Desde criança sempre sonhei em poder
ao menos uma vez ver alguns músicos que fizeram minha cabeça.
Para um garoto do interior chegar perto já seria o máximo.
Um autógrafo e uma fotografia, era a materialização
de um sonho. Aos 13 anos realizei parcialmente este sonho ao tirar
uma fotografia com o imortal zagueiro do Palmeiras, Luís
Pereira, em uma partida que o Verdão aplicou 3 a 0 no Comercial,
lá em Ribeirão Preto. E o legal de ter virado jornalista
é que conheci muito desses personagens que habitavam meu
imaginário. E confesso que me decepcionei com vários
deles, me simpatizei com outros que não curtia e alguns
corresponderam totalmente minha expectativa idealizada. Marcelo
Nova encaixa neste último caso.
Já
havia esbarrado com o homem uma meia dúzia de vezes nas
galerias de São Paulo, mas só fiquei mais próximo
da lenda quando era balconista da extinta e saudosa Sweet Jane.
Marcelo é uma piada.
Deu apelido para todo mundo de lá (o meu eu não
revelo nem sob tortura), mexia com os clientes e quando alguém
pedia Belle & Sebastian, podia esperar uma gozação
com o coitado que estivesse adquirindo um cd “dessa banda
assexuada”.
Ele é assim mesmo,
sem papas na língua e de um humor corrosivo. Resolvi ligar
então para pedir uma entrevista. Marcamos o dia e liguei
pontualmente. Quase não o pego, estava de saída,
mas no seu melhor estilo disse: "fala aí meu velho,
vamos conversar um pouco, depois se precisar nos falamos mais
outro dia."
Esse um pouco foram 55
minutos. Entre perguntas e respostas, ficamos rindo dos casos
do passado e das besteiras - muita coisa não entrará
aqui, (in)felizmente. Antes que alguém se ofenda com o
que vai ler, já aviso: essa entrevista é um bate-papo
dos mais informais e não deve ser levado mais sério
do que isso. Quem quiser filosofar em cima, que dê um tiro
no dedão do pé.
Marcelo é daqueles
caras que sempre tem uma frase na ponta da língua quando
provocado. Quantas vezes não ouvi dizer “sou baiano,
mas não sou Caetano” quando perguntavam o motivo
de não tocar MPB como seus conterrâneos. Fora as
tiradas de sarro em alguns clientes e um monte de autógrafos
que dava para a molecada que entrava na loja e dava de cara com
ele. “Você é o cara do Camisa?” perguntavam,
incrédulos. Entre um sorriso e outro, Marcelo falava: “é,
sou, fui e hoje estou descamisado”.
Quase não ninguém
entendia a piada, só os mais próximos. Desde que
acabou com a banda e resolveu bater asas por conta própria,
fez de tudo um pouco, mas sem largar o rock and roll, paixão
desde garoto, quando descobriu Little Richard.
Para quem não sabe,
o homem está vindo de quatro meses de inatividade. O motivo
foi o mais trivial possível: pedra nos rins. “Já
arranquei três, faltam mais três.” Extraiu com
britadeira? “Quase isso meu rapaz, deixei os médicos
malucos”, conta sempre rindo. Apesar de necessitar de repouso
completo, fez dois shows nesse período. Só amarrando
o dito para ficar quieto.
Marcelo está há
muito tempo fora da “mass media”. Lançou um
ao vivo pela Baratos Afins, e seu último trabalho saiu
pela Indie Records. Ele também vende em seu site pessoal
e após as apresentações que faz pelo país
afora. O próximo será em Minas Gerais. Mas chega
de enrolação e vamos com os pensamentos deste que
se intitula o último de uma espécie.
Mofo: Você
está com uma coletânea nova. Fale um pouco dela,
por favor.
Marcelo Nova:
Ela se chama Em Ponto de Bala e saiu pela Indie
Records. Ela foi retirada do meu álbum anterior, que era
uma caixa chamada Tijolo na Vidraça, lançada
pela Som Livre. Separei canções que fiz com o Camisa,
com o Raul, solo. E como material inédito, as duas últimas
faixas do CD," Bomba-Relógio Ambulante" e a nova
versão de "Eu Não Matei Joana D'Arc",
ao vivo.
Mofo:
Como você a está comercializando?
Marcelo Nova:
Está disponível em qualquer loja e no meu site (www.uol.com.br/marcelonova).
E quem preferir, ligue para o telefone (11) 5541-0301.
Mofo: Eu sempre
lembro de você brincando quando alguém te comparava
com o Caetano Veloso. O que você achou do homem quando ele
tremeu todo no Oscar?
Marcelo Nova:
Sei lá, eu não vejo essas coisas. Ele tremeu? Problema
dele...
Mofo: Eu pergunto
isso porque tanto ele como o Gilberto Gil estão em evidência.
Aliás, o que espera do Gil como ministro?
Marcelo Nova:
Nada. Eu odeio política, não tenho nada a declarar.
Aliás, tenho sim: espero como qualquer brasileiro que o
Brasil caminhe em frente. Eu penso o seguinte: eu vou ser enterrado
aqui, não em Paris, ao lado de Jim Morrison, Baudelaire.
Não tenho ilusão em relação à
política. Ninguém fala em Ministro da Cultura, falam
em Gilberto Gil.
Mofo: Eu fiz uma
entrevista com o Roger e ele me disse que o brasileiro é
muito conformado, que prefere culpar alguém do que tentar
resolver seus problemas...
Marcelo Nova:
Mas é isso mesmo! Veja o exemplo dessa guerra. Tá
todo mundo malhando o Bush. É claro que ele está
errado em promover essa loucura, mas responsabilizá-lo
por todos os atuais problemas do mundo é besteira. O Bush
é a bola da vez...(risos)
Mofo: Você
tem saudades dos tempos do Camisa? Já pensou em voltar
com o grupo?
Marcelo Nova:
Velho, não tenho. O Camisa foi uma banda que montei quando
garoto e não tenho intenção de voltar. Quando
você fica adulto não quer ficar atrelado aos brinquedos.
Isso não significa que de vez em quando eu queira brincar
com meu autorama...(risos)
Mofo: Um dia eu
vi em uma loja A Panela do Diabo (disco em parceria com Raul Seixas).
Ele está em catálogo?
Marcelo Nova:
Acho que está sim.
Mofo: Mas no catálogo
de quem, no seu ou no do Raul?
Marcelo Nova:
Vai saber. As gravadoras relançam o que querem, mas é
à revelia do artista. Às vezes vejo coletânea
minhas ou do Camisa que nem sabia que existiam. Gravadora é
uma coisa muito unilateral. É uma sociedade onde você
é obrigado a acreditar na palavra do parceiro.
Mofo: Você
tem idéia de quanto o Camisa vendeu?
Marcelo Nova:
Não, porque quem controla isso é a gravadora. Eles
falam um número e você não tem como contestar.
Mofo: Como você
faz dinheiro com álbuns independentes?
Marcelo Nova:
O problema de ser independente é a distribuição.
Você tem pequenas alternativas, mas é difícil
fazer um disco tocar na rádio. E quem não faz parte
da indústria está fora. O Grampeado em Público
(disco ao vivo em dois volumes lançado pela Baratos Afins)
eu fiz um pouco de televisão, rádio, mas tinha que
vender nos shows, porque os fãs me escreviam pedindo, já
que não achavam. Deve ter vendido umas 5, 6 mil cópias,
o que é um bom número, pois não tinha como
vender mais dessa maneira.
Mofo: E como você
lida com os e-mails?
Marcelo Nova:
Não lido, eu tenho alergia... risos.. Falando sério,
eu tenho um cara bacana chamado Ari Mendes que é tarado
por computador, internet. Ele geralmente responde minhas perguntas
porque sabe o que pode escrever, mas às vezes me consulta
quando aparece uma diferente.
Mofo: E o site
é muito visitado?
Marcelo Nova:
Muito. O Ari já cadastrou mais de duas mil pessoas e fica
correspondendo com elas. O homem dorme em cima do teclado se deixar.
Mofo: Você
recebe muita demo?
Marcelo Nova:
Recebia quando trabalhava na Secretaria de Cultura. Hoje quase
não recebo.
Mofo: Quem está tocando com você hoje em
dia?
Marcelo Nova: É a
mesma turma há quatro anos: Lu Stopa no baixo, Márcio
Guedes na guitarra, Dênis na bateria e ocasionalmente, Johnny
Boy.
Mofo: Em que categoria
do rock brasileiro você se encaixa hoje em dia?
Marcelo Nova:
Em nenhuma. A minha tribo é dos moicanos. E eu sou o último
e me relaciono bem com minha solidão.
Mofo: Seus shows
vivem lotados, não é?
Marcelo Nova:
Algumas vezes sim e outras não Muitas vezes meu shows não
têm muito público porque não faço Faustão.
O que acontece é que os artistas não podem falar
isso, é vergonhoso. Eu não tenho essa frescura,
toco sempre com a mesma postura. As pessoas precisam entender
que para um show vender bem, não depende só de mim,
mas também da divulgação, de vários
outros fatores.
Mofo: Como vê
a atual geração do rock nacional? Marcelo
Nova: Sabe o que mais quero? Eu torço para aparecer
algum moleque que dê um chute no saco do Gugu Liberato,
mas só aparece garoto comportadinho, que de rebelde só
tem a cor do cabelo ou um monte de piercings. Muitos deles devem
apanhar ainda na palmatória dos professores. Eu não
me interesso pelo novo rock nacional e mundial.
Mofo: O que gosta
de ouvir?
Marcelo Nova:
Só cara mais velho do que eu... Dylan, Patti Smith, Stones,
Byrds, Lou Reed, Leonard Cohen...
Mofo:
O que achou do último disco de Dylan, Love and Theft?
Marcelo Nova: Love and Theft é
um dos melhores discos da carreira dele. Ele surpreende ainda
e não é fácil, porque já são
40 anos de carreira. Time Out of Mind (álbum
anterior, de 1997) contemplava a velhice, a morte, é sombrio
nas palavras, embora em nenhum momento perdesse o vigor. Esse
é quase autobiográfico. Ele descreve como as pequenas
coisas influem no geral. É sutil, mistura sarcasmo, inteligência
e é uma tentativa de superação. Ninguém
chega perto dele. Ele está há 1 milhão de
quilômetros de qualquer mortal, é de outro planeta.
Dylan nasceu gênio. Um garoto que aos 23 anos escreveu “Mr.
Tambourine Man” sem ter tido tempo para viver o suficiente
para escrever essa letra só pode ser alguém especial.
Nós, os normais, só conseguimos fazer algo parecido
com o tempo, depois que amadurecemos, burilamos nosso ofício.
Por mais que sejamos bem sucedido nossa busca, a faísca
de nossa obstinação está distante do incêndio
da genialidade. É DNA.
Mofo: Como foi
crescer nos anos 60?
Marcelo Nova:
Maravilhoso. Naquela época tinha Byrds, Beatles e Rolling
Stones, cada um com sua sonoridade. Três bandas de jovens
cabeludos, mas com uma forte característica impressa. Hoje
em dia, todos querem imitar o Pearl Jam, porque não importa
mais a originalidade e sim o que o mercado quer.
Mofo: E aquele
seu projeto em fazer um disco em parceria com Eric Burdon?
Marcelo Nova:
O disco nunca foi conversado seriamente. Ele acabou de casar com
uma garota grega de 25 anos. Conversei com ele há 15 dias,
mas nunca falamos disso, porque depende dele, afinal é
o Eric que está negociando, ele é a lenda. Eu continuo
esperando como um fã.
Mofo: Você
afirma que ninguém chega perto de Dylan nas letras. Mas
nunca escondeu seu fascínio por Hendrix. Pode-se afirmar
que ele é o Dylan da guitarra?
Marcelo Nova:
Sim. Hendrix usava a sonoridade da guitarra, está muito
próximo de Dylan. Um recriou o universo musical e a guitarra
divide-se entre antes e depois de Jimi. Com ele acabou a ingenuidade.
Mofo: Há
muito tempo não surge uma grande banda. Talvez a última
tenha sido o Nirvana, mas eu acho que se eles tivessem aparecido
no meio do movimento punk seriam uma boa banda, mas não
mais do que isso...
Marcelo Nova:
Velho, concordo com você inteiramente. O Nirvana é
uma das bandas mais superestimadas que já vi, uma coisa
de louco. É que nem os Beach Boys. Os americanos adoram
dizer que o Brian Wilson influenciou os Beatles. Dá um
tempo! O Brian não serve nem para amarrar os sapatos deles!
É o tipo de distorção que não dá
mais para mudar.
Mofo: E a banda
da viúva dele, o Hole?
Marcelo Nova:
Eu só digo uma coisa: nunca uma banda teve um nome tão
perfeito sexualmente falando....risos (Hole em inglês significa
buraco).
Mofo: Vai sair
algo novo esse ano?
Marcelo Nova:
Já tenho um disco pronto e quero lançar esse ano,
mas não sei como e quando. Será com músicas
inéditas, o que não faço há anos.
Como fiz 50 anos está na hora de seguir em frente e parar
de olhar meu umbigo.
Mofo: Qual seu
disco solo favorito? E o do Camisa?
Marcelo Nova:
Meus discos solos são tão distintos e não
sei qual escolher. Ninguém sabe, mas eu fiz acústico
antes disso virar moda. Já o Camisa era uma banda com estilo,
uma unidade, era “bota prá foder” mesmo. Eu
gosto muito do Viva!
Mofo: Para encerrar,
mande uma mensagem para seus fãs...
Marcelo Nova:
Ih, cara uma mensagem? Sei lá. Você quer uma mesmo?
(pensativo...) Deixa ver. Ah, já sei! Molecada, o Big Brother
não é tão BIG e o Little Richard não
é tão Little!
E não esqueçam:
para quem quiser conversar com Marcelo ou mandar um e-mail (o
Ari jura responder todos com a bênção do homem),
entre no site www.uol.com.br/marcelonova. Até mais!
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