Durante os anos 70, entre o progressivo
e o punk, a disco e o hard rock, surgiram na então Alemanha
Ocidental bandas que procuravam novas formas de expressar a
música. Tangerine Dream, Can e Kraftwerk eram as novas
caras da música alemã, que tinha perdido sua identidade
após a Segunda Guerra Mundial. O Kraft começou
com a dupla Florian Schneider e Ralf Hütter, na virada
da década de 60 para 70. Eles fizeram parte de um grupo
chamado Organisation, mas logo pularam fora. O resto é
história. Com discos brilhantes se firmaram como um papa
para a nova geração new wave e até para
quem já era descolado (David Bowie). O grupo está
na ativa até hoje, ainda que descansando. Nos últimos
tempos, mesmo hibernando em cds, fazem turnês concorridíssimas,
e estiveram até no Brasil, sempre a bordo do estúdio
portátil Kling Klang. Conheça um pouco da história
deste grupo que mexeu com muita gente.
Eu
me lembro de quando ouvi pela primeira vez o nome Kraftwerk. Estava
no colegial, no segundo ano e, como sempre, para um menino do
interior de São Paulo, só tinha a Bizz para ler,
já que conhecia pouca coisa de música. Eles tinham
acabado de lançar Electric Cafe e depois
de uma resenha do disco, comprei esse e os outros da banda. Eu
só sabia que eles tinham influenciado o pessoal da new
wave (ou pós-punk, como gostava de definir a crítica).
Até o Bowie, que eu não curtia muito ainda, era
fã de carteirinha. Tive que correr atrás. Meu segundo
vinil deles foi o Radio Activity e confesso que gostei
muito. Era bem diferente do Electric Café, mas muito
inovador.
O grupo foi formado no começo
de 1970. Em alemão Kraftwerk é Usina de Força.
Ralf e Florian convidaram então Klaus Dinger e Thomas Homann
para fechar a formação do grupo e lançaram
o primeiro disco, batizado apenas como Kraftwerk. O trabalho
foi gravado entre Julho e Agosto de 1970. Foi produzido pelo lendário
Connie Plank que trabalharia no futuro com Eurythmics e Ultravox.
O LP foi sucesso na Alemanha e eles fizeram vários shows
pelo País.
No ano seguinte lançaram
o disco Kraftwerk 2, ainda com a produção
de Plank. O grupo voltou a ser o duo original com o disco Ralf
and Florian de 73. Em 74, lançaram a primeira
obra-prima, Autobahn, em homenagem às auto-pistas
alemãs. A música-título tinha mais de 22
minutos. Uma edição menor da canção
penetrou nos Top 10 dos EUA e da Inglaterra. O grupo já
era uma febre. A banda começava a ganhar mais admiradores,
inclusive de quem tinha influenciado a banda a formar-se..
"Nós ouvíamos
Karlheinz Stockhausen, Tangerine Dream e Can. Também gostávamos
muito do Pet Sounds, dos Beach Boys. Achava genial aquelas
orquestrações de Brian Wilson", confessa Hütter.
Já
na década de 90 achei uma caixa de um selo californiano
especializado em gótico e eletrônico, chamado Cleopatra.
A gravadora lançou, em edição limitada, uma
caixa com três dos mais importantes discos da banda (Radio
Activity, Trans-Europe Express e The Man-Machine),
chamada The Capitol Years, em 1994. Infelizmente
essa edição já está fora de catálogo,
mas a capa você confere aqui. Não há nenhuma
música a mais, apenas um pôster, um livreto e um
colante da banda.
Todos os discos são
determinantes para o grupo e tudo que se fez nos anos 80 e 90
na música eletrônica. Dos três, meu favorito
segue sendo Trans-Europe Express, com a fantástica
"Hall of Mirrors" (que foi tema de um comercial de sapato
por aqui, chamado Starsax. Alguém se lembra disso?) e a
faixa-título, em que há uma homenagem a Iggy Pop
e David Bowie.
"Depois que me refugiei
em Berlim para fazer discos diferentes e me livrar do vício
da cocaína, comecei a ouvir direto os discos do grupo.
Confesso que muita coisa do que eu gravava na época era
influenciado por eles. Eu ouvia o Autobahn direto e fiquei
muito feliz com a inclusão de meu nome na canção-título.
Nós tínhamos uma afinidade. Pena que a minha gravadora
(RCA) não tenha dado a devida importância para os
meus álbuns Low', "Heroes" e Lodger.
Eu só estava fazendo aquilo que o Kraftwerk fazia desde
o início da década de 70. E os álbuns deles
eram melhores.", conta David Bowie.
Bowie não foi o único
influenciado. Já com as chama em baixa e recolhendo as
cinzas do movimento punk, muitos grupos como o Joy Division seguiam
à sua maneira a banda alemã. "O Ian (Curtis,
vocalista) adorava Kraft, Bowie, Iggy Pop e Lou Reed. Quando ouvi
pela primeira vez o Kraftwerk me bateu uma coisa esquisita. Aquilo
não fazia parte da nossa música, mas de alguma maneira
era uma grande referência na nossa formação.
Ouvíamos esse tipo de som direto. A influência ficou
mais visível quando montamos o New Order. Não há
um disco ruim, todos possuem um estilo diferente. São obras
fechadas, elas se auto-completam, não precisam de volume
1 ou 2. Os discos todos conceituais, com um começo, meio
e fim. São maravilhosos", define o baixista Peter
Hook.
Realmente há referências
do Kraftwerk na banda de Manchester. O Joy começou a flertar
com a eletrônica e os dois discos da banda são obras
fechadas, com capas difíceis de serem explicadas. Uma pena
que em vida o Joy tenha feito apenas dois discos.
Uma
das maiores curiosidades da banda é seu estúdio
portátil Kling Klang, onde gravam os discos e o levam para
os palcos das turnês. Quando vieram ao Brasil, em outubro
de 1998, quase levaram os engenheiros eletrônicos à
loucura com a complexidade de montar o estúdio no Festival
Free Jazz. A banda também ficou tensa, pois odeia que seus
equipamentos sejam tocados por outras mãos que não
as suas.
"Não há
coisa pior do que ter seu material violado. É assim que
me sinto quando vejo pessoas desconhecidas ou até mesmo
fãs querendo tocar no Kling Klang. Nosso estúdio
é um local sagrado de trabalho. Por causa de sua complexidade
é que damos poucos shows. Eu fico extremamente irritado
quando alguém mexe em algum computador", revela Florian.
A banda possui outros trabalhos
interessantes como o single de Tour de France, que foi
finalmente editado em CD em 99 e teve uma reedição
comemorativa em 2003. A prova ciclística mais famosa do
mundo sempre despertou curiosidade no grupo. De bônus, há
um filme com alguns momentos do evento.
O último disco do
Kraftwerk foi um single chamado Expo 2000, feito para a
feira de Frankfurt, que agitou os mais fanáticos.
A banda possui muitas particulariedades.
Certa vez, mandaram para o presidente da gravadora uma cópia
do que seria o disco Computer World, em 1981.
Como chegou lacrada, ele chamou todos os executivos do selo para
que ouvissem o novo trabalho. Quando foi aberta havia apenas havia
um pequeno bilhete escrito "desculpem, mas música
só daqui a seis meses". Só não foram
demitidos porque eram grandes vendedores e possuíam grandes
fãs entre os diretores.
Holger Czukay, do Can, afirmou:
"Nós ficamos sem referência de cena musical
na Alemanha após a Segunda Guerra Mundial. Não havia
mais o que ouvir e então começaram a pipocar bandas
como nós, o Tangerine, o Neu, e o Kraft. Eles conseguiram
entender bem o desenvolvimento do país e puseram com muita
competência os novos sons, com que os jovens puderam se
identificar. O fato de cantarem em inglês facilitou muito
a entrada no mercado mundial. Florian e Ralf são fechados,
tímidos, mas de um grande caráter. Eles contribuíram
muito para que a nova cultura da Alemanha fosse bem vista no mundo
todo."
Quase todos, ou todos os
discos da banda saíram no Brasil e merecem ser procurados.
Se você quer entender de onde tanta gente legal buscou o
som, que até rappers samplearam, ouça algo do Kraft.
Um abraço a todos e até a próxima coluna.
Discografia
Kraftwerk 1 (1971)
Kraftwerk 2 (1972)
Ralf and Florian (1973)
Autobahn (1974)
Radio-Activity (1975)
Exceller 8 (1975)
Trans-Europe Express (1977)
The Man-Machine (1978)
Computer World (1981)
Tour de France (1983)
Electric Café (1986)
The Mix (1991)
The Capitol Years (1994)
The Model: Best Of Kraftwerk (1994)
Expo 2000 (1999)
Tour de France Soundtracks (2003)
Minimum-Maximum (2005)
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