Luke Haines:
o gênio incompreendido está de volta
Já havia
comentado em coluna anterior sobre o grupo The Auteurs, que ao
lado do Suede encabeçou um natimorto hype chamado neoglam
em meados dos anos 90. O líder dos “Autores”,
Luke Haines, que na verdade sempre foi o artista, cercado de músicos
que completavam a banda (ele compõe, toca, canta e empresaria
sua carreira), não foi devidamente reconhecido naquela
época. Na verdade, somente quando fundou o chatinho grupo
de trip-hop Black Box Recorder, conseguiu fazer algum sucesso,
tanto comercial como de crítica.
Mas
estava na cara que não era bem isso o que Mr. Haines queria.
Mesmo reconhecido como
bom compositor, o que ele desejava mesmo era ser considerado um
bardo do glam-rock, sua verdadeira paixão.
Após o fim do Black
Box, Haines fez um obra-prima chamada Das Capital,
com algumas músicas do The Auteurs tocadas sob magníficos
arranjos orquestrais. Mas isso ainda passava um pouco longe do
glam.
Quando todos pensavam
que ele iria desistir desse objetivo, eis que Luke Haines surge
no final de 2006 com o incrível Off My Rocker At
The Art School Bop.
Incrível,
porque no disco inteiro há pouca coisa de realmente original.
Porém, todos os clichês do glam-rock estão
lá, amalgamados de maneira perfeita, de maneira a formar
um conjunto de 10 canções inesquecíveis,
e com letras do mais puro espírito britânico.
Hoje, poucos meses após
o lançamento do disco, Haines recebe finalmente a consagração
merecida. O vetusto jornal inglês The Guardian,
por exemplo, aclamou Haines como o melhor compositor britânico
da atualidade (acima de gente como Morrissey e Jarvis Cocker,
inclusive). Vários blogs de música incensaram o
trabalho, e quem se arriscou a dar notas, estas nunca foram inferiores
a 8,5. Uma revista eletrônica chamada Faux Pás
Magazine foi mais além: considera Haines o compositor
mais talentoso da Inglaterra pós-Segunda Guerra.
Exageros
(ou não) à parte, a verdade é que em três
audições se pode ficar completamente alucinado com
o disco. Na primeira audição, a sensação
é de estranheza e de reconhecimento de riffs e blips
e blops já escutados anteriormente (a única
coisa boa que Haines trouxe do Black Box foram algumas experimentações
eletrônicas interessantes). Na segunda, com os ouvidos já
preparados, repara-se no talento de Haines em transformar em histórias
bacanas cenas triviais do mundinho (e submundinho) londrino. E
na terceira, já se coloca o CD no último volume
– ou as músicas no mp3 player e se delicia com o
conjunto da obra.
Através desse disco
entrei em contato com aspectos da cultura e vida britânica
que desconhecia. Como por exemplo a história do boxeador
inglês Freddie Mills – que teria sido assassinado
por motivos passionais – na canção “Freddie
Mills Is Dead”. À semelhança de outras canções
no disco, a música é quebrada em partes distintas.
Começa em ritmo lento, quase fúnebre, vai crescendo,
e acaba em um barulhento rock’n roll. “Secret Yoga”,
que como o nome sugere, é uma ode à meditação
ao estilo oriental, alterna estrofes puramente acústicas
com um refrão pesadamente eletrônico, representando
o que para mim foi a melhor canção de 2006.
“Leeds United”,
a segunda música do disco, que vem a seguir da faixa-título
e primeiro single, começa igualmente bela e traz no refrão
sons da torcida do Leeds – um time em franca decadência
na Inglaterra, que foi grande na década de 90 e hoje batalha
para não cair para a terceira divisão – realidade
semelhante a de certos times brasileiros. A letra celebra a cultura
futebolística britânica e alguns personagens do esporte
local, terminando com alguns segundos de um rock furioso.
O
mundo de Haines é uma Inglaterra dividida entre a violência
da juventude, a cultura narcisística das celebridades e
uma luta de classes silenciosa mas feroz. Ele consegue tirar leite
dessas pedras com talento, colocando os temas em letras irônicas,
adornadas por um glam-rock misturado à eletrônica,
o que o transforma em um artista único nesse mundo em a
internet transforma qualquer mané em superstar em questão
de segundos.
A alfinetada final de Luke
Haines neste brilhante trabalho é “Bad Reputation”,
música que fecha o disco, em que o alvo é facilmente
identificável no refrão. “Gary Glitter is
a bad, bad man.... for sullying the reputation of the glitter
bands...” (referência ao roqueiro que foi preso acusado
de pedofilia e que era um dos maiores nomes do glam-rock dos anos
70).
Para quem quiser saber
o que acontece nos subterrâneos da sociedade britânica,
curtir um som de alta qualidade (ou as duas coisas juntas), Off
My Rocker At The Art School Bop é a pedida ideal.
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