192 - Lou Reed - Rock 'n' Roll Animal a Lou Reed Live

Entre 1974 e 1975 Lou Reed lançou dois dos mais importantes álbuns ao vivo da história, que foram gravados juntos, mas desmembrados para se vender mais, como queria a RCA. Mas apesar disso - ou até por causa disso - Lou Reed presenteou os fãs com dois excelentes trabalhos. E o mais curioso é que Lou Reed Live teve uma reedição (há cópias nacionais disponíveis) com o nome Extanded Versions, que de estendido não tem nada. Rock 'n' Roll Animal e Lou Reed Live são tão bons que merecer ser analisados calmamente.


Apesar do imenso fracasso comercial de Berlin, Lou Reed resolveu sair em uma grande excursão para promover o disco. Lou tinha pensando em uma grande encenação em palco e antes de partirem para a turnê - intitulada "Rock 'n' Roll Animal tour" -, havia visitado Andy Warhol para pedir alguns conselhos sobre como usar a iluminação nas apresentações. Andy então sugeriu algo bem inusitado: segundo ele, Lou deveria usar uma luz crua sob um fundo preto, igual a que Albert Speer imaginara para os discursos de Adolf Hitler. Era uma boa saída, pois Lou tinha um orçamento extremamente limitado para a sua viagem.

Para os shows, ele montou sua melhor banda até hoje: com os sensacionais guitarristas Dick Wagner e Steve Hunter; o baixista Prakash John; o baterista Pentti Glan e o tecladista Ray Colcord. Lou tinha total liberdade no palco e, pela primeira vez, não precisava empunhar a guitarra (a não ser quando desejasse) e atuar mais como um performer.

A turnê européia foi um tremendo sucesso, com todas as apresentações esgotadas, apesar do visual agressivo de Reed - usando cabelo curto e preto, batom e olhos pintados de preto, roupa de couro igualmente preta e mais magro do que nunca. No palco, tentava imitar os trejeitos de Mick Jagger, David Bowie e Iggy Pop.

Lou também tinha conseguidos duas "babás" em tempo integral - Jim Jacobs e Bernie Gelb - mas mantinha pouco contacto com o dia-a-dia da excursão. Basicamente, preferia ficar no carro dormindo.

Lou não tinha a menor vontade de ir às festas depois dos concertos, encontrar pessoas ou fazer o rotineiro sound check antes das apresentações. Com isso, Lou obedecia o que os dois determinavam.

A turnê conseguiu excelentes críticas, e parte delas se deve à fantástica dupla Dick Wagner e Steve Hunter, que deram um tratamento quase heavy metal ao som de Reed. Porém, enquanto os dois roubavam a cena, Lou parecia totalmente fora do contexto. As drogas simplesmente haviam deixado o cantor imprevisível e enquanto, a banda era um espetáculo noite após noite, Lou alternava grandes apresentações com fiascos completos.

Durante a excursão, ocorreu uma tentativa de suicídio de sua esposa Bettye, que era totalmente desprezada por Lou e pelos membros da excursão. O clímax aconteceu em Paris, quando Lou a procurou para surpresa dela, após receberem a visita de Nico. Ele a deixou excitada e simplesmente a ignorou no dia seguinte: Jacobs lembra que ele tinha uma incrível habilidade em atrair e depois desprezar uma pessoa. "Lou não tinha uma grande fixação sexual por ninguém. Gostava apenas de chamar a atenção". Por causa disso, os dois assistentes precisaram colocar um olho em Bettye até o final da viagem, quando o casal se separou legalmente.

A estadia na Europa foi marcada por várias confusões com os fãs, pois alguns tentavam tocar em seu ídolo, o que provocava verdadeiros arrepios em Lou, que estava mais preocupado em arranjar drogas do que confraternizar com alguém.

Suas drogas favoritas eram a bebida e speed, que Lou consumia avidamente, minando sua já limitada capacidade física. Na Bélgica, ele havia passado a noite se drogando e Jacobs lembra que teve de vesti-lo, despertá-lo e fazer alguns jogos para que passasse o humor negro. "Lou subiu ao palco, mas não conseguia andar ou falar e ainda assim, o público adorou." Foi nesse show, que Lou rasgou sua calça de couro bem no meio das pernas e como não estava usando cueca, acabou deixando seus genitais expostos. Desesperado, Bernie Gelb subiu ao palco e colocou uma fita adesiva cobrindo o local, mas Lou ficou furioso por ter sido colocado em cima de suas bolas, cantando apenas mais uma canção e deixando o palco.

"O público ficou furioso quando viram que ele não voltaria para o bis e começou a destruir o local, atirando cadeiras em cima do palco. Mas, ainda assim, eles amaram o show. O problema é que Lou havia passando a noite anterior tomando metadona, e quando ele saiu pela primeira vez do palco, estava com taquicardia, suando frio e implorando para não voltar. Ele implorava para não ver ninguém e tive que carregá-lo e trancá-lo no camarim. Eu estava apavorado que ele pudesse morrer ali mesmo", lembra Gelb.

Após o susto, Lou resolveu maneirar e quando chegaram à Inglaterra, ele estava mais controlado em relação às drogas, embora a relação com os fãs continuasse tensa, ainda. Em Liverpool, todos foram alvos de pedradas dos fãs a cada vez que tentavam deixar o teatro, após a apresentação. E foi na Inglaterra um dos poucos momentos de sucesso de Berlin, já que o disco chegou a ficar entre os 10 mais vendidos.

A excursão acabou chegando à América, onde Lou continuou a tocar, e mostrando-se cada vez mais descontrolado, magro e paranóico. Nesta época, ele também havia abandonado totalmente a guitarra ao vivo. John Cale assistiu uma dessas apresentações e comentou, horrorizado, que a anfetamina havia mudado a estutura muscular de seu rosto, a ponto dele não poder mais sorrir.

Ainda assim, Lou continuava a escrever novas canções e acabou conhecendo Steve Katz, irmão de seu empresário Dennis. Steve era guitarrista do Blood, Sweet & Tears e os dois ficaram muito amigos, a ponto de ser convidado para produzir um novo disco.

Enquanto escreviam novas canções, a RCA e Lou resolveram gravar o concerto de 21 de dezembro, no Howard Stein Academy of Music, em Nova York, e lançarem como um disco ao vivo, com Steve Katz na produção e utlizando uma unidade móvel do Plant Studios para o trabalho.

Após o show gravado, Lou teve uma briga imensa com o engenheiro contratado para trabalhar no disco: "ele não sabia como mixar o som e começou a 'limpá-lo'. Eu fiquei desesperado e resolvi que eu mesmo faria o trabalho. Por isso, ele soa tão bom!"

No início de 1974, Lou Reed resolveu viver com Barbara Hodes e ambos se mudaram para um novo apartamento, na 45ª Avenida, local que Lou amava, pois segundo ele, conhecia todos os locais da região que vendiam cachorros-quentes, sua principal alimentação durante o período.

Lou também começou uma reaproximação de Andy Warhol, com quem teve a idéia de levar Berlin para o teatro. Um jantar foi planejado para que os dois discutissem o tema, mas este foi marcado pelas dificuldades, pois ele temia que Andy roubasse suas idéias. Ele ainda tentou fazer um esboço psicológico do personagem central, contando a história de seu próprio traficante, que não sentiu remorso ou dor, quando sua namorada se suicidou.

capa de Rock 'n' Roll Animalcontra-capa de Rock 'n' Roll Animal

No final de fevereiro, é lançado Rock 'n' Roll Animal, apenas cinco meses após Berlin. A então jornalista Chrissie Hynde (muito antes de formar os Pretenders) fez uma resenha para o semanário inglês New Musical Express rasgando elogios ao álbum e comparando Lou a um macaco acorrentado em um palco.

O disco abre com "Sweet Jane" e segue com uma longa versão de "Heroin", fechando o lado A. O lado B segue com mais três canções - "White Light/White Heat", "Lady Day" e "Rock 'n' Roll", e mostrava um Lou muito mais preocupado em ser um perfomer do que um músico, sendo criticado por isso pelo seu ex-parceiro John Cale. Um detalhe: quando relançado em CD, em 2001, o disco ganhou duas faixas a mais: "How do you think it feels" e "Caroline says I".

No entanto, o disco mostrava Lou solto como nunca e com uma grande banda para dar o suporte que tanto necessitava. O disco se mostrou um sucesso comercial e Lou estava mais bem humorado nas entrevistas, apesar de ser um tanto agressivo com os jornalistas. Em uma dessas entrevistas, reproduzida no livro Transformer - The Lou Reed Story -, de Victor Bockris, Lou conta que seu grande sonho era escrever uma canção para Frank Sinatra, dando detalhes de quanto o admirava.

Em março o disco havia chegado ao número 45 das paradas e permaneceu entre os 100 durante 27 semanas, deixando o produtor Steve Katz extático com tamanho sucesso em sua estréia na função.

O disco serviu para aumentar sua auto-confiança, especialmente quando encontrou David Bowie, em Nova York, que promovia Diamond Dogs. Bêbados, os dois começaram um imenso bate-boca, pois Lou sentia inveja do sucesso de David, segundo Barbara Hodes.

Lou começou então a gravar um novo disco, mas não sem antes provocar Steve e Dennis Katz. Os dois irmãos haviam sido os responsáveis pelo sucesso de Rock 'n' Roll Animal, e Lou se sentia incomodado por achar que devia a eles o sucesso. Por isso resolveu pagar de uma maneira bizarra.

Sendo judeu como os dois, Lou quis provocá-los e para isso raspou seu cabelo e desenhou uma cruz nazista em sua cabeça.

Lou e Barbara Hodes, em 1974Isso foi o começo para o relacionamento com Dennis azedar. Barbara Hodes ficou tão preocupada com o ato do cantor que o obrigava a usar um chapéu sempre que saíam em público para evitar maiores confusões.

Lou tinha feito isso por pura insegurança, pois havia prometido à RCA que entregaria um disco de sucesso comercial, mas simplesmente não conseguia trabalhar. A gravadora estava confiante em Steve Katz, responsável novamente pela produção.

Steve Katz teve que se munir de toda a paciência que tinha, pois Lou tentou de todas as maneiras estragar o projeto, como ele próprio reconheceu: "eu não queria fazer Sally Can't Dance de maneira alguma. Eu gravei todos os vocais em um único take, em 20 minutos, e dei adeus. Eles me pediam algumas canções mais dançáveis e eu dizia que não sabia fazer isso."

Além disso, Steve lutava contra um outro problema. Lou passava boa parte do tempo em que ficavam no estúdio, trancado no banheiro, aplicando metadona. Steve afirmou que realmente gostava e o respeitava, mas que Lou simplesmente não ajudava em nada. Steve havia conseguido grandes músicos para a gravação, que contava ainda com um nome curioso: nada menos que Doug Yule, ex-membro do Velvet Underground, logo após a saída de John Cale. O grupo consistia em: Lou Reed (vocais, guitarra); Danny Weis (guitarra, backing vocals); Paul Fleisher (saxophone); David Taylor, Lou Marini, Trevor Koehler, Jon Faddis, Alan Rubin, Alex Foster (metais); Steve Katz (harmonica); Michael Farfina (teclados); Prakash John (baixo); Doug Yule (baixo); Richie Dharma, Whitey Glan (baterias); Michael Wendroff, Joanne Vent (backing vocals). Steve Katz e Lou Reed assinavam a produção.

capa do disco Sally Can't DanceComposta de oito canções - "Ride Sally Ride"; "Animal Language"; "Baby Face"; "N.Y. Stars"; "Kill Your Sons"; "Ennui"; "Sally Can't Dance" e "Billy" -, e laçado em agosto de 1974, Sally Can't Dance tornou-se um imenso sucesso, ficando entre os 10 mais (fato único em sua carreira até hoje), para desespero do próprio Lou: "parece que quanto pior fico, mais vendo. Se eu não aparecer no próximo disco, provavelmente chegarei ao número 1! Ele ficou entre os 10 mais sem canção nenhuma de trabalho!"

Lou achava que tinha virado uma paródia e dizia que gostava apenas dos seus discos com o Velvet, mas não os seus solos. E Lou começava a ter atitudes mais vis.

Lou e NicoSua primeira vítima foi ninguém menos que Nico. Após terem se encontrado em Paris, em 1973, Lou se aproximou de Nico, o que não foi difícil, e começou a seduzi-la e até propôs produzir um disco dela com canções suas. Nico, totalmente esquecida e vivendo na miséria, ficou mais feliz quando Lou mandou uma passagem e um convite para que morassem juntos em Nova York por um período. Assim, os dois foram para um apartamento na East Fifty-second Street. E Lou começou seu macabro jogo. Primeiro, deixou que Nico visse seu imenso suprimento de anfetamina, mas não deixou que Nico chegasse perto, um verdadeiro suplício para uma viciada. Depois, Lou começou a dinamitar a frágil personalidade da cantora, utilizando todos os conhecimentos que tinha dela, até reduzi-la a lágrimas e tremores. Apenas aí, Lou dava uma minúscula dose do medicamento. Essa insanidade durou três dias, até que ela fugiu para o apartamento vizinho em busca de ajuda. Essa seria a última vez que os dois se veriam. Nico nunca mais conseguiria encarar Lou nos olhos e ele tão pouco se importava.

A segunda vítima seria Barbara Hodes.

Em maio, os dois embarcariam para uma gigantesca turnê européia, com mais 20 pessoas.

Nesses shows, Lou mostrou uma face verdadeiramente doentia, atingindo o ápice durante a canção "Heroin", quando ele sacava uma seringa do bolso de sua calça, improvisava um torniquete com o fio do microfone, e simulava injetar heroína em sua veias inchadas. Muitas pessoas da platéia corriam para o banheiro e vomitavam.

 

Danny Fields, Rachel e Lou, em 1976Logo após a excursão, Lou chocaria mais ainda, ao resolver viver com Rachel, uma travesti, com traços mexicanos, que era cabelereira e que Lou achou que era uma sereia. "Eu a encontrei pela primeira vez no Greenwich Village e percebia que ela me olhava e veio até mim quando eu convidei. Eu falei por horas e horas e ela apenas me ouvia. Eu estava vivendo com Barbara e queria que morássemos os três juntos, mas ela achou demais e acabou se mudando. Com isso, Rachel veio viver comigo. Ela era completamente desinteressada em quem eu era ou o que eu fazia. Ela tinha ouvido poucas músicas minhas e as que ouviu não tinha gostado." Lou acabaria escrevendo um poema para ela, "The Chemical Man".

Seria com Rachel que Lou afastaria a lenda de que não gostava de sexo, embora ninguém soubesse se realmente faziam, já que a grande ligação entre os dois eram as drogas, especialmente o speed, que usavam na cama.

Sally Can't Dance originou outra grande excursão e quando Lou voltou para Nova York, em janeiro de 1975 e começou a escrever novas canções, que apareceriam no álbum Coney Island Baby. Mas Dennis recusou as novas composições, dizendo que eram muito negativas e mandou que ele voltasse para a estrada, pois estava falido. Lou não deveria estar falido, pois tinha dois sucessos comerciais e feito dinheiro com os shows, mas o divórcio com Bettye e seus gastos estratosféricos com droga o haviam deixado liso.

Para piorar, Lou teve sua pior excursão da vida. Primeiro, ele foi quase morto em cima de um palco, em Milão, quando houve um confronto entre comunistas e fascistas, durante as eleições daquele país. Houve uma imensa briga na platéia e alguns subiram ao palco, roubaram o microfone e o xingaram de "decadente e judeu sujo", fazendo com que Lou deixasse o palco chorando.

capa do disco Lou Reed LiveOs shows foram ainda piores nos outros países e Lou estava cada vez mais descontrolado. Ele sofria de convulsões por causa do speed e havia se tornado paranóico. Ainda assim, teve que retornar no mês de março para Nova York e promover o lançamento de Lou Reed Live. O disco nada mais era do que a continuação de Rock 'n' Roll Animal e foi também um bom sucesso de vendas, estabelecendo Lou como um sucesso comercial.

Mesmo assim, ele continuava desafiando o bom senso e seu próximo passo traria enormes problemas para sua carreira, afinal ele obrigou a RCA a lançar um dos discos mais estranhos da história, Metal Machine Music. Mas isso é papo para outra coluna. Um abraço e até mais!

Discografia

Lou Reed (1972)
Transformer (1972)
Berlin (1973)
Rock 'n' Roll Animal (1974)
Sally Can't Dance (1974)
Lou Reed Live (1975)
Metal Machine Music (1975)
Walk on the Wild Side & Other Hits* (1975)
Coney Island Baby (1975)
Rock and Roll Heart (1976)
Walk on the Wild Side: The Best of Lou Reed* (1977)
Live: Take No Prisoners (1978)
Street Hassle (1978)
The Bells (1979)
Vicious* (1979)
Rock and Roll Diary: 1967-1980* (1980)
Growing Up in Public (1980)
Rock & Roll Today (1980)
The Blue Mask (1982)
I Can't Stand It* (1982)
Rock Galaxy* (1983)
Legendary Hearts (1983)
Live in Italy (1984)
New Sensations (1984)
City Lights (Classic Performances By Lou Reed)* (1985)
Mistrial (1986)
New York Superstar* (1986)
Wild Child* (1987)
New York (1989)
Retro* (1989)
Songs for Drella (1990)
Magic and Loss (1992)
Between Thought and Expression: The Lou Reed Anthology* (1992)
A Retrospective* (1993)
Very Best of Lou Reed & Velvet Underground* (1995)
The Best of Lou Reed & the Velvet Underground* (1995)
Different Times: Lou Reed in the '70s* (1996)
Set the Twilight Reeling (1996)
Live in Concert (1997)
Perfect Day* (1997)
Perfect Night: Live in London (1998)
The Definitive Collection* (1999)
Very Best of Lou Reed* (2000)
Ecstasy (2000)
American Poet (2001)
The Wild Side: Best of Lou Reed* (2001)
Golden Collection* (2002)
Legendary* (2002)
NYC Man: The Ultimate Lou Reed Collection*(2003)
The Raven (2003)
The Platinum & Gold Collection* (2004)
NYC Man: Greatest Hits* (2004)
Le Bataclan '72 (2004)
Animal Serendade (2004)
Hudson River Wind Meditations (2007)

* coletâneas

 


 

 

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