Se existiu um grupo punk que foi
anárquico, esse grupo foi o Minutemen. Esse trio californiano
foi muito além dos ruídos do Husker Dü, misturando
canções curtas, que raramente passavam os dois minutos,
com influências de jazz, folk e até funk. Três
amigos que viveram intensamente os seis anos em que tocaram juntos
e terminaram sua carreira após a morte do vocalista e guitarrista
D. Boon em um acidente de trânsito, às vésperas
do Natal de 1985. Mas o trio deixou um grande legado e continua
sendo um dos mais importantes representantes da cena independente
norte-americana da década de 80.
Uma
banda que amava tocar alto, fazer letras políticas e ainda
misturar tudo isso com punk, hardcore, John Coltrane e climas
folks, bucólicos. Parece uma receita impossível
ou indigesta? Pois esse grupo existiu e foi excelente. O Minutemen
(nome dado pela pequena duração de suas canções
e uma sátira aos conservadores de direita da América.
Há ainda quem considere que o nome surgiu após os
integrantes acharem alguns heróicos soldados que eram extremamente
educados mesmo com um passado tão duro) conseguia fazer
tudo em canções que, muitas vezes nem passavam de
um minuto e meio de duração. Suas músicas
continham títulos sacanas – “Political Songs
for Michael Jackson to Sing” e “Do You Want New Wave
Or You Want The Truth” – e seu instrumental era refinado
para um grupo de origem tão simples.
A história do grupo
começa em 1979, em San Pedro, na Califórnia, quando
dois amigos de infância, Mike Watt e Dennis Dale Boon, resolvem
montar uma banda. No princípio eles faziam covers dos grupos
famosos, o começo normal de 10 entre 10 bandas iniciantes.
Mas foi após o furacão punk que os dois começaram
a tentar mudar e escreveram suas primeiras composições.
Em 1980 formam o Reactionaries, um quarteto, mas logo desistem
da idéia e resolvem mudar o formato e o som. Convidam o
baterista George Hurley. E assim, nasce o Minutemen.
Os dois primeiros artistas
que os conquistaram foram o Television e Richard Hell. “Eu
achava as vozes deles como se fossem de personagens de desenhos
animados. Eu não gostava de Ramones, porque não
os entendia, achava que era alguma armação para
ganharem dinheiro. Só quando descobri que isso não
era verdade, é que passei a curtir a banda. Mas meu primeiro
herói foi Hell e eu cheguei a colocar uma foto dele no
meu baixo, o que afastou várias pessoas de San Pedro de
mim”, conta Mike.
Naquele
mesmo ano assinam com um selo independente que marcaria época,
SST, que era a mesma casa do Hüsker Dü. Debutam naquele
ano com o EP Paranoid Time. O som era radical,
variando entre o hardcore e experimentalismo e das sete canções,
quatro tinham menos de um minuto e as três restantes não
passavam de um minuto e vinte! As composições eram
assinadas por Boon (que já havia reduzido seu nome de batismo
para D. Boon) e Mike Watt.
O grupo começou
a pregar uma teoria heterodoxa para poderem sobreviver. Como não
tinham dinheiro e poucos recursos para se promoverem, resolvem
adotar uma economia de guerra, não desperdiçando
tempo e nem dinheiro quando não queriam ou tinham nada
a dizer. Eram o que eles chamavam de “Econo”. Isso
significava dizer que eles viajariam em uma van, dividindo a direção,
carregariam seus equipamentos, fariam shows diretos e gravariam
da maneira mais rápida e barata possível. Raramente
gastavam mais do que mil dólares gravando um disco. Quando
viajavam não dormiam em hotéis, e sim em casas de
fãs para conseguirem ganhar algum dinheiro. Era o espírito
“DIY” (Do It Yourself) do punk levado às últimas
conseqüências.
E outro segredo era gravar
por qualquer selo que os convidassem. A prova disso é que
o EP Joy, lançado em 1981 sai pelo selo
New Alliance, deles mesmos.
O grupo tinha uma consciência
política e social muito grande e apenas queriam falar dos
eternos problemas da vida: sexo, religião, política,
hipocrisia. Mas o som ainda estava longe de expressar toda a gama
de sentimentos.
E,
ainda em 1981, lançam o primeiro disco, Punch The
Line. Novamente o grupo surpreende, colocado 18 músicas
que duravam apenas 15 minutos. O som era rápido, mas muito
mais sofisticado do que Black Flag e Circle Jerks – com
quem eram comparados – faziam e não possuía
refrões. O grupo começava a botar as manguinhas
de fora, criticando a política bélica dos Estados
Unidos nas faixas “Song for El Salvador”, “Fanatics”
e “Warfare”. A banda começou a ganhar um séqüito
de fãs, que viam nas letras e som do trio muito mais do
que simples barulho e palavras cuspidas com raiva.
Com
o disco saíram em turnê pelo país e tocando
onde fossem aceitos, o que não era muito fácil.
Mas o grupo conseguiu realizar um bom número de apresentações.
Com uma postura frenética, discursos engajados e muita
vitalidade, o trio começou a fazer sucesso, principalmente
em seu estado natal. Uma das atrações era o baixo
de Mike Watt, que continha a palavra “Pedro”, escrita
no corpo de seu instrumento, uma homenagem à cidade em
que a banda foi formada. O rosto de Hell já havia sido
despachado.
Mike conta que sempre gostou
de tocar mais punk do que hardcore, por considerar esse último,
dono de um estilo muito linear. “O que mais gosto do punk
é a liberdade. O que nós tentamos fazer é
chamar a atenção dos mais jovens e mostrar que a
música é apenas um amontoado de notas e que qualquer
um pode tocá-la. O mais importante é você
se comunicar, passar uma mensagem. É isso que gosto de
fazer: expressar-me.”
Em
1982 lançam outro EP, Bean-Spill pelo
selo Thermador Records e em 1983 lançam um segundo LP What
Makes A Man Start Fires?, que foi aclamado pela crítica,
que o grupo fazia questão de ignorar. “Eu acho que
a imprensa é importante porque quando lançamos nossos
discos eles são obrigados a falarem de nós. Mas
eles causaram muitos problemas para nós com essa bobagem
de nos chamar de fascistas e nazistas. Na verdade, eu não
ligo para esse segmento. Estamos há muitos anos tocando
no pequeno circuito e nunca precisamos ou tivemos o apoio deles.
Os fanzines são mais muito mais importantes para o Minutemen
do que a ‘imprensa especializada’”, explicou
Boon.
O
grupo fazia questão de ajudar o pessoal alternativo e comumente
cedia faixas para entrarem em várias coletâneas.
A proposta de disseminar idéias e se comunicar com o maior
número de pessoas eram levados ao pé da letra. No
mesmo ano, lançam o terceiro disco pela SST, Buzz
or Howl Under the Influence of Heat.
Esse disco já mostra o grupo flertando cada vez mais com
o jazz, e até convidaram um trompetista para tocar algumas
faixas.
O
Minutemen começava a ter problemas com a pecha de que eram
fascistas ou nazistas, especialmente quando os conservadores exclamavam
que eles lutavam contra o fim da democracia no país. “Isso
é ridículo e doente. Nós não somos
contra a América, mas somo contra nosso país se
enfiar na Nicarágua, apoiar ditaduras e usar do poder econômico
e militar para interferir em outras nações. O fascismo
é muito maior das alas conservadoras desse país,
que proíbe que bandas iguais a nossa possam tocar. Conseguimos
nosso espaço depois de muita luta, mas ninguém permite
a nossa expansão. É como se dissessem ‘ok,
vocês podem tocar nesses lugares, mas apenas aí’.
Mas nem isso nos impedirá de que continuemos a cutucar
o que estiver errado ou os artistas que fazem exatamente que eles
querem”, dizia Watt.
O
ano de 1984 começou o período final do grupo e também
o mais produtivo. Primeiro lançam um disco duplo, intitulado
Double Nickels On The Dime. O álbum duplo
foi feito quando souberam que a SST iria lançar Zen
Arcade, do Hüsker Dü. “Quando soubemos
que o Dü ia fazer um álbum duplo, corremos também
para fazer o nosso. Só que não tínhamos uma
idéia central para ele, mas mesmo assim o fizemos”,
contou D.
Se o disco nasceu despretensiosamente,
acabou sendo o maior clássico de toda a carreira do trio.
O caldeirão musical do grupo alcança o máximo,
com o baixo de Watt soando funk em várias faixas, ao lado
dos violões de Boon e a bateria de tom jazzístico
de George. O disco contém algumas pérolas como a
faixa “Political Songs for Michael Jackson to Sing”.
Mike Watt, sempre irônico, contou em uma entrevista porque
compôs a música. “Eu gostaria que Michael Jackson
chegasse para mim e dissesse ‘Mike eu quero cantar uma de
suas composições. O que você gostaria que
eu falasse ao mundo, já que você considera sua música
tão importante e poderosa?’ e eu pediria que cantasse
essa canção.”
Mike
Watt mostrava-se insatisfeito com a situação do
rock. “Na verdade, poucas pessoas estão fazendo coisas
relevantes. Eu gosto de ‘Born In the USA’ de Bruce
Springsteen porque ataca essa falsidade de hoje. Mas, para falar
a verdade, não gosto de nenhuma música dele, e mesmo
sendo uma boa canção, ainda está longe de
ser um grande cantor.”
O disco apresentava composições
com Dirk Vandenberg, e trazia uma brincadeira: uma cover de “Ain’t
Talking ‘Bout Love” do Van Halen. Mike conta que nenhum
deles gosta do grupo de Eddie, mas já que tantos grupos
acabavam tocando hard rock, eles quiseram fazer um ao estilo Minutemen.
Toda essa maravilha sonora acabou sendo o disco mais caro da carreira
do grupo e as 46 faixas do disco custaram a “fortuna”
de 1200 dólares.
Nessa
época, Mike e Boon trabalharam para a SST fazendo serviços
dos mais variados, sendo que Mike atuou como advogado e eletricista,
para levantarem um dinheiro a mais. E ainda em 1984, o grupo lançou
pelo selo New Alliance uma coleção de outtakes e
material inédito chamado The Politics of Time.
Em 1985, o grupo caiu na
estrada em uma excursão batizada apenas de “The Tour”,
ao lado do Hüsker Dü, Meat Puppets, Saccharine Trust
e SWA.
O
grupo lançou vários títulos nesse ano, mas
os mais importantes foram o EP Project Mersh
e o disco 3-Way Tie (For Last), lançado
no final do ano.
No dia 22 de dezembro,
D. Boon estava em sua van, que era dirigida pela sua namorada,
que acabou dormindo ao volante e bateu o veículo. Boon
foi jogado para trás, quebrou o pescoço e teve morte
instantânea, aos 27 anos. Algumas pessoas viram, em sua
morte, uma grande tragédia, e outros, um presságio,
por ele ter morrido com a mesma idade de Jimi Hendrix e Jim Morrison.
A
verdade, é que sem D. Boon, Mike e George não tinham
e nem queriam continuar com o grupo. A saída foi continuarem
a vida em outra banda, chamada fIREHOSE (assim mesmo, com a primeira
letra minúscula e as demais maiúsculas), onde lançaram
vários trabalhos. Depois, os dois se separariam e continuariam
suas carreiras de forma independente.
Hoje,
o legado do Minutemen é tão vasto quanto do Black
Flag e Hüsker Dü e são considerados influências
de várias bandas, entre elas Sonic Youth, Pixies e alguns
novos grupos que se intitulam punks.
A morte do vocalista foi
duramente assimilada e shows e homenagens foram feitas em sua
memória pela América. Boon segue sendo um ícone
do músico que lutou pela massificação das
idéias. Era um intelectual, que amava Poe, James Joyce,
e que não cantava apenas letras primárias e melodias
pobres.
Deixo vocês com três letras do disco Double
Nickels On The Dime e a discografia do grupo. Um abraço
e até a próxima coluna.
Political Songs
for Michael Jackson to Sing
list monitors arrive
with(out) petition
iron fisted philosophy
is your life worth a painting
is this girl versus boy with different symbols
being born is power
scout leader/nazi tagged as big sin
"your risk chains me hostage me
me i'm fighting with my head
am not ambiguous"
i must have looked like a dork
me naked with text book poems
spout fountain against the nazis
with a weird kind of sex symbol
for sex in speeches that are big dance thumps
if we heard mortar shells
we'd cuss more in our songs
and cut down on the guitar solos
so dig this big crux:
organize the boy scouts for murder is wrong
ten years behind the big sweat point
man, it was still there
ever without you
coming back around
look
the coming together for just a second
a peek
a guess
at the wholeness that's way too big
at the wholeness that's way too big!
Corona
the people will
survive
in their environment
the dirt scarcity and emptiness of our south
the injustices of our greed the practices we merit
the dirt scarcity and emptiness of our south
i could see it in her eyes there on the beach
i only had a corona
five cent deposit
Untitled Songs
for Latin America
the western hemisphere
and all inside
we know who is murdering the innocent
they are children playing with guns
they are children playing with countries
mining harbors
creating contras
the games they play
the lives they will take
they bank their money in the country
they steal from the innocent
(a colonial trait
that is much too old)
the banks, the lives, the profits, the lies
the banks, the profits, the lives, the lies
i would call it genocide
any other word would be a lie
Discografia
Paranoid Time (EP, 1980)
The Punch Line (1981)
Joy (EP, 1981)
Bean-Spill (EP, 1982)
What Makes A Man Starts Fires? (1983)
Buzz Or Howl Under the Influence of Heat (1983)
Double Nickels On The Dime (1984)
The Politics Of Time (1984)*
Project Mersh (1985)
3-Way Tie (for Last) (1985)
1980-1983* (1985)
Just A Minute, Men* (1985)
Ballot Result (ao vivo, 1987)
Post-Mersh, Vol.1* (1987)
Post-Mersh, Vol.2* (1987)
Post-Mersh, Vol.3* (1989)
Introducing the Minutemen* (1998)
*coletâneas
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