sempre,
o grupo não conseguia sucesso nas rádios. Tudo isso
mudaria com o próximo disco, Computer World,
lançado em 1981.
Computer World falava da importância
que os computadores ocupavam na vida. Desde uma simples calculadora
- "Pocket Calculator" - até o amor pelo computador
- "Computer Love" e os primeiros passos no uso doméstico
- "Home Computer". Algumas críticas disseram
que o Kraftwerk havia perdido o ato de prever o futuro e que eles
estavam abordando assuntos banais. Mas o fato é que o grupo
sempre se cercou e falou dos temas cotidianos da vida. Outra crítica
era de caminharem na contramão dos acontecimentos dentro
da Alemanha, já que o Kraftwerk celebrava a chegada da
tecnologia, enquanto o computador central da polícia alemã
causava uma paranóia em seus cidadãos.
O grupo lançou um compacto com as canções
"Computer Love", tendo no lado B "The Model".
O disco alcançou a 36ª posição nas paradas.
Ainda assim, ele continou sendo executado na Inglaterra e na Alemanha
até que a E.M.I. resolveu relançar "The Model"
como um compacto. Em janeiro de 1982 o disco entrou em 21º
na parada inglesa e no dia 6 de fevereiro alcançou o primeiro
posto das paradas.
Enquanto
o disco fazia sua escalada, o grupo estava promovendo seu novo
trabalho com a última turnê que fariam até
a década de 90.
O grupo colecionou alguns problemas na França,
quando o single "The Model" foi relançado com
um selo contendo "Number One in England". Irritados,
os franceses vetaram o single em seu país.
Um dos grandes motivos para o sucesso do Kraftwerk
era a explosão de bandas que faziam do sintetizador seu
instrumento favorito, como era o caso do Human League, Soft Cell,
Depeche Mode, entre outros.
Os shows eram uma grande celebração
com o público. Durante "Pocket Calculator", os
integrantes convidavam pessoas da platéia a tocar algumas
notas em uma calculadora. Havia ainda uma grande exibição
de robôs e muitos desses shows foram pirateados em discos
até hoje consumidos. O sucesso também permitiu ao
Kraftwerk equipar e modernizar seu estúdio Kling Klang,
que agora era portátil e levado para o palco.
Em
1982 o mundo foi surpreendido quando um compacto chamado Planet
Rock, de Afrika Bambaataa atingiu as paradas do planeta
inteiro. Bambaataa havia feito uma canção em cima
de "Trans-Europe Express" e "Numbers", provando
a penetração da música do Kraftwerk.
Afrika se recorda da primeira vez que ouviu o
grupo alemão: "quando me mostraram Kraftwerk, levei
um susto e achei aquilo uma bosta esquisita." A bosta esquisita,
no entanto, encheu os bolsos do músico norte-americano
e ele acabou sendo obrigado a relançar o compacto com o
nome Planet Rock/Trans-Europe Express, após
uma ameaça de processo legal e colocar nos créditos
os nomes de Ralf e Florian.
Em
1983, o grupo faria, de certa forma, as pazes com os franceses
ao lançar o seu mais famoso compacto: Tour de France.
Inspirada na famosa corrida ciclística mais tradicional
do planeta e esporte que fascina Ralf e Florian, o Kraftwerk compôs
a trilha sonora perfeita para a prova. A idéia era fazer
um disco inteiro sobre o tema, idéia descartada. A canção
acabou tendo vários remixes, mas um grave problema fez
com o que a divulgação do mesmo fosse prejudicada.
Tudo porque Ralf Hutter sofreu um grave acidente de bicicleta
e passou dias internados.
Quando o compacto foi finalmente lançado,
a prova já havia terminado e o disco acabou vendo modestas
7.500 cópias na França. A canção chegou
a ficar entre as 30 mais na Inglaterra, mas só voltaria
com mais força, anos depois.
O grupo anunciou que estava então trabalhando
em um novo disco cujo nome seria Technopop e que seria lançado
ainda em 1983. Mas vários outros problemas foram adiando
o novo trabalho. Pela primeira vez, o Kraftwerk mostrava falta
de confiança em suas composições e em seu
conceito e os músicos estavam mais ocupados tentando aprender
as modernas técnicas de gravação e equipar
melhor o Kling Klang.
Dessa
maneira, a banda entrou em um estado de hibernação
até 1986, quando voltaram com um novo disco, Eletric
Café. E o disco foi duramente criticado por sua
falta de criatividade, por utilizar idéias forçadas
e por terem abandonado a simplicidade.
E as críticas não foram os únicos
problemas. As vendagens ficaram aquém do esperado e Ralf
teve um novo problema de saúde, sendo internado com uma
suspeita de ataque cardíaco. Dessa maneira, o Kraftwerk
voltou ao isolamento e só iriam dar as caras na década
de 90... Mas isso é tema para a segunda parte da biografia...
Um abraço e até a próxima coluna.
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