Esta entrevista
é outro truque, semelhante ao que fiz com Roger McGuinn.
Foi realizada no mesmo ano - 1997 - e resolvi escrevê-la
aqui, depois que muitos leitores (eu não sabia que tinha
tantos assim, sou eternamente grato) me pediram para que publicasse
meu papo com ele na íntegra. O gancho da conversa era o
lançamento do segundo álbum solo de Mike, Still
Burning (que tinha até então o nome provisório
Tree of Stars e sua participação em um disco que
homenageava o grande poeta irlandês William Butler Yeats
(1865-1939), Now and in Time to Be (A Musical Celebration of the
Works of W.B. Yeats). Além de Scott, que em parceria com
Sharon Shannon musicou ''A Song of the Rosy-Cross'', os destaques
são Van Morrison, o ex-vocalista dos Pogues, Shane MacGowan,
com a Cafe Orchestra, e o World Party. O disco abre e fecha com
Richard Harris declamando ''Under Ben Bulben''. Como maior curiosidade,
o próprio Yeats, Nobel de Literatura em 1923, recita seu
poema ''The Lake of Innisfree''.
Mike é um
dessas pessoas fáceis de conversar, simpático e
com idéias claras. Na época, ele não cogitava
uma volta com a banda, o que acabou acontecendo e lançaram
mais alguns cds. Sua grande meta era investir era continuar gravando
sem músicos específicos e livre das pressões
que o cercava com os Waterboys. Seu primeiro single com o grupo,
"A Girl Called Johnny", foi regravada em 1990 pela cantora
britânica Sandie Shaw (Sandie gravou pelo selo Rough Trade
e foi levada para lá por um de seus maiores fãs,
o cantor Morrissey) e saiu por aqui em uma coletânea da
gravadora.
A entrevista foi
publicada no dia 28 de fevereiro em versão reduzida e a
transcrevo agora integralmente.
Pergunta: Como foi o final dos Waterboys?
Mike Scott: Foi um período meio doloroso, já
que fiquei ligado a eles um bom tempo. Ao mesmo tempo, me senti
bem, pois pude fazer algumas coisas que sempre quis.
Pergunta:
Mas a banda sempre teve outros projetos. Karl Wallinger, por exemplo,
montou o World Party.
Mike Scott: É verdade, mas era um lance dele.
Steve Winckham (violinista), também tocou em alguns discos
de outros caras, como o U2, mas nem por isso optou por sair.
Pergunta: Mas Steve
entrou a partir de Fisherman's Blues.
Mike Scott: Mas sempre tocou conosco. Ele é um
grande músico e amigo.
Pergunta: Vocês
fizeram muito sucesso com a música ''The Whole of the Moon''
(86) e, quando todo mundo esperava um novo disco nos mesmo moldes,
vocês lançam um disco folk, Fisherman's Blues. Por
que a mudança?
Mike Scott: Foi uma evolução natural, já
que queríamos voltar a nossas raízes e 'Fisherman's
Blues resgata um pouco esse lado nosso. Na verdade,
quando garoto eu ouvia muito esse tipo de música. Mas foi
uma gestação lenta e demorada, porque todo mundo
esperava uma continuação de This is The
Sea e no começo até ficaram decepcionados
com o resultado. Mas o disco acabou vendendo bem, recebendo boas
críticas e seguimos em frente.
Pergunta: É
meu disco favorito do Waterboys. Foi através dele que comecei
a correr atrás dos primeiros discos de Van Morrison, Chieftains...
Mike Scott: É interessante você ter comentado
isso, porque aconteceu o mesmo na Europa. Basicamente meus fãs
eram garotos e quando ouviram o trabalho pela primeira vez não
gostaram tanto. Fisherman’s Blues só começou
a ter maior repercussão quando comecei a dar entrevistas
explicando o conceito. Van até me agradeceu por colocar
mais garotos em seus shows (risos).
Pergunta: Falando
em Van Morrison, você é um grande fã dele,
não é?
Mike Scott: É verdade. Não tem como deixar
de gostar dele. Ele é um excepcional cantor, letrista,
arranjador e uma inspiração para todos os músicos
da minha geração.
Pergunta: Você
começou a carreira de músico logo após o
movimento punk e em plena new wave. Esses estilos te afetaram?
Mike Scott: Depende do que você considera afetar.
Musicalmente não sofri quase nenhuma influência,
mas eles foram muito importantes para abrir as portas para a geração
mais nova, coisa rara nos anos 70. Antes do punk surgir era muito
complicado conseguir um local razoável para tocar e quando
se conseguia era por poucos minutos. Talvez o maior legado desse
período foi a reabertura dos espaços para bandas
inexperientes.
Pergunta:
Além de Van, qual outro cantor te inspira? Rod Stewart,
por exemplo?
Mike Scott: Gosto muito de Rod quando em sua primeira
fase, tocando com o Jeff Beck Group, Faces e seus primeiros discos
solos. Depois ficou extremamente comercial. Mas continua sendo
um dos melhores cantores do mundo. Gostaria de poder cantar como
ele.
Pergunta: Muitas
pessoas o comparam a Neil Young e Bob Dylan...
Mike Scott: Bem, isso era quando eu estava no auge e
a imprensa escrevia bem de mim. Hoje em dia... (risos). Falando
sério, eu acho isso um exagero. Afinal, não escrevo
tão bem igual a Dylan e nem sou tão bom músico
como Neil Young. Eles são dois heróis para mim até
hoje.
Pergunta: E a comparação com o U2?
Mike Scott: Não há muito a ver. Talvez
por causa dos Waterboys terem tocado com eles nos anos 80, eu
ter feito o Fisherman’s Blues na Irlanda e por Steve ter
tocado com eles no álbum War. Mas sempre
tivemos estilos diferentes.
Pergunta: Seu
primeiro disco solo, Bring 'em All In é bem intimista.
Esse novo trabalho seguirá a tendência?
Mike Scott: Não, será totalmente
diferente. É um disco de guitarras, de banda. Estou muito
feliz com o resultado. É a melhor coisa que já fiz.
Pergunta: Por
que todo artista gosta de falar que o novo trabalho é sempre
o melhor de sua carreira? Isso não virou um jargão?
Mike Scott: As pessoas falam isso, é? Nunca percebi.
No meu caso é apenas uma opinião pessoal. Você
pode argumentar que ele não terá mais um hit como
em This is The Sea e é verdade. Só
que não me preocupo com isso. É meu trabalho mais
consistente.
Pergunta: Você
já se preocupou em ter hits?
Mike Scott: Como todo músico, ou você acha
que quando você compõe, monta uma banda e grava é
só por capricho? Além da paixão pelo trabalho,
sonhamos com o reconhecimento. Quem afirma não se importar
com o sucesso nesse meio está mentindo.
Pergunta: Então
você ainda quer o sucesso?
Mike Scott: Claro que sim, mas com diferenças.
No começo é necessário fazer um monte de
concessões ou tocar em lugares que não fazem o menor
sentido, em nome de espaço. A própria gravadora
o obriga a passar certos constrangimentos. Só que agora
não ocorre mais isso comigo. Estou na estrada há
muito tempo para saber o que realmente desejo e não sou
mais um garoto desesperado que precisa ficar na mídia o
tempo todo para ter reconhecimento.
Pergunta: Qual
a expectativa para o novo disco?
Scott: A melhor possível. Tenho muita mais paz
do que no tempo dos Waterboys, quando existia muita pressão
e briga entre nós. Agora eu contrato os músicos
e eles executam. Simples e direto.
Pergunta:
Vocês musicaram um poema de W. B. Yeats, não?
Scott: Sim, foi ''Stolen Child'' (no disco Fisherman's
Blues). Eu sempre amei seus poemas. Essa música
está também numa coletânea em homenagem a
ele, que foi lançada recentemente.
Pergunta: Você
sabia que o Brasil tem um grande mercado para rock? Por falar
nisso, já recebeu convites para tocar aqui?
Mike Scott: Já me falaram disso e é curioso,
porque ninguém quase na Europa fala sobre tocar em seu
continente. Sobre convites, eu nunca recebi, mas adoraria um dia
ir.
Pergunta: A música
brasileira tem uma boa reputação no mundo, especialmente
a bossa nova.
Mike Scott: É verdade, apesar de conhecer pouco
a música do Brasil, a não ser as mais famosas como
“Garota de Ipanema”. Quem foi mesmo que a escreveu?
Pergunta: Antônio
Carlos Jobim, que por sinal morreu em 1994, no dia 9 de dezembro.
Foi uma grande perda e todo mundo falou dele, inclusive de uma
coincidência não muito agradável: ele morreu
no dia 9 e John Lennon, no dia 8 (só que no ano de 1980)
Mike Scott: Puxa, eu não sabia disso! Ouvi algumas
canções dele, agora me associei o nome às
canções. Que coisa triste.
Pergunta: Faça
uma homenagem então a ele no próximo disco. Grave
"Garota de Ipanema"...
Mike Scott: Não, não, nem pensar, já
imaginou eu com esse sotaque carregado, cantando em português
uma das músicas mais executadas no mundo? Além das
críticas que vou receber, todo mundo iria rir de mim (risos).
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