Todos se lembram
de The Lamb Lies Down on Broadway por ser o último trabalho
de Peter Gabriel como cantor do Genesis. Alguns, por isso, consideram
o melhor. Na verdade, esse disco duplo lançado originalmente
em 1974 não é o meu favorito; gosto mais do anterior
Selling England by the Pound. Mas é inegável que
a banda conseguiu grandes momentos, ao contar a história
de um garoto porta-riquenho chamado Rael, que é engolido
por uma dimensão alternativa e precisa resgatar seu irmão
John. Apesar das letras peculiares de Peter Gabriel, estrela também
dos 102 shows feitos para promover o disco, os maiores responsáveis
pelos arranjos foram o baixista Michael Rutherford e o tecladista
Anthony Banks. Esse detalhe, pouco lembrado por fãs, é
um dos maiores motivos para a mágoa dos dois até
hoje. E depois de Peter, o Genesis seria um outro Genesis. Mas
por hora, fiquemos com a história desse histórico
disco...
O
ano de 1974 foi um divisor de águas na carreira do Genesis.
Respeitado por fãs
e crítica, o Genesis não era, no entanto, um grande
vendedor de discos como o Pink Floyd ou Yes.
Na verdade, a banda tinha
uma certa reputação cult entre os fãs
do rock progressivo, dividindo esse status com King Crimson, Gentle
Giant, Soft Machine, entre outros.
O grupo tinha desenvolvido
uma presença teatral muito forte no palco, especialmente
Peter Gabriel, que se travestia com roupas e máscaras,
incorporandos personagens e servindo mais como um narrador do
que como cantor.
Os
demais integrantes muitas vezes ficavam quase escondidos no palco,
embaixo das luzes. Peter era o frotman na mais pura tradução
do termo.
Peter Gabriel conta que
a idéia nasceu em cima de um garoto: "Apresentei várias
idéias para a banda para que fizéssemos uma espécie
de exercício democrático, embora eu tivesse certeza
que eu venceria ou, ao menos, achava que teria que vencer. A idéia
básica era contar a história de um garoto, o que
agradou Michael. Eu pretendia fazer uma grande história
e comecei a falar indiretamente de experiências pessoais,
ainda que muitas partes sejam indecifráveis, o que dificultou
o sucesso do disco. Rael, o personagem, seria um menino de jaqueta
de couro e jeans, uma espécie de pré-punk, mas sem
aquela conotação da geração de 1976.
Não havia ainda os Ramones, por exemplo; New York Dolls
sim, mas eles eram completamente desconhecidos."
Rael, um pequeno marginalzinho
porto-riquenho que vivia em West Side, e que é sugado para
outra dimensão, descobre que precisa salvar seu irmão,
John. No meio de tudo isso, uma criação imensa e
um trabalho, titânico.
"Nós estávamos
vivendo todos juntos numa casa, em Headley Grange", recorda
Phil Collins - "uma casa onde Led Zeppelin, Bad Company e
Pretty Things já haviam morado. Começamos a trabalhar
em conjunto para o disco e Peter disse que desejava escrever todas
as letras, por isso, Mike e Tony ficavam atrás dele enquanto
criávamos as melodias. Sempre que sentávamos para
tocar, surgia algo maravilhoso."
Os
atritos começaram quando Peter recebeu um telefonema do
diretor William Friedkin, responsável pelo filme O
Exorcista. Friedkin tinha adorado a história que
Peter havia escrito na contra-capa do discos Genesis Live e procurava
alguém para escrever um roteiro de ficção
científica, mas que não fosse do ramo. Resolveu
então convidar Peter, que aceitou o convite.
Peter perguntou se a banda
se incomodava em parar por algum tempo a confecção
do disco enquanto ele escrevia o roteiro e a banda disse que sim,
que não desejavam parar por nada. "Bem, eu quero fazer
o filme, então deixarei o Genesis".
A
primeira reação da banda foi "ok, temos bastante
material instrumental, vá em frente", mas logo viram
que era uma loucura.
"Eu sempre gostei
de trabalhar com Peter e senti que o grupo precisava de toda a
energia que tivesse para terminar o projeto. Mas Peter continuava
dizendo que se a oferta fosse realmente séria ele deixaria
o grupo, o que considerei um absurdo. E ele realmente saiu um
tempo para escrever o roteiro, mas não deu muito certo
e ele acabou voltando e se comprometeu que acabaria o disco antes
de fazer qualquer outra coisa. Porém, aquilo foi um sinal
de que ele estava ficando cheio daquela vida."
Peter se sentiu muito contrariado
e resolveu voltar para Bath até porque sua esposa estava
grávida e deixou a parte de composição das
melodias com o restante da banda. Ele já havia tido um
pequeno atrito com Rutherford que queria fazer o disco em cima
do livro O Pequeno Príncipe, o que não
aconteceu. "Quanto mais você pressiona Peter, mais
ele fica no canto. Nós o puxávamos para o grupo,
ele ficava vago até que ele foi para Bath e nós
ficamos com todo o trabalho. Sabíamos que não iríamos
durar muito tempo", conta o baixista.
O convite do cineasta causou
uma briga da banda com a gravadora Charisma e pouco-a-pouco o
projeto do filme foi ficando mais difícil e Peter aceitou
retornar ao trabalho após um telefonema de Michael. O vocalista
disse que não queria ser pressionado e Michael pediu apenas
para que ele adiasse por uns tempos seus projetos pessoais para
se dedicar ao novo disco. Acordo fechado. Phil Collins acha que
Peter voltou também porque Friedkin ficou muito assustado
ao saber que poderia estar rachando o grupo e pediu desculpas
pelo ocorrido.
Com
o vocalista de volta, todo o conceito começou a ser montado.
O disco possui uma longa história introdutória contada
por um narrador. Rael faria uma viagem ao seu subconsciente e
se confrontaria com a morte - caso de "The Supernatural Anaesthetist";
com o amor - "The Lamia" - e Peter povoaria tudo com
seu grande conhecimento de mitologia.
Mas as gravações
foram tensas e os músicos se revezavam em turnos no estúdio.
Phil Collins trabalhava de madrugada no Island Studios, em Notting
Hill, enquanto o restante trabalhava pela manhã. Para piorar,
Gabriel ficava revisando as letras várias vezes, atrasando
ainda mais o projeto. Quando resolveu gravar seus vocais, os demais
foram expulsos do local. A tensão era tão gigantesca
que o guitarrista Steve Hackett acabou machucando um tendão
e um nervo do seu dedão ao se cortar com um copo de vinho,
o que adiou em três semanas a excursão britânica,
sendo jogada para depois da parte norte-americana. O disco ainda
teve a colaboração de Brian Eno, que fez algumas
ambientações.
O
disco foi lançado em Novembro de 1974 e no mês seguinte
iniciava-se a turnê pelos Estados Unidos.
Peter adotou o personagem
Rael, usando em boa parte uma jaqueta de couro e calça
jeans, o que era diferente para quem costumava usar máscaras
e mais máscaras nos shows em anos anteriores.
No entretanto, ele logo
começou a usar criações assustadores no palco
e o show logo deixaria os demais integrantes irritados, pois Peter
Gabriel parecia ser a grande estrela e não o Genesis. Claramente
os demais membros ficavam escondidos ou em segundo plano.
Em
"The Colony of Slippermen", Peter usava uma fantasia
de um bulbo monstruoso, com órgãos genitais inflados.
Jill, a esposa do cantor,
conta que era a primeira vez que Peter expunha de maneira explícita
sua sexualidade em palco: "ele estava extremamente irritado
e isso fez daqueles shows tão inesquecíveis. Ele
se expôs de uma maneira inédita ao público
de uma maneira que não fazia na nossa intimidade. Eu me
sentia totalmente excitada vendo-o na platéia, mas ele
só conseguia ser assim no palco, e isso me frustrava."
The Lamb Lies Down
on Broadway não foi um sucesso comercial, na verdade
foi um tremendo fiasco. Alcançou apenas a 41ª posição
na parada norte-americana, apesar de ser disco de ouro no Reino
Unido em fevereiro de 1975, onde chegou ao 10º posto na parada,
apesar de ter deixado talvez o maior clássico do grupo
até hoje, "Carpet Crawlers". Para se ter uma
idéia o disco demorou 16 anos para conquistar o almejado
Disco de Ouro, na América, ou seja, 500 mil cópias.
Quando a banda começou
a turnê pelo Reino Unido, Gabriel já tinha resolvido
deixar o Genesis, mas só anunciou o fato em agosto do mesmo
ano, causando choque entre os fãs, embora seus companheiros
soubessem que isso ocorreria logo.
O cantor mostrava todo
seu abatimento ao sair chorando dos palcos a cada apresentação,
misto de tristeza por deixar o Genesis e pelas letras. Sem ele,
a história do grupo seria outro e Gabriel partiria em carreira-solo
fazendo discos excepcionais e, em boa parte, sombrios.
Em
1998 foi lançado a caixa Genesis Archive # 1 1967-75,
que mostra a turnê do disco. São quatro cds que traz
o show, além de raridades dos oito primeiros anos. As faixas
são:
DISC ONE
The Lamb Lies Down on
Broadway Live,
recorded 24.1.75 at the Shrine Auditorium, Los Angeles
1."The Lamb Lies Down on Broadway" (6:29)
2."Fly on a Windshield" (4:38)
3."Broadway Melody of 1974" [instrumental] (:34)
4."Cuckoo Cocoon" (2:17)
5."In the Cage" (7:56)
6."The Grand Parade of Lifeless Packaging" (4:25)
7."Back in N.Y.C." (6:18)
8."Hairless Heart" [instrumental] (2:21)
9."Counting Out Time" (3:59)
10."Carpet Crawlers" (5:45)
11."The Chamber of 32 Doors" (5:51)
DISC TWO
The Lamb Live pt. 2
1."Lilywhite Lilith" (3:04)
2."The Waiting Room" [instrumental] (6:15)
3."Anyway" (3:28)
4."Here Comes the Supernatural Anaesthetist" (3:57)
5."The Lamia" (7:12)
6."Silent Sorrow in Empty Boats" [instrumental] (3:14)
7."The Colony of Slippermen (Arrival, A Visit to the Doktor,
Raven)" (8:46)
8."Ravine"[instrumental] (1:38)
9."The Light Dies Down on Broadway" (3:37)
10."Riding the Scree" (4:29)
11."In the Rapids" (2:25)
12."It" [studio track] (4:19)
DISC THREE
1."Dancing with the
Moonlit Knight"--live at the Rainbow 1973 (7:05)
2."Firth of Fifth"--live at the Rainbow 1973 (8:29)
3."More Fool Me"--live at the Rainbow 1973 (4:01)
4."Supper's Ready"--live at the Rainbow 1973 (26:30)
5."I Know What I Like"--live at the Rainbow 1973 (5:36)
6."Stagnation"--BBC live recording 1971 (8:53)
7."Twilight Alehouse" (7:48)
8."Happy the Man" (2:54)
9."Watcher of the Skies"-remix of 1972 single (3:42)
DISC FOUR
1."In the Wilderness" [rough mix w/o strings 1968] (2:59)
2."Shepherd" [BBC Nightride 1970] (4:00)
3."Pacidy" [BBC Nightride 1970] (5:41)
4."Let Us Now Make Love" [BBC Nightride 1970] (6:13)
5."Going Out to Get You" [demo 1969] (4:53)
6."Dusk" [demo 1969] (6:13)
7."Build Me a Mountain" [rough mix 1968] (4:12)
8."Image Blown Out" [rough mix 1968] (2:11)
9."One Day" [rough mix 1968] (3:08)
10."Where the Sour Turns to Sweet" [demo 1968] (3:14)
11."In the Beginning" [demo 1968] (3:31)
12."The Magic of Time" [demo 1968] (2:01)
13."Hey!" [demo 1968] (2:27)
14."Hidden in the World of Dawn" [demo 1968] (3:10)
15."Sea Bee" [demo 1968] (3:04)
16."The Mystery of the Flannan Isle Lighthouse" [demo
1968] (2:35)
17."Hair on the Arms and Legs" [demo 1968] (2:41)
18."She is Beautiful" [demo 1968], later "The Serpent"
(3:46)
19."Try a Little Sadness" [demo 1968] (3:20)
20."Patricia" [demo 1968], later "In Hiding"
[instrumental] (3:05)
Deixo vocês com a discografia do
grupo. Um abraço e até a próxima coluna.
Discografia
From Genesis To Revelation
(1969)
Trespass (1970)
Nursery Cryme (1971)
Foxtrot (1972)
Genesis Live (1973)
Selling England by the Pound (1973)
The Lamb Lies Down on Broadway (1974)
A Trick of the Tail (1976)
Wind and Wuthering (1977)
Seconds Out (1977)
…And Then There Were Three (1978)
Duke (1980)
Abacab (1981)
Three Sides Live (1982)
Genesis (1983)
Invisible Touch (1986)
We Can’t Dance (1991)
The Way We Walk (1993)
Calling All Stations (1997)
Genesis Archive # 1 1967-75 (caixa de 4 cds) (1998)
Turn it on Again (1999)
Genesis Archive #2 1976-1992 (caixa com 3 cds) (2000)
Platinum Collection (2004)
Turn It On Again: The Hits - The Tour Edition (2007)
Genesis 1976-1982 (2007)
Genesis 1983-1998 (2007)
Genesis 1970-1975 (2008)
Genesis Live 1973-2007 (2009)
DVDs
Genesis Songbook (2001)
The Way We Walk Live In Concert (2001)
Invisible Touch Live At Wembley Stadium (2003)
Video Show DVD (2004)
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