364 - John Lennon - John Lennon/Plastic Ono Band

O dia 8 de dezembro de 1980 é uma das datas mais importantes do Século XX. Neste dia, um animal cujo nome não merece ser escrito, assassinou um dos mais importantes homens da humanidade, uma das pessoas mais corajosas já nascidas e que deu ao mundo toda sua paixão e expôs toda sua dor em versos corajosos e despojados: John Winston Lennon. Sim, um dos Fab Four, co-líder dos Beatles, banda tão grande que virou sinônimo de perfeição, sucesso e o que mais você possa imaginar. Em sua maravilhosa carreira-solo, Lennon mostrou que poderia ser tão bom como era em sua antiga banda e seu primeiro disco-solo é uma prova cabal disso.


Apesar de ter lançado alguns álbuns experimentais antes, ao lado da esposa Yoko Ono, John Lennon/Plastic Ono Band é, de fato, a estréia solo de John. E uma das mais fortes já ouvidas.

A vida dentro dos Beatles havia se tornado um inferno para o tímido John Lennon.

A idolatria dos fãs, a constante vigília que faziam na porta de sua casa, as intermináveis brigas com os demais integrantes da banda, a desconfiança - e até o preconceito - que tinham em relação à Yoko Ono, tudo fazia com que John se sentisse a cada dia mais tenso, insatisfeito e louco para deixar aquela vida.

Sua relação com a artista plástica Yoko Ono, dona de seu legado, sempre foi difícil de ser engolida por companheiros, amigos e fãs.

Mas - verdade seja dita - foi nela que John encontrou sua cara metade e quem o ajudou a expressar toda sua dor e revolta e a paixão.

Lennon não suportava mais a fama. Em uma famosa entrevista para a revista Rolling Stone, em 1970, feita por Jann Wenner, desceu a boca na vida insana que levava com os Beatles: "oh, as humilhações que eu sofria por ser um beatle. Às vezes, éramos acordados no meio da noite em nossa primeira excursão americana porque algum filho gorducho ou uma filha feia de algum prefeito queria nos conhecer. Eu ficava louco, mas Brian (Epstein, antigo empresário) nos obrigava a recebê-los."

John contava em detalhes toda a vida sórdida do grupo e dizia que a banda era "uma Roma portátil, cheia de sexo, drogas e dinheiro. Tudo o que desejássemos, tínhamos. Se não conseguíssemos groupies, transávamos com prostitutas."

Em um dos momentos mais tensos, John relata que não permitiria mais esse caos em sua vida: "Eles nunca mais me pegarão!"

Em 1968, o casal resolve lançar um disco extremamente radical, de avant-garde e com uma das capas mais bizarras (e feias) da história: Unfinished Music No.1: Two Virgins trazia simplesmente John e Yoko em nu frontal.

Gravado em sua mansão, em Kenwood, o disco trazia uma sucessão de loops, ruídos, distorções, com John tocando piano, bateria e conversas com Yoko.

O título fazia uma referência a "dois inocentes perdidos num mundo louco" e trazia as seguintes faixas:

Lado 1

1. "Two Virgins Side One": – 14:14
"Two Virgins No. 1"
"Together" (De Silva Brown-Henderson)
"Two Virgins No. 2"
"Two Virgins No. 3"
"Two Virgins No. 4"
"Two Virgins No. 5"

Lado 2

1. "Two Virgins Side Two": – 15:13
"Two Virgins No. 6"
"Hushabye Hushabye" (composer unknown)
"Two Virgins No. 7"
"Two Virgins No. 8"
"Two Virgins No. 9"
"Two Virgins No. 10"

O disco chocou fãs e críticos ficando apenas na 124ª posição, nos EUA.

John e Yoko não se importaram muito e, no ano seguinte, editam Unfinished Music No.2: Life with the Lions, que teve um resultado pior ainda, ficando na 174ª posição.

Unfinished Music No.2 trazia uma faixa assustadora: "Baby's Heartbeat".

Nela, se ouvia os batimentos cardíacos de John Ono Lennon II, filho do casal, que Yoko perdeu em um aborto e que seria a primeira criança do casal, antes de Sean.

O LP trazia as seguintes faixas:

Lado 1

1. "Cambridge 1969" – 26:29

Lado 2

1. "No Bed For Beatle John" – 4:41
2. "Baby's Heartbeat" – 5:10
3. "Two Minutes Silence" – 2:00
4. "Radio Play" – 12:35

Ainda em 1969, é lançado Wedding Album, o último da trilogia dos discos experimentais do casal e que ocupou apenas a 178ª posição na parada.

Wedding Album é um disco igualmente difícil. Com apenas duas longas faixas, trazia Yoko e John chamando seus nomes enquanto se ouve a batidas dos corações do casal.

"Amsterdam" é uma coletânea de entrevistas e sons durante a famosa entrevista que o casal deu em uma cama de casal, após selarem o casamento no dia 20 de março de 1969.

O disco trazia as seguintes faixas:

Lado 1

1. "John & Yoko" – 22:41

Lado 2

1. "Amsterdam" – 24:54

Mas, antes de Wedding Album, é preciso retroceder mais detalhadamente no ano de 1969.

Nesse ano, Lennon lançou um dos compactos mais importantes dos anos 60: Give Peace a Chance, editado em julho daquele ano.

Embora seja escrita por John, é creditada, ainda, a Lennon & McCartney.

Lennon havia dito a frase "All we are saying is give peace a chance", espontaneamente, durante as duas semanas em que John e Yoko ficaram em uma cama, dando entrevistas e protestando contra a Guerra do Vietnã, durante a lua de mel do casal, no Amsterdam Hilton Hotel, evento conhecido como Bed-In for Peace.

O casal convidou a imprensa do mundo para conversar com eles, das 9 da manhã até às 9 da noite.

O segundo Bed-In for Peace aconteceria em Nova York, mas John foi proibido de entrar no país, por ser a favor do uso da maconha. Assim, o segundo evento aconteceu em Montreal, Canadá, perto da fronteira com os Estados Unidos.

Após cantá-la várias vezes, John resolveu gravá-la no dia 1º de junho, no quarto 1742, que ocupava no The Queen Elizabeth Hotel, usando quatro microfones e um gravador Ampex, de quatro canais, alugado da RCA. O single foi creditado à Plastic Ono Band.

As gravações atraíram dezenas de jornalistas e celebridades da contra-cultura, casos de Timothy Leary e Allen Ginsberg.

Além de cantar, Lennon tocou guitarra acústica, ao lado de Tommy Smothers, dos Smothers Brothers.

"Give Peace a Chance" rapidamente se tornaria símbolo da luta contra a guerra - e dos movimentos pacifistas - e cerca de 500 mil pessoas a cantaram em frente à Casa Branca no Vietnam Moratorium Day, no dia 15 de outubro.

1969 seguia um ano atribulado para Lennon. Em setembro comunica aos demais membros dos Beatles, que estava deixando a banda, mas concorda em adiar o anúncio, já que estava sendo editado um novo LP do grupo e isso poderia atrapalhar as vendagens.

Por isso, dá para imaginar a raiva que sentiu ao ver Paul McCartney, oito meses depois, anunciar o fim dos Beatles, levando todo o crédito: "eu deveria ter feito o anúncio na época, mas aceitei o pedido de todos. E aí vem Paul e diz que ele está terminando os Beatles. Ah, como fui tolo!"

No mesmo ano, lança o segundo compacto-solo, Cold Turkey, editado em 24 de outubro de 1969.

O título é uma gíria dada ao estado de abstinência de quem é viciado em heroína e tenta largar a droga de uma maneira definitiva.

As dores físicas e emocionais são descritas por John na letra que termina a canção berrando, descrevendo um pouco o sofrimento que sentiu para ficar desintoxicado da substância. Veja trechos da letra...

"A temperatura está subindo / A febre é alta / Não posso ver o futuro / Não posso ver o céu / Meus pés estão tão / pesados / Minha cabeça também / Eu queria ser um bebê / Eu queria estar morto / Peru frio me fez correr / Peru frio me fez correr / Meu corpo está doendo / Osso de ganso-espinha / Não posso ver ninguém / Me deixe só ... / Trinta-seis horas / Rolando na dor / Rezando para que alguém / Me libertasse novamente / Oh eu serei um bom menino / Por favor me faça bem / Eu lhe prometo qualquer coisa / Me tire desse inferno! / Peru frio me fez correr / Oh, oh, oh, oh"

Em 12 de dezembro, John edita o primeiro disco ao vivo de sua carreira, Live Peace in Toronto 1969, um show creditado à The Plastic Ono Band.

A banda tinha apenas dois membros fixos, John e Yoko, sendo os demais convidados. Nesse show, tiveram a companhia de Eric Clapton, Klaus Voormann (baixo) e Alan White (bateria). White seria dentro de poucos meses o baterista do Yes.

O disco incluía alguns sucessos dos tempos dos Beatles e os mais recentes sucessos solos de Lennon:

Lado 1

1. "Blue Suede Shoes" (Carl Perkins) – 3:50
2. "Money (That's What I Want)" (Janie Bradford/Berry Gordy) – 3:25
3. "Dizzy Miss Lizzy" (Larry Williams) – 3:24
4. "Yer Blues" (Lennon-McCartney) – 4:12
5. "Cold Turkey" (John Lennon) – 3:34
6. "Give Peace a Chance" (Lennon-McCartney) – 3:41

Lado 2

1. "Don't Worry Kyoko (Mummy's Only Looking for Her Hand in the Snow)" (Yoko Ono) – 4:48
2. "John, John (Let's Hope for Peace)" (Yoko Ono) – 12:38

Nos tempos dos Beatles, John era um mestre em criar fases de duplo sentido e simbolismos; agora, porém, Lennon usaria frases curtas, secas e tentar entender e mostrar os demônios pessoais.

Fora do grupo, adotou um visual com cabelo curto e repicado e começava a escrever novas composições.

O primeiro compacto da nova fase vem com Instant Karma!, em que Lennon ridiculariza os superstars, condição, aliás, em que era um dos maiores representantes. É também uma das canções mais rápidas já gravadas na história. John a escreveu no mesmo dia em que a gravou e dez dias depois era lançada, em 6 de fevereiro de 1970.

Participaram das gravações: Lennon (voz, violão e piano elétrico); Billy Preston (piano acústico); Klaus Voorman (baixo); Alan White (bateria); George Harrison (guitarra elétrica e vocal) Yoko Ono (vocal de apoio), Mal Evans (palmas) e mais uma dúzia de frequentadores do Hatchetts Pub, nos vocais de fundo.

O compacto era creditado a John Ono Lennon e trazia Phil Spector na produção, ao lado do casal.

Para superar a dependência das drogas, Lennon aderiu à terapia e se tornou adepto da teoria de Artur Janov, o Grito Primal. John e Yoko ficaram sob os cuidados de Janov, durante quatro meses, em Los Angeles. Janov obrigou o cantor a se confrontar com seus medos de infância e fez com que ele deixasse isso aflorar para que aprendesse a lidar com todas essas emoções.

Após o tratamento, volta à Londres e convida Spector para produzir seu novo LP, o primeiro disco de sua carreira, pós-Beatles, descontando os álbuns experimentais.

John Lennon/Plastic Ono Band foi gravado num clima de intimista, com poucos convidados e com urgência.

O disco foi gravado em apenas duas semanas, um tempo bem curto, se pensarmos que os Beatles passavam meses gestando seus álbuns.

John cuidaria das guitarras, violões e piano, deixando o baixo para Klaus Voormann e a bateria para Ringo Starr.

Além deles, Yoko é creditado "tocando" wind. Billy Preston toca piano em "God" e Phil Spector, em 'Love".

Voormann era antigo conhecido de Lennon, desde os tempos em que os Beatles tocaram em Hamburgo, antes do estouro mundial. Ele também foi o responsável pelo desenho da capa de Revolver.

O LP traz as seguintes faixas, todas assinadas por John Lennon:

Lado 1

01. Mother
02. Hold On
03. I Found Out
04. Working Class Hero
05. Isolation

Lado 2

01. Remember
02. Love
03. Well Well Well
04. Look at Me
05. God
06. My Mummy's Dead

Na capa, John se deita no colo de Yoko e ambos contemplam a natureza. O disco abre com "Mother", em que John expõe toda a saudade e a amargura por pouco ter conhecido seus pais: "mãe, eu tive você, mas você nunca me teve / mãe, eu sempre te quis, mas você nunca me quis / e agora eu tenho que dizer adeus adeus / pai, você me deixou/ mas eu nunca te deixei/ pai, eu precisei de você, mas você nunca precisou de mim ... e agora eu tenho que dizer adeus adeus."

"Em Hold On", John faz uma letra na primeira pessoa, pedindo que ele "se segure". O pedido é feito também para Yoko e para o mundo.

Após "I Found Out", Lennon canta uma de suas mais engajadas poesias, "Working Class Hero", o herói da classe trabalhadora.

Vale deixar a letra inteira aqui, por maior que seja...

Assim que você nasce eles te fazem se sentir pequeno
Ao invés te darem todo tempo te dão nenhum
Até que a dor é tão grande que você não sente mais nada
Um herói da classe trabalhadora é algo para ser
Um herói da classe trabalhadora é algo para ser

Eles te magoam em casa
E te batem na escola
Eles te odeiam se é esperto
E desprezam um tolo
Até que você fique tão fudido e maluco
e que não consiga seguir as regras deles
Um herói da classe trabalhadora é algo para ser
Um herói da classe trabalhadora é algo para ser

Após te torturarem
E te assustarem por vinte bizarros anos
Então esperam que você escolha uma carreira
Até que você não consegue mais funcionar
pois está cheio de medo
Um herói da classe trabalhadora é algo para ser
Um herói da classe trabalhadora é algo para ser

Te mantém drogado com religião e sexo e TV
E você pensa que é tão astuto, sem classe e livre
Mas você continua apenas um pedinte fudido
Pelo que eu vejo
Um herói da classe trabalhadora é algo para ser
Um herói da classe trabalhadora é algo para ser

Há lugar no topo, eles continuam a te dizer
Porém, primeiro você precisa aprender a sorrir enquanto mata
Se você quer ser como o povo do alto da montanha
Um herói da classe trabalhadora é algo para ser
Um herói da classe trabalhadora é algo para ser

Se quiser ser um herói basta me seguir
Se quiser ser um herói basta me seguir

Em "Love", John canta "o amor é real, real é o amor / amor é sentimento, sentir amor / Amor é querer ser amado". E John queria muito ser amado...

"God" traz Lennon destruindo a utopia dos anos 60. "Deus é um conceito / no qual nós medimos / nossa dor... o sonho acabou / O que posso dizer? / O sonho acabou / ontem / eu era um sonhador / mas hoje eu renasci / Eu era o leão-marinho / mas agora sou John..."

O disco fecha com o curto e triste lamento "My Mummy's Dead", onde John, mais uma vez, fala da morte de sua mãe.

John Lennon/Plastic Ono Band tem sido um pouco esquecido, em parte, pelo estrondoso sucesso do disco seguinte, Imagine, que ficou em primeiro lugar tanto na América quanto no Reino Unido, enquanto o álbum de estréia ficou em sexto, nos Estados Unidos e, em oitavo, na Inglaterra.

Além da faixa-título, uma das canções mais famosas de todos os tempos e que rivalizou com os clássicos realizados nos tempos dos Beatles, o disco trazia outros hinos, como "Jealous Guy".

Imagine marca o surgimento de um Lennon mais lírico, pai de família e marido dedicado. Mas para realizar o segundo álbum, John precisou curar suas feridas e tentar se reconciliar consigo mesmo.

Mas, isso é papo para outro dia. Deixo vocês com a discografia do artista. Um abraço e até a próxima coluna.

Discografia

Compactos

"Give Peace a Chance" (creditado como Plastic Ono Band, 1969)
"Cold Turkey" (creditado como Plastic Ono Band, 1969)
"Instant Karma!" (creditado como John Ono Lennon) (1970)
"Mother" (1970)
"Power to the People" (creditado como John Lennon/Plastic Ono Band) (1971)
"Imagine" (1971)
"Happy Xmas (War Is Over)" (credited como John & Yoko, The Plastic Ono Band with The Harlem Community Choir) (1971)
"Woman Is the Nigger of the World" (1972)
"Mind Games" (1973)
"Whatever Gets You Thru the Night" (1974)
"#9 Dream" (1975)
"Stand by Me" (1975)
"(Just Like) Starting Over" (1980)
"Happy Xmas (War Is Over)" (1980)
"Give Peace a Chance" (with The Plastic Ono Band) (1980)
"Imagine" (1980)
"Woman" (1981)
"Watching the Wheels" (1981)
"Love" (1982)
"Nobody Told Me" (1984)
"Borrowed Time" (1984)
"I'm Stepping Out" (1984)
"Jealous Guy" (1985)

Discos e CDs

Unfinished Music No.1: Two Virgins (1968)
Unfinished Music No.2: Life with the Lions (1969)
Wedding Album (1969)
Live Peace in Toronto 1969 (1969)
John Lennon/Plastic Ono Band (1970)
Imagine (1971)
Some Time in New York City (with Yoko Ono) (1972)
Mind Games (1973)
Walls and Bridges (1974)
Rock 'n' Roll (1975)
Shaved Fish (1975)
Double Fantasy (with Yoko Ono) (1980)
The John Lennon Collection (1982)
Milk and Honey (with Yoko Ono) (1984)
Live in New York City (1986)
Menlove Ave. (1986)
Imagine: John Lennon (1988)
Lennon (1990)
Lennon Legend: The Very Best of John Lennon (1997)
John Lennon Anthology (1998)
Wonsaponatime (1998)
Acoustic (2004)
Working Class Hero: The Definitive Lennon (2006)

 

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