41 - Rodrigo Laríú

Em um mundo onde a palavra "globalização" virou ordem e serviu apenas para proliferar o que já era ruim e transformou o lixo em quase tudo, ser independente não é apenas um ato de valentia e integridade. É quase uma insanidade.

Quando o napster, na virada do século passado, começou a ruir a relação entre músicos, gravadoras e consumidores, muitos viram na internet como a salvação da lavoura para os independentes. Finalmente, o dinheiro seria dividido e espalhado de maneira mais democrática e não seria mais necessário ter um grande selo para ajudar na divulgação.

Não foi bem assim. Aliás, não foi nada assim.

"A internet une as pessoas, mas não necessariamente cria laços entre artista e público. Quando você tem 'toda a música do mundo ao seu dispor, você não tem nada", explica Rodrigo Lariú, um dos insanos deste meio todo e que há mais de 25 anos mantém um selo independente, onde não há uma única maneira de se trabalhar. Cada banda e artista tem uma relação diferente com a midsummer madness. E todos parecem felizes com os resultados.

Esse niteroiense é um dos muitos abnegados que luta contra a maré para divulgar músicos que fogem do padrão globalizado da música: nada de funks vergonhosos, popozudas, clones de Justin Bieber ou Kate Perry. O cast da midsummer é formado por artistas que, muitas vezes, precisam de outra atividade profissional para sobreviver e pagar as contas. Gente que se reúne nos finais de semana, gravam suas demos, alugam estúdios, rateiam custos, produtores e pedem ajudam aos amigos para lançarem seus discos e divulgarem suas obras.

Músicos que venderão 500 ou 1000 cópias depois de meses, que jamais terão jabás ou grandes casas para se apresentarem. Os cachês serão mínimos, a estrutura de palco deficitária, mas tudo isso é compensando com muita raça, talento e vontade de oferecer um algo a mais para uma platéia que se recusa a ser anestesiada pela "globalização".

Pessoas como Lariú são cada vez mais necessárias. São poucas, mas essenciais para que a música (e arte, no geral) não seja dragada por executivos interessados apenas em encherem os bolsos oferecendo mais do mesmo.

Eis a entrevista.


Mofo: - Rodrigo, fale um pouco do começo da midsummer madness. Tudo começou com um fanzine, é isso?
Rodrigo Lariú: -
Isso, em 1988, 89, eu morava em Niterói e tinha 15 anos mais ou menos. Nessa época eu já ouvia umas bandas "legais", muito por culpa de uma amiga minha e da minha irmã, a Beatriz Lamego, que fazia aulas de inglês com a gente.

Além disso, em Niterói nessa época, a Fluminense FM era a famosa Maldita, e tocava The Smiths, Cure, Jesus & Mary Chain e estas outras bandas "legais" que eu citei. Na época, também, tinha um programa de surf na tv, o Realce, que tocava isso. Então, eu pegava onda, estudava (devia estar prestes a fazer vestibular) e ouvia bandas legais.

Um dia a Beatriz me apresentou uns fanzines. Ela disse que era tipo um "jornalzinho" que falava das bandas que a gente gostava. Era muito difícil ler a respeito destas bandas na imprensa especializada da época, então eu adorei aquilo. Além disso, a minha mãe, que havia falecido alguns anos antes, sempre me estimulara a fazer coisas assim, algo tipo imprensa livre (ela era professora de história e entusiasta da publicação alternativa). Dai, nas férias de junho de 1989 eu decidi começar a fazer um zine, para falar das bandas que eu estava ouvindo. Foi algo mais ou menos planejado, mas naquela época eu não imaginava que fosse durar tanto assim.

Dai pra frente, o zine sempre falou de bandas nacionais, lançamos fitas junto com algumas edições do zine e coisa caminhou para o que era um formato de gravadora. E aqui estamos, há 26 anos.

Mofo: - Queria que explicasse um pouco do seu trabalho com o selo. Como você contrata as bandas, qual o tempo de contrato, quem detêm os direitos, quantas cópias são lançadas, quantos títulos já lançou...
Rodrigo Lariú:
- Não tem essa formalidade, e na verdade nunca teve. Mesmo no formato antigo de gravadora paternalista, detentora dos meios e dos direitos, nunca foi assim. Sempre foi uma parceria entre o midsummer madness e as bandas, cada um se ajudando do jeito que pode. Em alguns momentos a coisa precisou ser mais formal e fizemos assim, com contrato etc. Mas os direitos autorais sempre foram das bandas porque a gente nunca colocou nenhum artista em estúdio para gravar, nunca bancamos a master.

O modo como cada título foi e é lançado varia muito: já teve época de bancar 1000 cópias, outras épocas de apenas 500. Já teve o caso das bandas bancarem tudo e o midsummer madness ajudar em outros setores; e já teve até formato do midsummer madness conseguir um apoiador para bancar a prensagem dos discos. Mas a média sempre foram 1000 cópias. Hoje em dia continua assim, mas lançamos cópias físicas com menor constância, focamos mais no digital, que é o formato mais apropriado para bandas novas. Hoje são quase 40 títulos no catálogo de álbuns e quase 140 no catálogo de EPs, fora algumas dezenas de singles (músicas isoladas).

Mofo: - Você deve ter visto muitas mudanças na cena independente nacional e internacional. Entre todas elas, o que considera mais importante? Seria a internet?
Rodrigo Lariú: -
Sim, com certeza a internet. Mas, o tempo ainda vai nos dizer se essa mudança foi boa ou ruim. Vou tentar me explicar resumidamente. O formato antigo de gravadora nunca foi muito democrático com os artistas. As gravadoras que conhecemos por quase um século começaram a morrer na década de 2000. Então durante muito tempo elas eram as detentoras do processo de lançamento de artistas, eram as gravadoras que decidiam "quem merecia uma chance". Resumindo, era muito difícil o artista encarar todo processo industrial de produção de um disco sem o apoio de uma gravadora. Com a internet isso começou a mudar porque, basicamente, a internet tornou obsoleto o suporte de distribuição da música, que era o disco em seus variados formatos (cassete, vinil, CD, DVD).

Só que a internet sozinha ainda não se mostrou capaz de dar conta desta democracia ideal onde todos os artistas têm atenção para sua música. Hoje, sem a figura gatekeeper da gravadora, qualquer artista acha que, só porque conseguiu gravar e disponibilizar sua música, que está tudo bem. Não está. A internet une as pessoas, mas não necessariamente cria laços entre artista e público. Quando você tem "toda a música do mundo" ao seu dispor, você não tem nada. Como você escolhe o que vai ouvir no meio de milhões de opções? A internet te dá acesso, mas não te dá o algo mais que sempre foi necessário nesta relação entre você e seu artista favorito.

Hoje em dia, o artista tem que pensar em como voltar a se relacionar na vida real com seu público. Números de visualizações e de "curtidas" não se traduzem sempre em gente na plateia e venda de discos. Então, como sobreviver neste deserto de milhões de "concorrentes"? Esta é a questão.

Mas, sim, a internet foi a maior mudança. Só não queria dar a resposta fácil porque não acho que tudo esteja resolvido agora.

Mofo: - Como funciona o esquema de distribuição, divulgação e shows? É feito mais pela internet ou ainda tem muito boca-a-boca de fãs, músicos?
Rodrigo Lariú: -
Isso tem a ver exatamente com o que eu estava respondendo antes. Eu acredito que o midsummer madness hoje ajuda muita banda nova a se divulgar e distribuir. O selo do midsummer madness é de verdade um "selo" de qualidade para as bandas. Quem gosta das bandas "antigas" do midsummer madness fica mais propenso a ouvir as novas. Ou quem não gosta, prefere nem ouvir rsrsrs. Nesse sentido, nós ajudamos como podemos, sempre caso a caso, não existe um modelo padrão para todas as bandas, cada uma é um caso. A internet ajuda bastante nisso, mas cada vez mais o corpo-a-corpo está se mostrando mais necessário. Por isso lançamos vinis e cassetes de novo.

Mofo: - A midsummer e a Monstro Discos são dois dos selos mais importantes no país para bandas novas? Há uma parceira entre vocês? E há algum relacionamento com selos mais antigos, tipo Baratos Afins?
Rodrigo Lariú: -
Não há uma parceria exatamente. Já houve antes. No começo dos anos 2000, Monstro, midsummer madness e Bizarre se uniram para negociar melhor algumas oportunidades que surgiam na época. Com a Monstro, nós também nos relacionamos na época da ABRAFIN e dos festivais. Mas nunca passou muito disso. O que existe é um profundo respeito pela Monstro, pela Baratos Afins e por dezenas de outros selos independentes brasileiros. (Em breve, poderei dar mais informações sobre este respeito transformado em homenagem).

Mofo: - Sendo um especialista em música independente poderia citar seus discos nacionais e internacionais preferidos no estilo?
Rodrigo Lariú: -
É uma resposta muito difícil. E muda de tempos em tempos. Sempre gostei muito das coisas da Creation, da Sub Pop (hoje em dia confesso que não curto muito as bandas que eles lançam), e da Motown dos anos 60. Mas hoje em dia voltei a acompanhar o trabalho de alguns selos que admiro muito, como a Sarah Records (que não existe mais mas está lançando um documentário a respeito de sua própria história), a K Records (do Calvin Johnson, do Beat Happening, ainda na ativa) e de algumas pequenas gravadoras europeias como a Elefant, Slumberland, Heavenly e Polivinyl.

No cenário nacional, admiro o trabalho de muitas, principalmente das mais antigas ainda em atividade, como a Baratos Afins e a Cogumelo, mesmo sem gostar das bandas que eles lançam.

Mofo: - Os Gilbertos está lançado apenas em mp3 e em fita cassete seu novo trabalho. Esse formato é extremamente raro hoje em dia. Como nasceu a ideia? Financeiramente é interessante, já que as fitas foram produzidas no Canadá? Até que ponto o detalhe artístico e ideológico supera o lado comercial?
Rodrigo Lariú: -
A fita cassete foi um manifesto. O Thomas Pappon (The Gilbertos) não gostou muito da ideia, mas ficou super feliz quando recebeu as fitinhas. Todos que compraram a fita ficaram exultantes e felizes. E a gente fica realizado com isso: quando alguém me escreve de volta dizendo que adorou a fitinha, eu sinto como se o trabalho estivesse sendo bem feito.

Resolvemos lançar em fita para ter um marco, algo do mundo real para marcar o lançamento do disco. Quando fica só no digital, só nos bits, a coisa pode ser perder muito rapidamente. Mas ao mesmo tempo, CD não é mais viável: as pessoas reclamam que o disco não foi lançado neste formato, mas na verdade estas mesmas pessoas não compram mais CDs. E vinil infelizmente é muito caro para uma banda como o The Gilbertos, que não está constantemente na estrada. Então, a fita cassete foi como um manifesto. Seria quase o mesmo que lançar um obelisco pelo disco.

Mofo: - O midsummer virou uma referência nacional. Thomas Pappon me disse que você é uma das pessoas mais legais desse meio que ele conhece. Como é seu dia-a-dia? Tem outro emprego ou vive focado apenas no selo?
Rodrigo Lariú: -
Fico feliz pelo elogio do Thomas. Eu também ficava angustiado quando percebia que ele estava triste por não ter o "álbum" na mão. E a fita demorou 4 meses para chegar da fábrica, por culpa dos correios e da Receita Federal. A angústia só aumentava, eu querendo provar meu ponto de vista ao Thomas e a fita não chegava... Ele já havia voltado para Londres quando fita chegou... mandei por correios (é uma das fitas mais viajadas da face da Terra - Canadá, Bélgica, Brasil e depois Londres). E quando ele respondeu feliz, fiquei aliviado.

Tudo isso trabalhando em outro lugar. Sou gerente de produção e programação na PlayTV e faço meus free-lancers como diretor e produtor de TV. É isso que paga minhas contas. Mas devo tudo ao midsummmer madness, pois através dele consigo trabalhar com música, e com a história da música, que é o que eu gosto.

Mofo: - Agradeço a entrevista. Deixe uma mensagem àqueles que ainda sonham em lançar seu disco e diga como podem te contatar.
Rodrigo Lariú: -
Obrigado pela espaço e pelo apoio. Não sei o que seria do midsummer madness sem pessoas quem pensam como a gente, como você, que preferem divulgar iniciativas como a do midsummer madness. Aos interessados, basta acessar o http://mmrecords.com.br

Muito obrigado.

PS: Se o texto introdutório pareceu longo e pretensioso me desculpem. Mas é que passados tantos anos lutando, na mesma trincheira, me pareceu apropriado esse desabafo. E fica a eterna pergunta se nossa luta valeu para alguma coisa.

A resposta, claro, é sim, valeu e muito. Mas, seria legal também se pudéssemos viver apenas disso para pagar nossas contas.