Entre 1974 e
1975 Lou Reed lançou dois dos mais importantes álbuns
ao vivo da história, que foram gravados juntos, mas desmembrados
para se vender mais, como queria a RCA. Mas apesar disso - ou
até por causa disso - Lou Reed presenteou os fãs
com dois excelentes trabalhos. E o mais curioso é que Lou
Reed Live teve uma reedição (há cópias
nacionais disponíveis) com o nome Extanded Versions, que
de estendido não tem nada. Rock 'n' Roll Animal e Lou Reed
Live são tão bons que merecer ser analisados calmamente.
Apesar
do imenso fracasso comercial de Berlin, Lou Reed
resolveu sair em uma grande excursão para promover o disco.
Lou tinha pensando em uma grande encenação em palco
e antes de partirem para a turnê - intitulada "Rock
'n' Roll Animal tour" -, havia visitado Andy Warhol para
pedir alguns conselhos sobre como usar a iluminação
nas apresentações. Andy então sugeriu algo
bem inusitado: segundo ele, Lou deveria usar uma luz crua sob
um fundo preto, igual a que Albert Speer imaginara para os discursos
de Adolf Hitler. Era uma boa saída, pois Lou tinha um orçamento
extremamente limitado para a sua viagem.
Para os shows, ele montou
sua melhor banda até hoje: com os sensacionais guitarristas
Dick Wagner e Steve Hunter; o baixista Prakash John; o baterista
Pentti Glan e o tecladista Ray Colcord. Lou tinha total liberdade
no palco e, pela primeira vez, não precisava empunhar a
guitarra (a não ser quando desejasse) e atuar mais como
um performer.
A turnê européia
foi um tremendo sucesso, com todas as apresentações
esgotadas, apesar do visual agressivo de Reed - usando cabelo
curto e preto, batom e olhos pintados de preto, roupa de couro
igualmente preta e mais magro do que nunca. No palco, tentava
imitar os trejeitos de Mick Jagger, David Bowie e Iggy Pop.
Lou também tinha
conseguidos duas "babás" em tempo integral -
Jim Jacobs e Bernie Gelb - mas mantinha pouco contacto com o dia-a-dia
da excursão. Basicamente, preferia ficar no carro dormindo.
Lou não tinha a
menor vontade de ir às festas depois dos concertos, encontrar
pessoas ou fazer o rotineiro sound check antes das apresentações.
Com isso, Lou obedecia o que os dois determinavam.
A
turnê conseguiu excelentes críticas, e parte delas
se deve à fantástica dupla Dick Wagner e Steve Hunter,
que deram um tratamento quase heavy metal ao som de Reed. Porém,
enquanto os dois roubavam a cena, Lou parecia totalmente fora
do contexto. As drogas simplesmente haviam deixado o cantor imprevisível
e enquanto, a banda era um espetáculo noite após
noite, Lou alternava grandes apresentações com fiascos
completos.
Durante a excursão,
ocorreu uma tentativa de suicídio de sua esposa Bettye,
que era totalmente desprezada por Lou e pelos membros da excursão.
O clímax aconteceu em Paris, quando Lou a procurou para
surpresa dela, após receberem a visita de Nico. Ele a deixou
excitada e simplesmente a ignorou no dia seguinte: Jacobs lembra
que ele tinha uma incrível habilidade em atrair e depois
desprezar uma pessoa. "Lou não tinha uma grande fixação
sexual por ninguém. Gostava apenas de chamar a atenção".
Por causa disso, os dois assistentes precisaram colocar um olho
em Bettye até o final da viagem, quando o casal se separou
legalmente.
A estadia na Europa foi
marcada por várias confusões com os fãs,
pois alguns tentavam tocar em seu ídolo, o que provocava
verdadeiros arrepios em Lou, que estava mais preocupado em arranjar
drogas do que confraternizar com alguém.
Suas drogas favoritas eram
a bebida e speed, que Lou consumia avidamente, minando
sua já limitada capacidade física. Na Bélgica,
ele havia passado a noite se drogando e Jacobs lembra que teve
de vesti-lo, despertá-lo e fazer alguns jogos para que
passasse o humor negro. "Lou subiu ao palco, mas não
conseguia andar ou falar e ainda assim, o público adorou."
Foi nesse show, que Lou rasgou sua calça de couro bem no
meio das pernas e como não estava usando cueca, acabou
deixando seus genitais expostos. Desesperado, Bernie Gelb subiu
ao palco e colocou uma fita adesiva cobrindo o local, mas Lou
ficou furioso por ter sido colocado em cima de suas bolas, cantando
apenas mais uma canção e deixando o palco.
"O público
ficou furioso quando viram que ele não voltaria para o
bis e começou a destruir o local, atirando cadeiras em
cima do palco. Mas, ainda assim, eles amaram o show. O problema
é que Lou havia passando a noite anterior tomando metadona,
e quando ele saiu pela primeira vez do palco, estava com taquicardia,
suando frio e implorando para não voltar. Ele implorava
para não ver ninguém e tive que carregá-lo
e trancá-lo no camarim. Eu estava apavorado que ele pudesse
morrer ali mesmo", lembra Gelb.
Após o susto, Lou
resolveu maneirar e quando chegaram à Inglaterra, ele estava
mais controlado em relação às drogas, embora
a relação com os fãs continuasse tensa, ainda.
Em Liverpool, todos foram alvos de pedradas dos fãs a cada
vez que tentavam deixar o teatro, após a apresentação.
E foi na Inglaterra um dos poucos momentos de sucesso de Berlin,
já que o disco chegou a ficar entre os 10 mais vendidos.
A excursão acabou
chegando à América, onde Lou continuou a tocar,
e mostrando-se cada vez mais descontrolado, magro e paranóico.
Nesta época, ele também havia abandonado totalmente
a guitarra ao vivo. John Cale assistiu uma dessas apresentações
e comentou, horrorizado, que a anfetamina havia mudado a estutura
muscular de seu rosto, a ponto dele não poder mais sorrir.
Ainda assim, Lou continuava
a escrever novas canções e acabou conhecendo Steve
Katz, irmão de seu empresário Dennis. Steve era
guitarrista do Blood, Sweet & Tears e os dois ficaram muito
amigos, a ponto de ser convidado para produzir um novo disco.
Enquanto escreviam novas
canções, a RCA e Lou resolveram gravar o concerto
de 21 de dezembro, no Howard Stein Academy of Music, em Nova York,
e lançarem como um disco ao vivo, com Steve Katz na produção
e utlizando uma unidade móvel do Plant Studios para o trabalho.
Após o show gravado,
Lou teve uma briga imensa com o engenheiro contratado para trabalhar
no disco: "ele não sabia como mixar o som e começou
a 'limpá-lo'. Eu fiquei desesperado e resolvi que eu mesmo
faria o trabalho. Por isso, ele soa tão bom!"
No início de 1974,
Lou Reed resolveu viver com Barbara Hodes e ambos se mudaram para
um novo apartamento, na 45ª Avenida, local que Lou amava,
pois segundo ele, conhecia todos os locais da região que
vendiam cachorros-quentes, sua principal alimentação
durante o período.
Lou também começou
uma reaproximação de Andy Warhol, com quem teve
a idéia de levar Berlin para o teatro.
Um jantar foi planejado para que os dois discutissem o tema, mas
este foi marcado pelas dificuldades, pois ele temia que Andy roubasse
suas idéias. Ele ainda tentou fazer um esboço psicológico
do personagem central, contando a história de seu próprio
traficante, que não sentiu remorso ou dor, quando sua namorada
se suicidou.
No final de fevereiro,
é lançado Rock 'n' Roll Animal,
apenas cinco meses após Berlin. A então
jornalista Chrissie Hynde (muito antes de formar os Pretenders)
fez uma resenha para o semanário inglês New Musical
Express rasgando elogios ao álbum e comparando Lou
a um macaco acorrentado em um palco.
O disco abre com "Sweet
Jane" e segue com uma longa versão de "Heroin",
fechando o lado A. O lado B segue com mais três canções
- "White Light/White Heat", "Lady Day" e "Rock
'n' Roll", e mostrava um Lou muito mais preocupado em ser
um perfomer do que um músico, sendo criticado
por isso pelo seu ex-parceiro John Cale. Um detalhe: quando relançado
em CD, em 2001, o disco ganhou duas faixas a mais: "How do
you think it feels" e "Caroline says I".
No entanto, o disco mostrava
Lou solto como nunca e com uma grande banda para dar o suporte
que tanto necessitava. O disco se mostrou um sucesso comercial
e Lou estava mais bem humorado nas entrevistas, apesar de ser
um tanto agressivo com os jornalistas. Em uma dessas entrevistas,
reproduzida no livro Transformer - The Lou Reed Story
-, de Victor Bockris, Lou conta que seu grande sonho era escrever
uma canção para Frank Sinatra, dando detalhes de
quanto o admirava.
Em março o disco
havia chegado ao número 45 das paradas e permaneceu entre
os 100 durante 27 semanas, deixando o produtor Steve Katz extático
com tamanho sucesso em sua estréia na função.
O
disco serviu para aumentar sua auto-confiança, especialmente
quando encontrou David Bowie, em Nova York, que promovia Diamond
Dogs. Bêbados, os dois começaram um imenso
bate-boca, pois Lou sentia inveja do sucesso de David, segundo
Barbara Hodes.
Lou começou então
a gravar um novo disco, mas não sem antes provocar Steve
e Dennis Katz. Os dois irmãos haviam sido os responsáveis
pelo sucesso de Rock 'n' Roll Animal, e Lou se
sentia incomodado por achar que devia a eles o sucesso. Por isso
resolveu pagar de uma maneira bizarra.
Sendo judeu como os dois,
Lou quis provocá-los e para isso raspou seu cabelo e desenhou
uma cruz nazista em sua cabeça.
Isso
foi o começo para o relacionamento com Dennis azedar. Barbara
Hodes ficou tão preocupada com o ato do cantor que o obrigava
a usar um chapéu sempre que saíam em público
para evitar maiores confusões.
Lou tinha feito isso por
pura insegurança, pois havia prometido à RCA que
entregaria um disco de sucesso comercial, mas simplesmente não
conseguia trabalhar. A gravadora estava confiante em Steve Katz,
responsável novamente pela produção.
Steve Katz teve que se
munir de toda a paciência que tinha, pois Lou tentou de
todas as maneiras estragar o projeto, como ele próprio
reconheceu: "eu não queria fazer Sally Can't
Dance de maneira alguma. Eu gravei todos os vocais em
um único take, em 20 minutos, e dei adeus. Eles
me pediam algumas canções mais dançáveis
e eu dizia que não sabia fazer isso."
Além disso, Steve
lutava contra um outro problema. Lou passava boa parte do tempo
em que ficavam no estúdio, trancado no banheiro, aplicando
metadona. Steve afirmou que realmente gostava e o respeitava,
mas que Lou simplesmente não ajudava em nada. Steve havia
conseguido grandes músicos para a gravação,
que contava ainda com um nome curioso: nada menos que Doug Yule,
ex-membro do Velvet Underground, logo após a saída
de John Cale. O grupo consistia em: Lou Reed (vocais, guitarra);
Danny Weis (guitarra, backing vocals); Paul Fleisher (saxophone);
David Taylor, Lou Marini, Trevor Koehler, Jon Faddis, Alan Rubin,
Alex Foster (metais); Steve Katz (harmonica); Michael Farfina
(teclados); Prakash John (baixo); Doug Yule (baixo); Richie Dharma,
Whitey Glan (baterias); Michael Wendroff, Joanne Vent (backing
vocals). Steve Katz e Lou Reed assinavam a produção.
Composta
de oito canções - "Ride Sally Ride"; "Animal
Language"; "Baby Face"; "N.Y. Stars";
"Kill Your Sons"; "Ennui"; "Sally Can't
Dance" e "Billy" -, e laçado em agosto de
1974, Sally Can't Dance tornou-se um imenso sucesso,
ficando entre os 10 mais (fato único em sua carreira até
hoje), para desespero do próprio Lou: "parece que
quanto pior fico, mais vendo. Se eu não aparecer no próximo
disco, provavelmente chegarei ao número 1! Ele ficou entre
os 10 mais sem canção nenhuma de trabalho!"
Lou achava que tinha virado
uma paródia e dizia que gostava apenas dos seus discos
com o Velvet, mas não os seus solos. E Lou começava
a ter atitudes mais vis.
Sua
primeira vítima foi ninguém menos que Nico. Após
terem se encontrado em Paris, em 1973, Lou se aproximou de Nico,
o que não foi difícil, e começou a seduzi-la
e até propôs produzir um disco dela com canções
suas. Nico, totalmente esquecida e vivendo na miséria,
ficou mais feliz quando Lou mandou uma passagem e um convite para
que morassem juntos em Nova York por um período. Assim,
os dois foram para um apartamento na East Fifty-second Street.
E Lou começou seu macabro jogo. Primeiro, deixou que Nico
visse seu imenso suprimento de anfetamina, mas não deixou
que Nico chegasse perto, um verdadeiro suplício para uma
viciada. Depois, Lou começou a dinamitar a frágil
personalidade da cantora, utilizando todos os conhecimentos que
tinha dela, até reduzi-la a lágrimas e tremores.
Apenas aí, Lou dava uma minúscula dose do medicamento.
Essa insanidade durou três dias, até que ela fugiu
para o apartamento vizinho em busca de ajuda. Essa seria a última
vez que os dois se veriam. Nico nunca mais conseguiria encarar
Lou nos olhos e ele tão pouco se importava.
A
segunda vítima seria Barbara Hodes.
Em maio, os dois embarcariam
para uma gigantesca turnê européia, com mais 20 pessoas.
Nesses shows, Lou mostrou
uma face verdadeiramente doentia, atingindo o ápice durante
a canção "Heroin", quando ele sacava uma
seringa do bolso de sua calça, improvisava um torniquete
com o fio do microfone, e simulava injetar heroína em sua
veias inchadas. Muitas pessoas da platéia corriam para
o banheiro e vomitavam.
Logo
após a excursão, Lou chocaria mais ainda, ao resolver
viver com Rachel, uma travesti, com traços mexicanos, que
era cabelereira e que Lou achou que era uma sereia. "Eu a
encontrei pela primeira vez no Greenwich Village e percebia que
ela me olhava e veio até mim quando eu convidei. Eu falei
por horas e horas e ela apenas me ouvia. Eu estava vivendo com
Barbara e queria que morássemos os três juntos, mas
ela achou demais e acabou se mudando. Com isso, Rachel veio viver
comigo. Ela era completamente desinteressada em quem eu era ou
o que eu fazia. Ela tinha ouvido poucas músicas minhas
e as que ouviu não tinha gostado." Lou acabaria escrevendo
um poema para ela, "The Chemical Man".
Seria com Rachel que Lou
afastaria a lenda de que não gostava de sexo, embora ninguém
soubesse se realmente faziam, já que a grande ligação
entre os dois eram as drogas, especialmente o speed,
que usavam na cama.
Sally Can't Dance
originou outra grande excursão e quando Lou voltou para
Nova York, em janeiro de 1975 e começou a escrever novas
canções, que apareceriam no álbum Coney
Island Baby. Mas Dennis recusou as novas composições,
dizendo que eram muito negativas e mandou que ele voltasse para
a estrada, pois estava falido. Lou não deveria estar falido,
pois tinha dois sucessos comerciais e feito dinheiro com os shows,
mas o divórcio com Bettye e seus gastos estratosféricos
com droga o haviam deixado liso.
Para piorar, Lou teve sua
pior excursão da vida. Primeiro, ele foi quase morto em
cima de um palco, em Milão, quando houve um confronto entre
comunistas e fascistas, durante as eleições daquele
país. Houve uma imensa briga na platéia e alguns
subiram ao palco, roubaram o microfone e o xingaram de "decadente
e judeu sujo", fazendo com que Lou deixasse o palco chorando.
Os
shows foram ainda piores nos outros países e Lou estava
cada vez mais descontrolado. Ele sofria de convulsões por
causa do speed e havia se tornado paranóico. Ainda
assim, teve que retornar no mês de março para Nova
York e promover o lançamento de Lou Reed Live.
O disco nada mais era do que a continuação de Rock
'n' Roll Animal e foi também um bom sucesso de
vendas, estabelecendo Lou como um sucesso comercial.
Mesmo assim, ele continuava
desafiando o bom senso e seu próximo passo traria enormes
problemas para sua carreira, afinal ele obrigou a RCA a lançar
um dos discos mais estranhos da história, Metal
Machine Music. Mas isso é papo para outra coluna.
Um abraço e até mais!
Discografia
Lou Reed (1972)
Transformer (1972)
Berlin (1973)
Rock 'n' Roll Animal (1974)
Sally Can't Dance (1974)
Lou Reed Live (1975)
Metal Machine Music (1975)
Walk on the Wild Side & Other Hits* (1975)
Coney Island Baby (1975)
Rock and Roll Heart (1976)
Walk on the Wild Side: The Best of Lou Reed* (1977)
Live: Take No Prisoners (1978)
Street Hassle (1978)
The Bells (1979)
Vicious* (1979)
Rock and Roll Diary: 1967-1980* (1980)
Growing Up in Public (1980)
Rock & Roll Today (1980)
The Blue Mask (1982)
I Can't Stand It* (1982)
Rock Galaxy* (1983)
Legendary Hearts (1983)
Live in Italy (1984)
New Sensations (1984)
City Lights (Classic Performances By Lou Reed)* (1985)
Mistrial (1986)
New York Superstar* (1986)
Wild Child* (1987)
New York (1989)
Retro* (1989)
Songs for Drella (1990)
Magic and Loss (1992)
Between Thought and Expression: The Lou Reed Anthology* (1992)
A Retrospective* (1993)
Very Best of Lou Reed & Velvet Underground* (1995)
The Best of Lou Reed & the Velvet Underground* (1995)
Different Times: Lou Reed in the '70s* (1996)
Set the Twilight Reeling (1996)
Live in Concert (1997)
Perfect Day* (1997)
Perfect Night: Live in London (1998)
The Definitive Collection* (1999)
Very Best of Lou Reed* (2000)
Ecstasy (2000)
American Poet (2001)
The Wild Side: Best of Lou Reed* (2001)
Golden Collection* (2002)
Legendary* (2002)
NYC Man: The Ultimate Lou Reed Collection*(2003)
The Raven (2003)
The Platinum & Gold Collection* (2004)
NYC Man: Greatest Hits* (2004)
Le Bataclan '72 (2004)
Animal Serendade (2004)
Hudson River Wind Meditations (2007)
* coletâneas
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