Este
foi um dos melhores filmes da longa e grande carreira de Woody
Allen. Laureado com Oscars em Annie Hall, Allen sempre foi um
cineasta que conseguiu fazer filmes absolutamente perfeitos, utilizando
a comédia e filosofia, juntos. A trilha sonora não
deixa o filme na mão. Conduzindo a Filarmônica de
New York, o maestro indiano Zubin Metha fez um painel de polaroids
com as músicas do inesquecível compositor George
Gershwin. Depois de adquirido o CD, ele figura entre os meus favoritos,
assim como toda a obra de Woody.
O
que afinal estaria fazendo um filme de Woody Allen numa coluna
de rock? Já sei, ele é apaixonado por rock e colocou
os maiores clássicos em um CD! Não, não,
o cineasta só curte jazz e dos velhos, anos 20, 30 e 40,
o som mais chegado para New Orleans, o Dixieland.
O motivo de incluir uma trilha
sonora de um filme se explica pela beleza do disco e pela genialidade
do cineasta. Em 1997, eu havia encomendado via internet dois filmes
que sempre sonhava em ver, mas que não tinham sido lançados
no Brasil em vídeo: Annie Hall e Manhattan.
Me recordo que voltava do cinema, de madrugada, quando recebi
a caixa com os dois filmes. Meu primeiro instinto foi de pular
pelo apartamento todo. A segunda foi de medo: conseguiria ver
um filme de Woody Allen sem legendas? Meu inglês seria suficiente
para isso, ou perderia metade das piadas do filme? Bom, eu arrisquei
e fiz o que tinha que fazer, assistir. Mas com qual começar?
Preferi Manhattan.
Rodado em branco e preto,
começa com Woody discursando para fazer um texto ao filme.
A história se inicia em um bar qualquer com ele, já
bêbado, falando com sua namorada, a então novata
Mariel Hemingway (que pela primeira vez fazia um papel de destaque
em uma grande produção), e com o casal formado por
Michael Murphy e Anne Byrne.
Quem
conhece o cineasta sabe de sua predileção pela cidade.
Manhattan nada mais é do que uma declaração
de amor à cidade mais badalada do mundo e uma obra-prima
sobre a vida cotidiana das pessoas. Uma das grandes características
do filme do cineasta são as simplicidades das situações.
São histórias, tão comuns, poderiam ser interpretadas
como se fosse as nossas. Woody vive um homem de meia-idade que
tem um caso com uma garota (Mariel Hemingway) e divide a cena
com o casal amigo, Uma curiosidade: Anne Byrne era conhecida como
senhora Dustin Hoffman, pois era casada com o ator na época
e abandonou a carreira de atriz um ano depois, curiosamente, logo
após o divórcio.
Apesar
de ser um eterno infeliz na vida e no amor, segue uma vida absolutamente
trivial, até que o personagem de Michael Murphy conta que
tem um caso. A mulher era Diane Keaton e quem conhece Woody sabe
que ele iria se apaixonar pela personagem de Keaton e viver um
drama entre escolher a jovem, bonita e apaixonada e a insegura,
neurótica e chata Diane. Para melhorar ainda mais, Isaac
(personagem do cineasta) tem sua vida atormentada pela ex-mulher
Connie, uma lésbica assumida e que está escrevendo
um livro sobre a vida íntima do casal, contando todos os
podres, para desespero de Isaac. O medo de ter sua vida aberta
às pessoas sempre foi uma das características e
funciona como uma ironia, já que anos mais tarde teria
sua vida virada do avesso quando Mia Farrow o acusou de pedofilia.
Rodado
todo em preto-e-branco, é um primor de fotografia, direção,
roteiro e interpretação. O cineasta atravessava
então seu maior período comercial e conseguia filmar
um clássico em cima de outro.
O filme concorreu a dois
Oscars na época: melhor roteiro para Woody Allen e Marshall
Brickman e atriz coadjuvante para Mariel Hemingway. Ironicamente,
o diretor disse que esse filme não é nem um pouco
auto-biográfico, embora todos jurem que é. “Talvez
seja a história de Marshall, mas não a minha”,
o que obviamente, não é verdade. Woody Allen é
assim e é ótimo que seja!
Fiquei assistindo até
duas da manhã e feliz por ter entendido 90% dos diálogos.
E um dor trunfos é sua trilha sonora. Allen sempre teve
uma grande preocupação com as músicas e sempre
preferiu usar clássicos dos anos 30 e 40 do jazz, marca
registrada até os dias de hoje. O mais importante de tudo
é prestar a atenção em como a música
vai seguindo no filme, já que ter uma trilha com George
Gershwin não é privilégio de qualquer um.
O
disco começa com “Rhapsody in Blue”, uma ode
com 16 minutos que começa de maneira mansa e vai ganhando
forma, enquanto ele vai montando um prólogo. Ouvindo a
narração de Woody, com a música de pano de
fundo, é maravilhoso. Ela te transporta para dentro daquele
universo.
Seguem-se outras 17 sketches
variando entre 3 minutos e algumas com poucos segundos. Metha
conseguiu com maestria conduzir “Someone to Watch Over Me”
(a minha preferida do repertório de Gershwin), por mais
de 3 minutos, assim como toda as outras canções.
O resultado acaba sendo um disco é tão prazeroso
quanto o filme.
É uma surpresa que
ele tenha feito um disco musicado em apenas um compositor, já
que na maioria das vezes, ele utiliza as antigas bandas de Dixieland
nas trilhas sonoras.
O filme também pode
ser considerado uma divisão na sua carreira, já
que a seguir fez outros inspirados em Ingmar Bergman, onde apenas
dirige, sem ter participação como ator.
Manhattan é
para ser visto e ouvido de madrugada, naquele dia em que você
está com um pouco de insônia, com a cabeça
leve e em paz. Uma de seus trunfos foi a maneira que conseguiu
criar um estereótipo: neurótico, nervoso, agitado,
sempre em conflito com a religião. Marcou tanto no cinema,
que até no filme Formiguinhas, em que ele fez a
voz de Z, o diretor se inspirou nele para fazer um personagem
frágil, fisicamente e psicologicamente, e niilista.
Assistir Woody Allen é
sempre um grande prazer, mas ouvir os cds (ou antigos vinis) da
trila sonora igualmente são. Em todos filmes o jazz é
a música de fundo. Não consigo me esquecer de Simplesmente
Alice, filme em que não atuou. Em uma cena que Mia
Farrow transa com Joe Mantegna, ao fundo, se ouve Thelonious Monk
tocando “Darn That Dream”. Woody mostre então
a capa do disco Monk's Dream. Acreditando que a música
estivesse naquele LP, comprei. Só que não estava,
e sim em Monk Solo. Um pequeno erro histórico de
Allen.
Paro por aqui. Não
sei mais o que falar, essa foi a coluna mais confusa que já
fiz, mas tentei passar o clima do filme e do disco. Se consegui,
não sei. Quando receber e-mails (se receber), comento na
próxima coluna. Um abraço!
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