Três anos
atrás falei do primeiro disco de Leonard Cohen e desde
então algumas pessoas têm me pedido para continuar
a história do cantor, compositor e escritor canadense.
Sendo assim, abordarei o final dos anos 60 e o começo dos
anos 70, quando Leonard se retirou por alguns anos, desgostoso
com as pressões da profissão e com a obrigação
de ter que escrever novas canções, quando não
tinha a menor inspiração e vontade. Leonard disse
que esse período foi marcado por duras provações,
provações essas diminuídas quando se voltou
ao budismo.
Leonard
Cohen desfrutava um sucesso inesperado após o seu disco
de estréia. E, pela primeira vez, o artista canadense se
sentia aliviado em relação à dinheiro.
"A falta de dinheiro
foi um grande, grande problema para mim até pouco tempo
atrás, já que nunca tive nenhum. Eu fiz todos esses
trabalhos comuns que as pessoas fazem para ganhar algum, com bicos
aqui e acolá. Então comecei a vender meus escritos,
mas eu jamais escrevi para vender, e sim porque era uma necessidade
naquele período. Algumas vezes alguém comprava meus
textos, mas eu jamais os enviei para revistas, jornais, porque
nunca quis viver das palavras. Acho que desde sempre sonhei em
ser um cantor, porque sempre quis escrever música e ver
outras pessoas cantando-as."
Quando Songs of
Leonard Cohen recebeu boas críticas, finalmente
o cantor pode começar a guardar algum para o futuro e até
a comprar um apartamento em Montreal. "Essa é uma
situação nova, porque eu já era escritor
antes de ser cantor e tinha recebidos boas críticas, mas
muitas vezes o dinheiro dos livros não era suficiente nem
para pagar a conta da mercearia."
Leonard se sentia ligado
ao Canadá, mesmo desfrutando de sucesso nos Estados Unidos
e uma das suas primeiras preocupações após
conseguir algum dinheiro, foi se estabelecer na cidade que tanto
o acolheu: "eu sempre quis ser um poeta em Montreal porque
sempre quis ter esse tipo de conversa com as pessoas, desde meus
18 anos. Veja, eu tinha que tentar vender meu trabalho em alguma
cidade e tive esse tipo de vida nessa cidade. Eu amo o Canadá
por não ser a América, no sentindo em que posso
ter sonhos tolos sobre o meu país e acredito que podemos
evitar os erros dos Estados Unidos e fazer desse país um
lugar mais nobre, mais digno, mas não necessariamente mais
poderoso."
Em 1969, Leonard foi até
Nashville para gravar com o produtor da A&R, Bob Johnston
(que havia trabalho com Bob Dylan em Blonde on Blonde),
para as gravações do segundo disco. Leonard disse
que ficou muito inseguro no início das gravações:
"meu primeiro disco foi produzido por John Simon e me lembro
dos grandes momentos de tensão entre nós, e isso
ocorreu, em grande parte, por minha culpa, já que eu era
absolutamente ignorante e inexperiente sobre como proceder em
uma gravação. Eu demorei muito para descobrir a
minha voz e o som para esse disco."
Quando
Songs From a Room saiu, em abril de 1969, houve
um certo desapontamento com o disco, embora ainda tenha recebido
boas críticas.
Leonard confessa que não
gosta muito do álbum, apesar de ter em "Bird On A
Wire", sua composição favorita: "o disco
todo teve uma grande tensão e muitas pessoas criticaram
a falta de paixão nele, mas 'Bird On A Wire' foi algo muito
especial: eu tentei gravá-la várias vezes, sem sucesso
e lá pelas quatro da manhã dispensei todos os músicos,
com exceção de meu amigo Zev, Charlie McCoy (baixista)
e Bob Johnston. Pedi a Bob então que sentasse no órgão
de vez em quando até eu sentir que era o momento apropriado.
Então eu a cantei de uma forma tão verdadeira como
nunca tinha feito anteriormente, e quando ouvi pela primeira vez
a minha voz cantando a frase inicial 'Like a Bird On a Wire' eu
soube que era a canção mais forte que eu tinha colocado
para fora. Ela conta não só a história do
disco, mas também toda minha história pessoal. Nela,
tento redimir tudo que está errado. Imagino que já
fiz isso várias vezes em minha vida, mas sempre gosto de
renovar esses votos."
Uma
curiosidade é uma foto de Marianne, no quarto de Leonard,
em Hydra, na contra-capa do disco. Após o lançamento,
o cantor realizou alguns shows apenas no ano seguinte: foram sete
shows entre os dias 4 e 13 de maio de 1970, na Alemanha, Áustria,
Inglaterra e França; aparições em quatro
festivais - L'Enfant Plaza Theater, em Washington, em 11 de abril;
o de Forest Hills, em Nova York, no dia 25 de julho; em Aix-en-Provence,
na França, no dia 2 de agosto e no mais importante da época,
o da Ilha de Wight, em 31 de agosto. Cohen fechou sua série
de apresentações, em Berkeley, nos Estados Unidos.
Leonard sempre deixou claro
que nunca gostou de tocar ao vivo, apesar de gostar do contato
com as pessoas. "Eu sei que parece estranho, mas para mim,
dar shows é como uma operação militar, pois
sei exatamente o que preciso fazer e parte disso é me familiarizar
com o que as pessoas gostam e pensam. É muito importante
saber o que elas querem naquele momento, onde elas estão,
porque assim posso me tornar mais relevante."
Apesar das apresentações
e dos discos, Leonard jamais se sentiu um cantor: "eu não
sou um cantor, porque eu jamais canto sem estar com o meu violão
e quando estou sem ele sofro uma espécie de amnésia
e esqueço completamente esse meu lado."
Em
1971, ele lança seu terceiro, Songs Of Love And
Hate, um disco que sedimenta ainda sua fama de pessoa
introspectiva, miserável e sombria. A foto na capa trazia
o cantor com uma barba por fazer e um olhar distante, aumentando
ainda mais sua fama mórbida.
Assim como os dois discos
anteriores, Leonard falava de dramas sentimentais, de misticismo
e de Deus.
E
Cohen jura que tem uma relação bem resolvida com
Deus: "para mim, a religião é uma técnica
que envolve poder e para tentar fazer o mundo mais confortável.
Eu sei que há realmente um poder no qual você pode
se conectar e chamo isso de Deus. Algumas pessoas acham difícil
conseguir isso e basta você citar essa palavra para que
eles caiam em um grande labirinto. É claro que fizeram
um uso dela totalmente errado nos últimos tempos e ainda
hoje, mas eu não a associo a essas coisas. É muito
fácil dizer que para mim Deus é uma força
misteriosa, indizível, que motiva todas as coisas vivas
e a considero muito fácil de ser dita e usada. E usar pronome
masculinos como "ELE" ou "DELE" não
soa ofensivo à minha pessoa como soa para outros e por
isso posso dizer tranqüilamente 'chegue perto DELE e sinta
a SUA graça', porque eu realmente sinto isso."
Foi nessa época
que ele começou a tentar novos caminhos para sua vida e
acabou conhecendo um monge zen-budista chamando Sasaki Roshi,
do Japão. Cohen aos poucos iria abraçando o budismo
até se tornar um monge, em 1996.
Mas antes de abraçar
a religião, Cohen tentou de tudo um pouco: mulheres, drogas
e qualquer coisa que pudesse diminuir sua dor. Em 1971, ele deu
apenas um concerto, na sua querida Montreal, no dia 10 de dezembro.
Em 1972, foram 21 shows entre março e abril pela Irlanda,
Inglaterra, Dinamarca, Suécia, Bélgica, Alemanha,
Áustria, Suíça, Holanda, França e
Israel. Mas para Leonard se apresentar continuava a ser algo difícil,
devido à sua timidez e por sua pouca vontade de se expor.
Ele
também confessou que sentiu, após três discos
e as pressões da profissão, sua inspiração
sumir: "certamente há um enorme esforço para
se trabalhar ou tudo se perderia. Boas canções nascem
espontaneamente, então é preciso manter suas ferramentas
afiadas e estar pronto para quando elas aparecerem. No entanto,
às vezes me sinto vazio, pois só posso escrever
a partir de minhas experiências pessoais e muitas vezes
me sinto completamente sem saber o que falar. Não há
muito o que se lamentar. Boas canções são
um presente e tive a minha cota, e quando elas não aparecem
mais, então elas simplesmente não aparecem. Se houver
mais, eu serei grato, mas não há nada o que eu possa
dizer sobre isso, pois esses eventos não são comandados
por nós."
Além disso, Leonard
percebeu que era muito mais infeliz do que quando era apenas um
homem pobre: "o dinheiro acabou sendo uma armadilha para
mim, e minha vida se deteriorou imensamente depois que comecei
a ganhá-lo. Caí numa cilada e percebi que eu era
muito mais feliz quando eu não o tinha."
Talvez
sentindo a "fonte secar", Leonard lançou em 1973,
um disco ao vivo, Live Songs, no mês de
abril. O álbum mostrava um artista lutando contra a depressão
e as incertezas.
Em uma entrevista reveladora
à Melody Maker, em março daquele ano, Leonard
jurava que iria abandonar o mundo musical, principalmente por
estar desgostoso com o mundo venal dos negócios. "Já
não sou mais um homem livre, sou um homem explorado incessantemente.
Quando suas canções param de vender, eles descobrem
uma maneira de continuar fazendo dinheiro comigo. As pessoas falam
em lucro; ora, o lucro também me interessa, mas eu tenho
que lutar com várias pessoas em vários níveis
para ter esse dinheiro. E agora a gravadora me pressiona por novas
canções porque as lojas precisam vender algo. Isso
é nojento e não forçarei minhas músicas
a esse ponto."
E
Leonard realmente se aposentou em 1974, após mais um disco
de estúdio, New Skin For The Old Ceremony.
Lançado em agosto daquele ano, seria o seu último
disco até a volta, em 1977.
Apesar do cansaço
mental e físico, Leonard conseguiu produzir alguns dos
mais belos temas de sua carreira, como "Lover Lover Lover",
"Who By Fire", "Field Comand Cohen" e "There
Is A War", onde faz uma espécie de balanço
e acerto com sua vida.
O artista que admitiu sentir
saudade dos tempos em que passou na Grécia, escrevendo,
com pouco dinheiro, mas com uma vida perfeitamente esquematizada
e organizada, era agora mais um nome que sucumbia às pressões
absurdas do meio musical.
Sua volta aconteceria lentamente
e em pequenos passos... Mais isso é papo para outro dia.
Um abraço e até a próxima coluna.
Discografia
Songs of Leonard Cohen
(1967)
Songs From a Room (1969)
Songs Of Love And Hate (1971)
Live Songs (1973)
New Skin For The Old Ceremony (1974)
The Best Of (1975)
Death Of A Ladies’ Man (1977)
Recent Songs (1979)
Various Positions (1984)
I’m Your Man (1988)
The Future (1992)
Cohen Live (1994)
More Best Of (1997)
Field Commander Cohen - Tour of 1979 (2001)
Ten New Songs (2001)
The Essential Leonard Cohen (2002)
Dear Heather (2004)
Livros que escreveu
Let Us Compare Mythologies
(1956)
The Spice Box of Earth (1961)
The Favorite Game (1963)
Flowers for Hitler (1964)
Beautiful Losers (1966)
Parasites of Heaven (1966)
Selected Poems 1956-1968 (1968)
The Energy of Slaves (1972)
Death’s of a Lady Man (1978)
Book of Mercy (1984)
Credo (1985)
Stranger Music (1993)
Dance Me To The End of Love (1996)
God is Alive, Magic Is Afoot (2000)
Book of Longing (2006)
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