155 - MC5
 

Se existiu um grupo que mereceu a pecha de radical, foi o MC5. Apesar de serem semi-desconhecidos e terem vendagens modestas, o grupo foi perseguido pelo governo norte-americano nos anos 60 e 70 como poucos. E não é para menos. O MC5 abraçava causas "perigosas" e seu empresário, John Sinclair, era um cara barra-pesada, e pegou uma pena de 10 anos na cadeia por tráfico de drogas. Parceiros de fé - até moraram juntos - dos Stooges, o MC5 apareceu com um dos discos mais sujos, esporrentos e violentos da história, o seminal Kick Out The Jams, com seu clássico grito "Kick Out the Jams, Motherfuckers!". Muito antes de Sex Pistols, Ramones, Clash, Dead Kennedys e outros punks aparecerem, o MC5 já era uma lenda. De curta vida, como um bom grupo "proto-punk", mas que vida...


da esquerda para a direita:  Fred Smith, Dennis Thompson, Michael Davis, Rob Tyner e Wayne KramerOlhe para os rostinhos lindos desses cinco gatos. Não são os genros que sua mãe pediu a Deus para sua irmã menor?

Esses cinco rapazes distintos foram, isso sim, uma das maiores preocupações da América puritana dos anos 60 e viraram lenda com sua postura extremamente radical em que pregavam o sexo, as drogas e a anarquia. O MC5, literalmente, arrepiava.

Mas para entender bem o motivo de tanto ódio das "autoridades constituídas" vamos ver como tudo começou...

O MC5 nasceu em 1965, o grupo era chamado inicialmente The Motor City Five, uma clara referência à cidade de Detroit, berço da indústria automobilística e rapidamente abreviou o nome para apenas MC5.

Segundo o guitarrista Wayne Kramer, os integrantes já haviam se esbarrado antes: "nós já existíamos antes de sermos conhecidos como MC5. Eu e Fred Smith éramos de bandas rivais em nossa vizinhança, em Lincoln Park, no subúrbio de Detroit. O grupo de Fred era chamado de Vibratones e o meu era o Bounty Hunters. Mas todos tínhamos as mesmas paixões: carros com motores possantes. Nessa época, para sobreviver, eu vendia sorvete perto dos locais de corrida. Gostava daquela coisa barulhenta e rápida. Queria montar uma banda assim. Minha primeira experiência vendo alguém tocando rock and roll ao vivo foi com Del Shannon e sua banda instrumental, The Ramrods. Eles usavam paletós vermelhos, tocavam alto e achei que era o melhor modo de vida que havia. Por isso, eu e Fred resolvemos formar um supergrupo da vizinhança, combinando os melhores músicos dos dois grupos. Mais tarde, encontramos Rob Tyner, que era um beatnick e foi dele a idéia de chamar a banda de MC5, porque, segundo ele, soaria como um número de série, como o das fábricas de motores."

O MC5 começou então a desenvolver um estilo agressivo em suas apresentações, particularmente ajudado pelo visual dos cinco garotos - todos com cabelos compridos e nada simpáticos.Mas a banda não se contentava apenas em tocar alto; eles queriam também criar confusão e rapidamente ficaram famosos por serem considerados "revolucionários".

capa do compacto I Can Only Give You EverythingEra comum dizer que o MC5 não era um grupo de rock e sim um modo de viver. Entre 1965 e 1966, a banda fez todo o circuito de festas e bailes de Detroit como qualquer banda de garagem iniciante.

A formação já contava com Rob Tyner nos vocais, Fred e Wayne nas guitarras, Michael Davis no baixo e Dennis Thompson na bateria.

Em 1966, o grupo lançou então um compacto com as canções "I Can Only Give You Everything" e "One Of The Guys" gravado no United Center e no Tera Shirma, em Detroit, em rápidas sessões. A primeira canção era assinada pela dupla T. Scott e P. Coutler e a segunda pelo grupo, que era chamado de MC-5.

Após o lançamento do primeiro compacto, o MC5 acabou encontrando um importante aliado e uma das figuras mais polêmicas dos anos 60: John Sinclair.

John Sinclair havia nascido em 1941, na cidade de Flint, no estado de Michigan e se formou em literatura em 1964 na Universidade de Michigan.

John SinclairEm 1965 resolveu se dedicar ao mundo das artes - mais especificamente poesia e música e mudou-se para Detroit, onde freqüentava clubes de jazz para tocar seu sax.

Em novembro de 1964 formou junto com quatorze outras pessoas, o Detroit Artists' Workshop, organização que ajudou a promover inúmeros festivais de jazz e leituras públicas de poesia, sempre promovendo os talentos jovens da região.

Wayne volta a lembrar de como acabaram conhecendo Sinclair: "quando começamos, percebemos que toda aquela cultura hippie que víamos nos subúrbios de Detroit iria virar algo importante e nós queríamos chegar ao chefe deles, que era, no caso, John Sinclair.

Ele tinha acabado de sair da cadeia após cumprir uma pena de seis meses (era a segunda prisão dele por porte e venda de maconha. A primeira havia sido em setembro de 1964 e a segunda em outubro de 1965) e ele estava organizando um evento cultural para aquele verão. Todo mundo apareceu por lá e tivemos que esperar quase o dia inteiro para nos apresentarmos, já que havia um monte de poetas lendo seus textos e dançarinos e só conseguimos subir ao palco lá pelas quatro da manhã. Aí resolvemos colocar carga máxima nos nossos amplificadores e todos os hippies e beatnicks ficaram em choque, mas acabaram dançando. E quando nós estávamos dedicando uma canção a ele, veio sua esposa e desligou nossos amplificadores. Nosso relacionamento com ele havia começado de uma maneira ruim. John tinha uma coluna em um jornal underground local e tinha nos criticado, dizendo que tínhamos que ouvir John Coltrane e Sun Ra. Fiquei irritado e fui até a casa dele, cobrar satisfações e dizer que nós conhecíamos, sim, Coltrane e Ra. Disse que estávamos também na Comunidade e que precisávamos de um local para ensaiarmos. Pedi que deixasse o MC5 ensaiar no Artist Workshop. Ele concordou e selamos a amizade fumando um baseado."

capa do compacto Looking At You. Reparem um perfil de John ColtraneContra-capa do compacto

Com isso, o grupo havia conseguido um importante aliado e em 1967 gravaram um novo compacto, com as canções "Looking At You" e "Borderline" produzido pelo próprio John Sinclair. A capa é um achado, com uma foto de John Coltrane de perfil.

Esse foi também o primeiro documento que mostrava toda a energia que tinha feito a fama do MC5. Wayne disse que o disco foi algo visceral: "tinha algo a ver com paixão e comprometimento, que depois acabaria virando uma coisa mais fria. Mas nossa ênfase era em dar o sangue no palco e não tínhamos uma postura intelectual. Éramos autênticos lutadores."

O MC5 foi ganhando um grande número de seguidores, inclusive fora de Detroit. O grupo acabaria conhecendo Russ Gibb, que construiria o Grande Ballroom, um local com capacidade para mais de quatro mil pessoas e que seria palco para várias bandas da região nascerem, como o Stooges. O Ballroom teria no MC5 um campeão local, lotando invariavelmente seus shows.

Por outro lado, Russ Gibb queria fazer do Grande Ballroom um local para grandes shows e que pudesse receber artistas do mundo todo. E o MC5 acabou marcando a casa.

"O que Gibb queria era uma banda que fizesse do Ballroom sua casa. Ainda não havia dinheiro envolvido porque tudo começou de maneira bem lenta. Eu ainda estava estudando engenharia e muitas vezes quando íamos ensaiar no Grande precisávamos estar vestidos com pesados casacos porque fazia muito frio e Gibb não podia nos dar o luxo de termos aquecimento no local para ensaiarmos", lembra Dennis Thompson.

Mas Sinclair não queria apenas estar ligado a um grupo de rock. Escritor talentoso e colaborador de dezenas de revistas e jornais, tinha fundado um pequeno jornal chamado Guerrilla, que pregava uma grande revolução cultural. Nascia assim um grupo chamado Trans-Love Energies Limited, um misto de comunidade hippie e cooperativa trabalhista com fins de organizar eventos de contra-cultura. Paralelamente a isso, criou o movimento dos White Panters (Panteras Brancas), que se espelhava na organização dos The Black Panther Party (Partido dos Panteras Negras), formados por negros na Califórnia.

Junto com Pun Plamondon funda então o The White Panther Party (Partido dos Panteras Brancas), em novembro de 1968. A comunidade que fora Trans-Love acabou canalizada em semear as ideologias dos Panteras Brancas, que começou como um braço do Youth International Party - fundado em Chicago no inicio do ano por Abbie Hoffman - mas que em tempo acabaria com afiliados em todo o país. A premissa maior deste grupo radicalmente contra o sistema, exigia liberdade econômica e cultural para todos e se achava no direito de usar quaisquer meios para conseguir seus objetivos.

Para poder promover sua ideologia, Sinclair começou a empresariar várias bandas locais, como o Up. Toda esse movimento começou a causar fricção em todo o país e a banda começou a ficar famosa nacionalmente, especialmente após um incidente que virou manchete mundial: a violenta convenção do Partido Democrático, em Chicago.

Em fevereiro de 1968, o ativista Abbie Hoffman procura Allen Ginsberg e o consulta sobre a hipótese de montar um Festival da Vida em agosto em Chicago durante a semana que haveria a Convenção do Partido Democrático.

Promovido pelo Chicago Seven (Abbie Hoffman, Rennie Davis, Tom Hayden, Jerry Rubin, Lee Weiner, John Froines e David Dellinger), aproveitariam o festival para promover o Youth International Party, que passaria a ser conhecido informalmente pelo nome Yippies, e seu candidato à presidência seria um porco chamado Pigasus.

A prefeitura não deu permissão para o evento, marcado para ser realizado no Lincoln Park, mas ele se realizou mesmo assim.

Centenas de jovens foram no dia 25 de agosto de 1968 para o Lincoln Park no intuito de assistir música e ouvir discursos contra o governo do Presidente Lyndon Johnson. O prefeito Richard Daley deu ordem à polícia que atirasse para matar.

Naquela tarde de domingo, cerca de 10.000 jovens encontraram 11.500 policiais, 5.500 guardas nacionais, além de 7.500 tropas de choque, vindo do Texas a mando do Presidente, em pessoa.

As bandas que iriam tocar naquela tarde todas se acovardaram, menos o MC5. Depois de atiçar o público com a música, John Sinclair fez seu discurso inflamado.

Allen Ginsberg cantou "Hare Krishna" e "The Grey Monk", seguido de outro set com o MC5 novamente inflamando o público. Momentos depois de terminarem de tocar, a polícia, que assistia tudo à distância, entra pelas bordas do parque e passou a atacar a todos, indiscriminadamente.

"Uma hora antes de começarmos a tocar nos deram uns biscoitos feitos de haxixe e avisaram para comermos apenas um porque era muito forte. É claro que comemos vários e durante nossa apresentação, quando tocávamos 'Starship', que fala sobre guerra e as leis dos homens começamos a ver helicópteros da polícia acima de nós. E eles faziam um ruído infernal e eu pensava que casava lindamente com nossas guitarras", lembrou Wayne Kramer.

Dennis Thompson, que sempre teve sérias discordâncias com John Sinclair, especialmente em atividades políticas, lembra do medo que sentiu: "eu era o único da banda que não gostava nem um pouco das idéias de misturarmos nossa música com essas manifestações políticas. Eu não queria ficar levantando bandeiras que diziam 'vamos fumar marijuana, vamos usar LSD e trepar nas ruas' porque isso não era o MC5. O verdadeiro MC5 era uma banda de rock and roll, tentando ser melhor que o The Who, The Rolling Stones e The Kinks juntos. Por isso, quando vi todos aqueles policiais, eu só pensava 'Jesus Cristo, se isso é uma revolução nós já perdemos. E de repente percebi que não havia mais nenhum caminhão dos outros artistas que iriam tocar e berrei para o John onde estavam os outros. Parecia o General Custer contra os índios. Eu me perguntava onde estava a cavalaria, porque não havia ninguém para nos ajudar. E eu pensando onde estava Janis Joplin, que tinha ido buscar cerveja. O parque inteiro estava cercado por policiais."

Mas a audácia do grupo em tocar naquela confusão rendeu o que Sinclair tanto desejava: manchetes. Até o renomado escritor e jornalista Norman Mailer escreveu sobre o MC5 e com isso eles acabaram chamando a atenção de um selo que começava a aparecer, a Elektra.

Danny Fields era um executivo da gravadora e que tinha como missão principal buscar novos grupos, especialmente após o grande sucesso que o selo havia tido com o primeiro disco do grupo californiano The Doors.

foto da festa para assinatura do contrato. Jac Holzman é o senhor de terno, à esquerdaFields conta como ouviu pela primeira vez o nome MC5: "Bob Rusnick e Dennis Furley tinham uma coluna no East Village Eye chamada Kocaine Karma e os dois estavam me falando sem parar de um grupo de Detroit e berravam que eu precisava ver o grupo. 'Você precisa conhecer o MC5. Você precisa assistir o show deles. Eles são a melhor coisa do planeta. Eles são terrivelmente populares. Eles lotam todos os lugares no Meio-Oeste. Eles não são apenas uma banda, são uma maneira de vida'. Então acabei indo ver a banda ao vivo no primeiro final de semana do outono de 1968. Eles me pegaram no aeroporto e me levaram para sua casa. Eu estava espantado com tal tratamento e John Sinclair ficava me mimando com todo seu charme e sua inteligência e obviamente eles lotaram o Grande Ballroom quando fui assisti-los. Eles estavam vestidos todos de seda e tocaram muito bem. Depois disso, ainda assisti os Stooges e fiquei apaixonado pelas duas bandas e na segunda-feira liguei para Nova York e falei com Jac Holzman, diretor da Elektra, e disse que tinha visto as duas mais jovens e promissoras bandas da América e pedi para contratar os dois grupos. Jac disse ok e ofereceu 20 mil dólares para o MC5 e 5 mil dólares para os Stooges. Sinclair e Jim Silver, empresário dos Stooges, puxaram uma cadeira quando falei com eles. Estavam radiantes de felicidade."

foto do show da gravaçãoO primeiro passo tomado pela Elektra foi assinar o contrato com as duas bandas.

Para isso, Jac Holzman se encaminhou até Ann Arbor, cidade que o grupo tinha escolhido para morar, fugindo um pouco da pressão da polícia de Detroit em cima de John Sinclair e da própria banda. Ann Arbor era também a cidade dos Stooges, em outubro de 1968.

Gravadora e banda resolveram que nada melhor para o primeiro disco do que gravarem ao vivo, em seu ambiente favorito, o Grande Ballroom. Dessa maneira escolheram os dia 30 e 31 de outubro, que coincidiam com o Halloween e também com o final do ano do calendário Zenta.

O show foi histórico e o Ballroom ficou lotado até não poder mais. Com os fãs berrando providencialmente o já tradicional grito "kick out the jams, motherfuckers!!" - algo como "ponham tudo para fora, filhos da puta!!!" -, o grupo realizou uma performance alucinada.

capa do disco Kick Out The JamsDessa maneira, em janeiro de 1969, sai finalmente o tão aguardado disco do MC5, Kick Out The Jams. Um disco que é cercado de grande confusão.

A gravação mostrava a banda em seu estado bruto, com muita velocidade, energia e viagens malucas, como a faixa final, 'Starship", em parceria com o jazzista Sun Ra. Ninguém conseguia reproduzir um som tão urgente e violento como o MC5 naqueles dias.

As guitarras de Fred "Sonic" Smith e de Wayne Kramer, eram seguidas pela cozinha intensa de Dennis Thompson e de Michael Davis, além da habitual presença insana de Rob Tyner. Ninguém havia debutado com um disco ao vivo e muito menos com tanta fúria. O grupo queria colocar o termo motherfucker na capa e também na letra da canção, mas foram convencidos de que não era uma boa decisão comercial, e assim, tiraram a expressão.

O disco teve até uma boa acolhida nos primeiros dias e vendeu razoavelmente. Porém, o que mais ajudou a vender não foi a música e sim as confusões em que a banda se meteu e que chamaram mais a atenção. Duas delas ficaram particularmente famosas e acabaram marcando a demissão de Danny Fields da Elektra.

A primeira delas foi o histórico show que acabou em pancadaria e quase morte dos integrantes no antológico Fillmore East. Bill Graham, dono do local e um dos maiores incentivadores da contra-cultura, concordou em abrir o local para um show do MC5, em Nova York, embora temesse os "motherfuckers", alucinados fãs da banda. O Fillmore já era um lugar quase sagrado para os shows de rock, tendo abrigado todas as grandes bandas da época.

Os motherfuckers já faziam pressão em cima de Graham para que ele liberasse o local para o MC5 e Holzman achou genial divulgar o disco em um local tão importante. Ficou tão animado que propôs distribuir 500 ingressos grátis entre os motherfuckers para aplacar a ira de alguns. Só que esses ingressos jamais foram distribuídos. Com a fama por terem tocado no quebra-pau de Chicago, no ano anterior, vários líderes de movimentos contra a Guerra do Vietnã estiveram presentes, entre eles, Abbie Hoffman e Jerry Rubin. E o que fez Danny Fields?

"Tive então a idéia mais imbecil de minha vida. Com a cabeça cheia de ácido e maconha, resolvi que levaria o grupo ao show de limousine. O que era para ser uma celebração ao MC5 virou um protesto quando os fãs reconheceram os músicos dentro do veículo e começaram a xingá-los de 'vendidos', 'traidores, vocês são um deles e não dos nossos'. A banda não estava entendendo tamanha revolta, porque era, obviamente, uma brincadeira. Mas os fãs do MC5 não gostavam de brincadeiras. Nem um pouco. Para piorar, Rob Tyner estava nervoso com toda aquela tensão e logo que o show começou soltou uma frase infeliz: 'nós estamos aqui pelo rock and roll e não pela música'. Foi o estopim para uma grande confusão."

A confusão, no caso, foi a tomada do palco pelos fãs, que destruíram todo o equipamento e cercaram a banda no palco, cobrando explicações. "Eles começaram a nos xingar e diziam que éramos revolucionários de merda, que pregávamos a revolução, mas não fazíamos nada. De repente uma das pessoas que estavam conosco, Jesse Crawford, viu que um maluco ia enfiar uma faca nas costas de Wayne e o deteve. Foi uma confusão geral e naquela loucura, conseguimos sair do teatro, entrar na limousine e fugirmos. Eles destruíram o teatro inteiro: cadeiras, cortinas e ainda perseguiram nosso carro, jogando pedras, vidros, e nos chamando de vendidos. Foi uma verdadeiro pesadelo", lembra Dennis Thompson.

A outra confusão, embora não tenha tido um único ato de violência, gerou enormes prejuízos à gravadora.

A loja de departamentos Hudson em Detroit, ficou furiosa com o grupo e se negou a vender qualquer cópia de Kick Out The Jams ou de outros artistas da Elektra após esse pôster, em que o grupo promovia a venda do disco em um jornal de Ann Arbor, o Argus, com o slogan "Kick out the jams, Motherfuckers! and kick in the door if the store won’t sell you the album on Elektra " e tendo escrito embaixo do cartaz "Fuck Hudson", e ainda utilizando o famoso "E", marca registrada da gravadora, como se fosse um anúncio oficial da companhia.

Como retaliação, a loja simplesmente começou a devolver todos os discos da Elektra, ocasionando um enorme prejuizo para o selo. Jac Holzman, já insatisfeito com as baixas vendagens do MC5 e com a confusão no Fillmore East, não teve dúvidas: demitiu Danny Fields e rescindiu o contrato com o grupo.

Mas o pior estava para vir. John Sinclair, já o inimigo público número um da América, tinha caído em uma armadilha, e preso com dois pequenos cigarros de maconha em uma batida gigantesca, liderada pelo detetive Warner Stringfellow. A batida prendeu mais de 50 pessoas, mas todos foram liberados sob fiança. Todos não. Sinclair foi condenado a dez anos de cadeia por tráfico.

"O irônico de tudo isso é que a filha de Warner andava com a gente, era da nossa turma e ela vivia falando como seu pai odiava, John, que ele considerava um filho do demônio", lembra Wayner Kramer.

Wayne e o produtor Jon LandauSinclair disse que sabia que uma hora ou outra iria ser preso, porque afinal, era um grande arruaceiro, mas não esperava uma pena tão severa. Eu só fiquei com ódio mesmo do MC5."

Nesse exato momento, o grupo começava a gravação de um novo disco, por um novo selo, a Atlantic, acordo conseguido por Danny Fields e que rendeu 50 mil dólares ao grupo. Mas a banda atravessava um momento mais do que delicado.

"Não tínhamos mais um empresário e não sabíamos como lidar com dinheiro. Além disso, éramos odiados pelos antigos fãs, por John, por sua esposa Leni, que estava grávida quando ele foi preso, e por nossos fãs, que nos acusavam de traidores e todas aquelas coisas. Foi então que tentamos organizar um show para arrecadar dinheiro para John", conta Wayne.

O grupo começa a arrecadar dinheiro para o John Sinclair's Fund, mas ao mesmo tempo, Sinclair começa a enviar cartas para as revistas Rolling Stone e Village Voice descendo o pau na banda e, em especial, em Wayne Kramer.

capa do disco Back in the USALandau sugere que a banda arque com os custos do processo como forma de provar que eles não abandonaram o velho amigo, mas o grupo não consegue levantar tanto dinheiro.

Além disso, Landau quer colocar o grupo dentro do estúdio, o que impossibilita de fazerem mais shows. A solução é convidar Danny Fields para ser empresário do grupo, de maneira provisória.

Em outubro, lançam o novo disco, Back in the USA, um disco de rock and roll puro, com músicas mais curtas e a banda fazendo um som mais perto de suas raízes.

No dia 15 do mesmo mês lançam um novo compacto, com as canções "Tonight" e "Looking at You", regravada pela terceira vez e que era a "versão definitiva", nas palavras de Tyner.

capa do disco High TimeO grupo começa então a ser empresariado por Frank Barsalona, após Landau recusar o convite várias vezes. Barsalona tinha muito trânsito em Nova York e a escolha é bem acatada.

Em março de 1970 começam a primeira excursão pela Europa e em setembro entram novamente em estúdio para gravação de um novo disco.

Em abril de 1971, o The White Panter Party é oficialmente extinto e no dia 6 de julho a banda lança o último disco de estúdio, High Time. O disco mostra um MC5 mais afiado do que nunca e que mostrava todo o carisma da banda. Mas na verdade, o MC5 já era quase um nome a ser esquecido.

A grande marca desse período foi quando realizaram em 10 de dezembro um concerto em Ann Arbor, batizado de Free John Now e não convidaram o grupo para tocarem.

Três dias depois, Sinclair é solto, após a Suprema Corte de Michigan ter considerado sua prisão inconstitucional, dois anos e meio antes.

A partir daí, a carreira da banda estava irremediavelmente arruinada, mas o MC5 seguiu até o dia 31 de dezembro de 1972, quando fizeram o show de adeus no mesmo local em que foram consagrados, o Grande Ballroom.

A partir dali cada um seguiu seu caminho. Fred Smith montou um grupo, depois casou com Patti Smith e manteve-se fiel à sua esposa até sua morte, em 1994. Rob Tyner morreu em 1991, de um ataque cardíaco e os outros três remanescentes voltaram a se entender com Sinclair. Aliás, o MC5 passou por aqui recentemente. Na verdade, do grupo original vieram apenas o baterista Dennis Thompson e o baixista Michael Davis. Wayne é hoje um senhor careca, que segue em uma boa carreira-solo, lançando discos com regularidade.

capa do disco Babe in ArmsMas o que ficou para a história foi a lenda do MC5, que abraçou uma causa sem ter noção do que realmente significava e pagou um alto preço. Mas o som feroz permanece. Há alguns anos, saiu no Brasil a coletânea Babes in Arms e ainda pode ser encontrada. Lá, você terá um bom panorama de como era o som cru e urgente da banda.

Em 1991, Rob Tyner fez um texto para o lançamento de Kick Out The Jams em CD e definiu perfeitamente o MC5 dizendo que "fomos punks antes dos punks, new wave antes da new wave, metal antes do metal e MC antes do Hammer surgir." E talvez por soarem totalmente diferentes de seus contemporâneos, pagaram um alto preço.

Fiquem com a letra de "Kick Out The Jams" e a discografia do grupo. Um abraço e até a próxima coluna.

Kick Out The Jams

Kick out the jams motherfuckers !
Yeah! I, I, I, I, I'm gonna
I'm gonna kick 'em out ! Yeah !

Well i feel pretty good
And i guess that i could get crazy now baby
Cause we all got in tune
And when the dressing room got hazy now baby

I know how you want it child
Hot, quick and tight
The girls can't stand it
When you're doin'it right
Let me up on the stand
And let me kick out the jam
Yes, kick out the jams
I want to kick'em out !

Yes i'm starting to sweat
You know my shirt's all wet
What a feeling
In the sound that abounds
And resounds and rebounds off the ceiling

You gotta have it baby
You can't do without
When you get that feeling
You gotta sock'em out
Put that mike in my hand
And let me kick out the jam
Yes ! Kick out the jams
I want to kick'em out

So you got to give it up
You know you can't get enough Miss Mackenzie
Cause it gets in your brain
It drives you insane
With the frenzy

The wigglin guitars girl
The crash of the drums
Make you wanna keep-a-rockin'
Till the morning comes

Let me be who i am
And let me kick out the jam
Yes, kick out the jams
I done kicked em out!!!

Discografia

Kick Out The Jams (1969)
Back in the USA (1970)
Hight Time (1971)
Babes in Arms (1983)
Do It (1987)
Live Detroit 68/69 (1988)
American Ruse (1994)
Power Trip (1994)
Live 1969/70 (1995)
One Day Live in the Studio (1995)
Black to Comm (1995)
Looking at You (1995)
Thunder Express (1995)
Teenage Lust (1996)
Starship: Live at Sturgis Armory June 1968 (1998)
Greatest Hits Live (1999)
'66 Breakout! (1999)
The Big Bang: The Best of the MC5 (2000)
Motor City Is Burning (2000)
Human Being Lawnmower: The Baddest and Maddest Of MC5 (2002)
Extended Versions (20002)
Take 2: High Time/Back in the USA (2002)
Purity Accuracy (2002)
Are You Ready to Testify?: The Live Bootleg Anthology (2005)

   

 

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