O grupo entra na década de 90
com um disco que cheirava a uma compilação meio
sem-vergonha, mas que era, na verdade, uma releitura de antigos
clássicos com nova roupagem. Assim nascia The Mix, o único
disco de estúdio da década. Depois disso, o Kraftwerk
entraria em férias profundas, tirando raramente a cabeça
da toca. Mas o novo século deixou os já cinquentões
animados e eles já começaram a nova era cheio de
projetos...
E
o Kraftwerk deu as caras em 1991 após um longo exílio
com o disco The Mix. The Mix
surpreendeu por ser um disco de remixes. Estaria o Kraftwerk dando
um passo para trás em uma carreira pontuada pela ousadia
e pelo olhar no futuro? Não para Ralf Hütter.
"Estávamos trabalhando nas faixas
para a execução ao vivo, gerando sons digitais e
sampleando nossas velhas fitas. Por isso, não são
remixes, mas regravações completamente novas."
Ralf explicou também que deixaram alguns clássicos
de fora para usarem apenas faixas que combinavam. "Tivemos
que sacrificar algumas faixas em nome de uma unidade."
Ele alegou que não colocaram nenhuma faixa
dos três primeiros discos porque não tocavam mais
esse material desde os anos de Autobahn.
Uma das primeiras diferenças presentes
no novo trabalho era a ausência dos percussionistas Karl
Bartos e Wolfgang Flür. Bartos havia deixado o Kraftwerk
em 1987 criticando os métodos de Ralf e Florian, o que
aumentava os boatos de que os dois exerciam uma tirania interna.
Flür acabou saindo do Kraftwerk em 1990, antes de cinco concertos
programados para a Itália. Nesses concertos, Wolfgang acabou
sendo substituído por Fritz Hilpert. Sobre a mudança,
Ralf explicou: "agora temos um engenheiro eletrônico
ao invés dos dois antigos percussionistas e temos mais
eletrônica, mais programação e mais engenharia
de som."
Flür
deu sua própria versão sobre sua saída da
banda: "o Kraftwerk era um grupo que se concentrava apenas
em si mesmo. No início dos anos 80, quase ninguém
podia avançar neste universo. Existia uma lei interna que
pregava a imobilidade e isso matou nossa inspiração.
Karl e eu queríamos participar mais da criação
musical. Deveríamos ter efetuado mais intercâmbios
com outros músicos. Além disso, Ralf e Florian passam
mais tempo preocupados com ciclismo do que com a música.
Wolfgang explica que o desgaste já vinha
há vários anos: "o auge de toda a tensão
foi durante a excursão de Computer World.
Naquela viagem pudemos notar nossos limites pela primeira vez.
Após a partida de Emil Schult, que era uma espécie
de pai para o grupo (acompanhava Kraftwerk nas viagens desde 1975),
um elemento chave ficou faltando. E com o controle cada vez mais
autoritário de Ralf e Florian eu não vi outra alternativa,
a não ser deixar o Kraftwerk."
Na
excursão de The Mix, o Kraftwerk excursionou
e tocou com Hilpert e com o português Fernando Abrantes,
que depois foi trocado por Henning Schmitz, embora o robô
de Abrantes continuasse aparecendo nas turnês. Sobre isso,
Ralf disse: "é muito mais fácil trocar um membro
do que um robô!"
Hütter, aliás, explicou que ele nunca
se viu como um ser humano e sim como um autômato: "em
alemãp, os sobrenomes são frequentemente de profissões,
como Müller (mecânico) e Bauer (fazendeiro). Eu não
me sinto como Sr. Hütter, ou mais precisamente como Sr. Kraftwerk.
Eu me sinto como um robô."
Hütter
afirmou que nunca ligou muito para o aspecto humano dentro do
grupo, apenas para o aspecto profissional: "alguns dizem
que produzimos pouco, mas a verdade é que trabalhamos duro
todos os dias. Nós digitalizamos completamente nossas músicas
antigas, elas estão todas salvas em disco rígido.
É o nosso arquivo sonoro. Ele nos fará permanecer.
Além dos mais, acho bela a solidão. O silêncio
é importante para o ser humano, porque somos constantemente
incomodados pelo ruído da música. É por isso
que exijo dias de silêncio total."
Esse tipo de pensamento fez com que alguns rotulassem
o grupo de fascistas e de estabelecerem uma verdade extremamente
cruel com o mundo: "é bobagem essa coisa de nos chamarem
de fascistas. Apenas temos uma maneira de trabalhar, que pode
ser dura para outras pessoas. Mas o nosso tipo de som exige uma
postura totalmente diferente. E o fato de nos confraternizarmos
pouco com nossos fãs é mentira. Gostamos de conversar
com as pessoas", afirmou Ralf.
Mas
Ralf disse que apesar de todas as críticas, o grupo sempre
esteve interessado pelos problemas cotidianos: "a tecnologia
hoje está mais próxima do que sempre sonhamos. As
limitações estão diminuindo e nossa música
é cada vez mais espalhada pelo planeta. Eu adoro sair para
dançar e ouvir essas novas bandas usando idéias
que tivemos. Ao mesmo tempo, tento reduzir os estímulos
externos. Não ouço música, faço música
no estúdio e quando saio de casa gosto de ouvir os sons
que o ambiente oferece."
A
excursão de The Mix coincidiu com o começo
da reunificação alemã após o final
da União Soviética e Ralf disse que ficou frustrado
com a falta de estímulo das pessoas após o ocorrido:
"eu não sei porque está tudo tão modorrento,
já que era para estar acontecendo uma avalanche de idéias,
seja na música, na literatura ou no cinema. Mas nada aconteceu."
Uma das coisas que mais preocupavam o líder
do Kraftwerk era a massificação humana: "não
há muita personalidade hoje e não acho que o mundo
seguirá um grande líder como aconteceu antes. Agora
o movimento se dá através de uma ditadura de massas,
do controle remoto. Não vejo sentido em eleições
porque votar não significa estar escolhendo algo de qualidade."
A excursão promocional de The
Mix levou anos para terminar e algumas apresentações
ficaram na história, como a de junho de 1992, em Manchester,
em um concerto contra as armas nucleares. Após o sucesso
retumbante e a aclamação geral, o grupo voltou a
hibernar longamente.
Em
1994, duas coletâneas foram lançadas: The
Capitol Years, uma caixa pelo selo californiano Cleopatra,
reunindo The Man-Machine, Radio-Activity
e Trans-Europe Express, trazendo um libreto,
um adesivo e um pôster e The Model: Best Of Kraftwerk.
A banda ainda realizou alguns shows nos anos
de 1997 e 1998, sendo três no primeiro no ano e 14 no segundo,
incluindo as duas primeiras apresentações em solo
brasileiro, nos dias 16 de outubro de 1998, no Museu de Arte Moderna,
no Rio de Janeiro, e no 17 de outubro, no Jockey Club de São
Paulo.
Visualmente,
a banda soava mais espetacular do que nunca, utlizando cada vez
mais recursos visuais e tornando seu espetáculo único.
Mas o grupo só voltaria a dar as caras
com um novo projeto em dezembro de 1999 e ainda assim feito por
encomenda: o EP Expo 2000. Seria o primeiro disco
de música inédita em 14 anos.
Expo
2000 era o nome de uma feira mundial que aconteceu em
Hannover, na Alemanha. Por um EP com quatro músicas, o
grupo recebeu um polpudo cheque de 400 mil marcos dos organizadores,
o que causou uma grande reclamação no país.
As primeiras 5 mil cópias traziam uma capa holográfica.
Além da questão financeira, alguns
criticaram o fato do Kraftwerk estar soando exatamente o mesmo
há 20 anos. Sobre isso, Ralf comentou: "Nós
criamos novos trabalhos, eles são como modelos mentais."
Expo
2000 não teve nenhum show para a divulgação,
mas apesar disso a banda realizou sete apresentações
no ano de 2002, entre os meses de setembro e dezembro pela Europa
- Bélgica, França, Luxemburgo e dois no Japão.
A curiosidade é que em um único dia - 26 de setembro
- a banda deu três shows - dois em Paris e um em Luxemburgo.
Durante essas apresentações, especulava-se
que o grupo iria lançar em breve um novo disco. Ralf confirmou
que existia, de fato, um projeto, mas se recusava a dizer qual:
"nós trabalhamos todos os dias e algo sairá
brevemente, mas ainda não posso dizer sobre o que será."
O
ano de 2003 começou com uma série de oito shows
entre os dias 17 de janeiro e 2 de fevereiro, na Nova Zelândia
e na Austrália. E no mesmo ano, o grupo surpreende lançando
Tour de France Soundtracks. Mais do que regravar
o antigo e clássico EP sobre a Volta da França,
o grupo fez novos temas. O disco faria parte das comemorações
do 100 anos da prova. Porém, o grupo acabou atrasando o
organograma e disponibilizaram apenas a última faixa do
trabalho para a prova.
Ralf relata mais uma vez que era grande amante
da prova e que todos os anos participa, ao menos, das etapas montanhosas.
Segundo ele, "se correr sem pressa, não exige um grande
esforço. Para o nosso álbum nós gravamos
o ruído de bicicletas e da respiração humana.
Esta sensação de "flutuação"
é conhecida como "estar correndo na bicicleta sem
a corrente", assim como um concerto com música tocando
de forma automática."
O
líder do Kraftwerk conta que o projeto foi adiado por décadas:
"em 1983 nós já tínhamos o conceito
para o álbum Tour de France. Ele só
acabou se tornando um single porque nós começamos
a trabalhar no álbum Technopop, que acabou
se tornando o Electric Café. Depois disso
nós digitalizamos todas as nossas gravações.
No último outono nós nos apresentamos no Cité
de la Musique em Paris com laptops pela primeira vez. Agora nós
temos mais mobilidade com nosso estúdio."
Ralf também explica que uma das grandes
diferenças foi o "emagrecimento" do estúdio
da banda, Kling Klang: "o Kling Klang costumava pesar várias
toneladas. Em 1998 nós viajamos com ele através
do mundo. Agora nós o reduzimos a uma plataforma digital.
Praticamente podemos carregar nosso estúdio como uma bagagem
de mão. E funciona muito bem em diferentes climas. Nós
nos apresentamos no Japão a baixas temperaturas e também
no calor da Austrália. Foi fantástico."
Sobre
o ritmo lento de produção do grupo, mais uma vez
ressaltou que trabalham totalmente sozinhos e criticou novamente
Wolfgang Flür, que acusou a banda de estar mais preocupado
com o ciclismo do que com a música: "ele era apenas
um dos percussionistas que nós empregamos para concertos
e gravações. Sua afirmação está
errada. Ele não pode julgar o ciclismo porque ele nunca
o praticou."
Após um ano do lançamento do disco,
a banda saiu novamente em excursão pelo mundo, fazendo
69 apresentações no ano de 2004, onde passaram,
mais uma vez pelo Brasil, em três shows no mês de
novembro: nos dias 5 e 6 tocaram no TIM Festival, em São
Paulo e no Rio de Janeiro e no dia 8, em Brasília.
Esses
concertos acabaram rendendo o novo disco do grupo, gravado ao
vivo: Minimum-Maximum. Um álbum duplo
que mostra, pela primeira vez, seus clássicos, ao vivo,
músicas que eram consumidas avidamente em centenas de discos
piratas.
O ritmo do grupo para esse ano segue sendo as
apresentações, e eles as têm agendadas até
setembro de 2005, encerrando uma excursão mundial, na Irlanda.
Os demais membros dos grupo lançaram discos
solos ou em outros projetos, sem conseguirem o impacto do Kraftwerk.
É impossível saber o que eles farão ou por
quanto tempo voltarão a ficar no Kling Klang até
saírem com algo novo. Deixo vocês com a discografia
do grupo. Um abraço e até a próxima coluna.
Discografia
Kraftwerk (1971)
Kraftwerk 2 (1972)
Ralf and Florian (1973)
Autobahn (1974)
Radio-Activity (1975)
Exceller 8 (1975)
Trans-Europe Express (1977)
The Man-Machine (1978)
Computer World (1981)
Tour de France (1983)
Electric Café (1986)
The Mix (1991)
The Capitol Years (1994)
The Model: Best Of Kraftwerk (1994)
Expo 2000 (1999)
Tour de France Soundtracks (2003)
Minimum-Maximum (2005)
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