05 - Luke Haines

Luke Haines: o gênio incompreendido está de volta

Já havia comentado em coluna anterior sobre o grupo The Auteurs, que ao lado do Suede encabeçou um natimorto hype chamado neoglam em meados dos anos 90. O líder dos “Autores”, Luke Haines, que na verdade sempre foi o artista, cercado de músicos que completavam a banda (ele compõe, toca, canta e empresaria sua carreira), não foi devidamente reconhecido naquela época. Na verdade, somente quando fundou o chatinho grupo de trip-hop Black Box Recorder, conseguiu fazer algum sucesso, tanto comercial como de crítica.


capa do disco Das CapitalMas estava na cara que não era bem isso o que Mr. Haines queria.

Mesmo reconhecido como bom compositor, o que ele desejava mesmo era ser considerado um bardo do glam-rock, sua verdadeira paixão.

Após o fim do Black Box, Haines fez um obra-prima chamada Das Capital, com algumas músicas do The Auteurs tocadas sob magníficos arranjos orquestrais. Mas isso ainda passava um pouco longe do glam.

Quando todos pensavam que ele iria desistir desse objetivo, eis que Luke Haines surge no final de 2006 com o incrível Off My Rocker At The Art School Bop.

capa do disco Off My Rocker At The Art School BopIncrível, porque no disco inteiro há pouca coisa de realmente original. Porém, todos os clichês do glam-rock estão lá, amalgamados de maneira perfeita, de maneira a formar um conjunto de 10 canções inesquecíveis, e com letras do mais puro espírito britânico.

Hoje, poucos meses após o lançamento do disco, Haines recebe finalmente a consagração merecida. O vetusto jornal inglês The Guardian, por exemplo, aclamou Haines como o melhor compositor britânico da atualidade (acima de gente como Morrissey e Jarvis Cocker, inclusive). Vários blogs de música incensaram o trabalho, e quem se arriscou a dar notas, estas nunca foram inferiores a 8,5. Uma revista eletrônica chamada Faux Pás Magazine foi mais além: considera Haines o compositor mais talentoso da Inglaterra pós-Segunda Guerra.

Exageros (ou não) à parte, a verdade é que em três audições se pode ficar completamente alucinado com o disco. Na primeira audição, a sensação é de estranheza e de reconhecimento de riffs e blips e blops já escutados anteriormente (a única coisa boa que Haines trouxe do Black Box foram algumas experimentações eletrônicas interessantes). Na segunda, com os ouvidos já preparados, repara-se no talento de Haines em transformar em histórias bacanas cenas triviais do mundinho (e submundinho) londrino. E na terceira, já se coloca o CD no último volume – ou as músicas no mp3 player e se delicia com o conjunto da obra.

Através desse disco entrei em contato com aspectos da cultura e vida britânica que desconhecia. Como por exemplo a história do boxeador inglês Freddie Mills – que teria sido assassinado por motivos passionais – na canção “Freddie Mills Is Dead”. À semelhança de outras canções no disco, a música é quebrada em partes distintas. Começa em ritmo lento, quase fúnebre, vai crescendo, e acaba em um barulhento rock’n roll. “Secret Yoga”, que como o nome sugere, é uma ode à meditação ao estilo oriental, alterna estrofes puramente acústicas com um refrão pesadamente eletrônico, representando o que para mim foi a melhor canção de 2006.

“Leeds United”, a segunda música do disco, que vem a seguir da faixa-título e primeiro single, começa igualmente bela e traz no refrão sons da torcida do Leeds – um time em franca decadência na Inglaterra, que foi grande na década de 90 e hoje batalha para não cair para a terceira divisão – realidade semelhante a de certos times brasileiros. A letra celebra a cultura futebolística britânica e alguns personagens do esporte local, terminando com alguns segundos de um rock furioso.

O mundo de Haines é uma Inglaterra dividida entre a violência da juventude, a cultura narcisística das celebridades e uma luta de classes silenciosa mas feroz. Ele consegue tirar leite dessas pedras com talento, colocando os temas em letras irônicas, adornadas por um glam-rock misturado à eletrônica, o que o transforma em um artista único nesse mundo em a internet transforma qualquer mané em superstar em questão de segundos.

A alfinetada final de Luke Haines neste brilhante trabalho é “Bad Reputation”, música que fecha o disco, em que o alvo é facilmente identificável no refrão. “Gary Glitter is a bad, bad man.... for sullying the reputation of the glitter bands...” (referência ao roqueiro que foi preso acusado de pedofilia e que era um dos maiores nomes do glam-rock dos anos 70).

Para quem quiser saber o que acontece nos subterrâneos da sociedade britânica, curtir um som de alta qualidade (ou as duas coisas juntas), Off My Rocker At The Art School Bop é a pedida ideal.