123 - Minutemen


Se existiu um grupo punk que foi anárquico, esse grupo foi o Minutemen. Esse trio californiano foi muito além dos ruídos do Husker Dü, misturando canções curtas, que raramente passavam os dois minutos, com influências de jazz, folk e até funk. Três amigos que viveram intensamente os seis anos em que tocaram juntos e terminaram sua carreira após a morte do vocalista e guitarrista D. Boon em um acidente de trânsito, às vésperas do Natal de 1985. Mas o trio deixou um grande legado e continua sendo um dos mais importantes representantes da cena independente norte-americana da década de 80.


D. Boon, Mike Watt e George HurleyUma banda que amava tocar alto, fazer letras políticas e ainda misturar tudo isso com punk, hardcore, John Coltrane e climas folks, bucólicos. Parece uma receita impossível ou indigesta? Pois esse grupo existiu e foi excelente. O Minutemen (nome dado pela pequena duração de suas canções e uma sátira aos conservadores de direita da América. Há ainda quem considere que o nome surgiu após os integrantes acharem alguns heróicos soldados que eram extremamente educados mesmo com um passado tão duro) conseguia fazer tudo em canções que, muitas vezes nem passavam de um minuto e meio de duração. Suas músicas continham títulos sacanas – “Political Songs for Michael Jackson to Sing” e “Do You Want New Wave Or You Want The Truth” – e seu instrumental era refinado para um grupo de origem tão simples.

A história do grupo começa em 1979, em San Pedro, na Califórnia, quando dois amigos de infância, Mike Watt e Dennis Dale Boon, resolvem montar uma banda. No princípio eles faziam covers dos grupos famosos, o começo normal de 10 entre 10 bandas iniciantes. Mas foi após o furacão punk que os dois começaram a tentar mudar e escreveram suas primeiras composições. Em 1980 formam o Reactionaries, um quarteto, mas logo desistem da idéia e resolvem mudar o formato e o som. Convidam o baterista George Hurley. E assim, nasce o Minutemen.

Os dois primeiros artistas que os conquistaram foram o Television e Richard Hell. “Eu achava as vozes deles como se fossem de personagens de desenhos animados. Eu não gostava de Ramones, porque não os entendia, achava que era alguma armação para ganharem dinheiro. Só quando descobri que isso não era verdade, é que passei a curtir a banda. Mas meu primeiro herói foi Hell e eu cheguei a colocar uma foto dele no meu baixo, o que afastou várias pessoas de San Pedro de mim”, conta Mike.

capa do EP Paranoid TimeNaquele mesmo ano assinam com um selo independente que marcaria época, SST, que era a mesma casa do Hüsker Dü. Debutam naquele ano com o EP Paranoid Time. O som era radical, variando entre o hardcore e experimentalismo e das sete canções, quatro tinham menos de um minuto e as três restantes não passavam de um minuto e vinte! As composições eram assinadas por Boon (que já havia reduzido seu nome de batismo para D. Boon) e Mike Watt.

O grupo começou a pregar uma teoria heterodoxa para poderem sobreviver. Como não tinham dinheiro e poucos recursos para se promoverem, resolvem adotar uma economia de guerra, não desperdiçando tempo e nem dinheiro quando não queriam ou tinham nada a dizer. Eram o que eles chamavam de “Econo”. Isso significava dizer que eles viajariam em uma van, dividindo a direção, carregariam seus equipamentos, fariam shows diretos e gravariam da maneira mais rápida e barata possível. Raramente gastavam mais do que mil dólares gravando um disco. Quando viajavam não dormiam em hotéis, e sim em casas de fãs para conseguirem ganhar algum dinheiro. Era o espírito “DIY” (Do It Yourself) do punk levado às últimas conseqüências.

E outro segredo era gravar por qualquer selo que os convidassem. A prova disso é que o EP Joy, lançado em 1981 sai pelo selo New Alliance, deles mesmos.

O grupo tinha uma consciência política e social muito grande e apenas queriam falar dos eternos problemas da vida: sexo, religião, política, hipocrisia. Mas o som ainda estava longe de expressar toda a gama de sentimentos.

capa do disco Punch The LineE, ainda em 1981, lançam o primeiro disco, Punch The Line. Novamente o grupo surpreende, colocado 18 músicas que duravam apenas 15 minutos. O som era rápido, mas muito mais sofisticado do que Black Flag e Circle Jerks – com quem eram comparados – faziam e não possuía refrões. O grupo começava a botar as manguinhas de fora, criticando a política bélica dos Estados Unidos nas faixas “Song for El Salvador”, “Fanatics” e “Warfare”. A banda começou a ganhar um séqüito de fãs, que viam nas letras e som do trio muito mais do que simples barulho e palavras cuspidas com raiva.

Com o disco saíram em turnê pelo país e tocando onde fossem aceitos, o que não era muito fácil. Mas o grupo conseguiu realizar um bom número de apresentações. Com uma postura frenética, discursos engajados e muita vitalidade, o trio começou a fazer sucesso, principalmente em seu estado natal. Uma das atrações era o baixo de Mike Watt, que continha a palavra “Pedro”, escrita no corpo de seu instrumento, uma homenagem à cidade em que a banda foi formada. O rosto de Hell já havia sido despachado.

Mike conta que sempre gostou de tocar mais punk do que hardcore, por considerar esse último, dono de um estilo muito linear. “O que mais gosto do punk é a liberdade. O que nós tentamos fazer é chamar a atenção dos mais jovens e mostrar que a música é apenas um amontoado de notas e que qualquer um pode tocá-la. O mais importante é você se comunicar, passar uma mensagem. É isso que gosto de fazer: expressar-me.”

Em 1982 lançam outro EP, Bean-Spill pelo selo Thermador Records e em 1983 lançam um segundo LP What Makes A Man Start Fires?, que foi aclamado pela crítica, que o grupo fazia questão de ignorar. “Eu acho que a imprensa é importante porque quando lançamos nossos discos eles são obrigados a falarem de nós. Mas eles causaram muitos problemas para nós com essa bobagem de nos chamar de fascistas e nazistas. Na verdade, eu não ligo para esse segmento. Estamos há muitos anos tocando no pequeno circuito e nunca precisamos ou tivemos o apoio deles. Os fanzines são mais muito mais importantes para o Minutemen do que a ‘imprensa especializada’”, explicou Boon.

capa do disco Buzz or Howl Under the Influence of HeatO grupo fazia questão de ajudar o pessoal alternativo e comumente cedia faixas para entrarem em várias coletâneas. A proposta de disseminar idéias e se comunicar com o maior número de pessoas eram levados ao pé da letra. No mesmo ano, lançam o terceiro disco pela SST, Buzz or Howl Under the Influence of Heat.
Esse disco já mostra o grupo flertando cada vez mais com o jazz, e até convidaram um trompetista para tocar algumas faixas.

O Minutemen começava a ter problemas com a pecha de que eram fascistas ou nazistas, especialmente quando os conservadores exclamavam que eles lutavam contra o fim da democracia no país. “Isso é ridículo e doente. Nós não somos contra a América, mas somo contra nosso país se enfiar na Nicarágua, apoiar ditaduras e usar do poder econômico e militar para interferir em outras nações. O fascismo é muito maior das alas conservadoras desse país, que proíbe que bandas iguais a nossa possam tocar. Conseguimos nosso espaço depois de muita luta, mas ninguém permite a nossa expansão. É como se dissessem ‘ok, vocês podem tocar nesses lugares, mas apenas aí’. Mas nem isso nos impedirá de que continuemos a cutucar o que estiver errado ou os artistas que fazem exatamente que eles querem”, dizia Watt.

capa do disco Double Nickels On The DimeO ano de 1984 começou o período final do grupo e também o mais produtivo. Primeiro lançam um disco duplo, intitulado Double Nickels On The Dime. O álbum duplo foi feito quando souberam que a SST iria lançar Zen Arcade, do Hüsker Dü. “Quando soubemos que o Dü ia fazer um álbum duplo, corremos também para fazer o nosso. Só que não tínhamos uma idéia central para ele, mas mesmo assim o fizemos”, contou D.

Se o disco nasceu despretensiosamente, acabou sendo o maior clássico de toda a carreira do trio. O caldeirão musical do grupo alcança o máximo, com o baixo de Watt soando funk em várias faixas, ao lado dos violões de Boon e a bateria de tom jazzístico de George. O disco contém algumas pérolas como a faixa “Political Songs for Michael Jackson to Sing”. Mike Watt, sempre irônico, contou em uma entrevista porque compôs a música. “Eu gostaria que Michael Jackson chegasse para mim e dissesse ‘Mike eu quero cantar uma de suas composições. O que você gostaria que eu falasse ao mundo, já que você considera sua música tão importante e poderosa?’ e eu pediria que cantasse essa canção.”

Dirk Vandenberg, Dave-O, Mike Watt, D. Boon e George HurleyMike Watt mostrava-se insatisfeito com a situação do rock. “Na verdade, poucas pessoas estão fazendo coisas relevantes. Eu gosto de ‘Born In the USA’ de Bruce Springsteen porque ataca essa falsidade de hoje. Mas, para falar a verdade, não gosto de nenhuma música dele, e mesmo sendo uma boa canção, ainda está longe de ser um grande cantor.”

O disco apresentava composições com Dirk Vandenberg, e trazia uma brincadeira: uma cover de “Ain’t Talking ‘Bout Love” do Van Halen. Mike conta que nenhum deles gosta do grupo de Eddie, mas já que tantos grupos acabavam tocando hard rock, eles quiseram fazer um ao estilo Minutemen. Toda essa maravilha sonora acabou sendo o disco mais caro da carreira do grupo e as 46 faixas do disco custaram a “fortuna” de 1200 dólares.

Nessa época, Mike e Boon trabalharam para a SST fazendo serviços dos mais variados, sendo que Mike atuou como advogado e eletricista, para levantarem um dinheiro a mais. E ainda em 1984, o grupo lançou pelo selo New Alliance uma coleção de outtakes e material inédito chamado The Politics of Time.

Em 1985, o grupo caiu na estrada em uma excursão batizada apenas de “The Tour”, ao lado do Hüsker Dü, Meat Puppets, Saccharine Trust e SWA.

capa do EP Project MershO grupo lançou vários títulos nesse ano, mas os mais importantes foram o EP Project Mersh e o disco 3-Way Tie (For Last), lançado no final do ano.

No dia 22 de dezembro, D. Boon estava em sua van, que era dirigida pela sua namorada, que acabou dormindo ao volante e bateu o veículo. Boon foi jogado para trás, quebrou o pescoço e teve morte instantânea, aos 27 anos. Algumas pessoas viram, em sua morte, uma grande tragédia, e outros, um presságio, por ele ter morrido com a mesma idade de Jimi Hendrix e Jim Morrison.

A verdade, é que sem D. Boon, Mike e George não tinham e nem queriam continuar com o grupo. A saída foi continuarem a vida em outra banda, chamada fIREHOSE (assim mesmo, com a primeira letra minúscula e as demais maiúsculas), onde lançaram vários trabalhos. Depois, os dois se separariam e continuariam suas carreiras de forma independente.

Hoje, o legado do Minutemen é tão vasto quanto do Black Flag e Hüsker Dü e são considerados influências de várias bandas, entre elas Sonic Youth, Pixies e alguns novos grupos que se intitulam punks.

A morte do vocalista foi duramente assimilada e shows e homenagens foram feitas em sua memória pela América. Boon segue sendo um ícone do músico que lutou pela massificação das idéias. Era um intelectual, que amava Poe, James Joyce, e que não cantava apenas letras primárias e melodias pobres.


Deixo vocês com três letras do disco Double Nickels On The Dime e a discografia do grupo. Um abraço e até a próxima coluna.

Political Songs for Michael Jackson to Sing

list monitors arrive with(out) petition
iron fisted philosophy
is your life worth a painting
is this girl versus boy with different symbols
being born is power
scout leader/nazi tagged as big sin
"your risk chains me hostage me
me i'm fighting with my head
am not ambiguous"
i must have looked like a dork
me naked with text book poems
spout fountain against the nazis
with a weird kind of sex symbol
for sex in speeches that are big dance thumps
if we heard mortar shells
we'd cuss more in our songs
and cut down on the guitar solos
so dig this big crux:
organize the boy scouts for murder is wrong
ten years behind the big sweat point
man, it was still there
ever without you
coming back around
look
the coming together for just a second
a peek
a guess
at the wholeness that's way too big
at the wholeness that's way too big!

Corona

the people will survive
in their environment
the dirt scarcity and emptiness of our south
the injustices of our greed the practices we merit
the dirt scarcity and emptiness of our south
i could see it in her eyes there on the beach
i only had a corona
five cent deposit

Untitled Songs for Latin America

the western hemisphere
and all inside
we know who is murdering the innocent
they are children playing with guns
they are children playing with countries
mining harbors
creating contras
the games they play
the lives they will take
they bank their money in the country
they steal from the innocent
(a colonial trait
that is much too old)
the banks, the lives, the profits, the lies
the banks, the profits, the lives, the lies
i would call it genocide
any other word would be a lie

Discografia

Paranoid Time (EP, 1980)
The Punch Line (1981)
Joy (EP, 1981)
Bean-Spill (EP, 1982)
What Makes A Man Starts Fires? (1983)
Buzz Or Howl Under the Influence of Heat (1983)
Double Nickels On The Dime (1984)
The Politics Of Time (1984)*
Project Mersh (1985)
3-Way Tie (for Last) (1985)
1980-1983* (1985)
Just A Minute, Men* (1985)
Ballot Result (ao vivo, 1987)
Post-Mersh, Vol.1* (1987)
Post-Mersh, Vol.2* (1987)
Post-Mersh, Vol.3* (1989)
Introducing the Minutemen* (1998)

*coletâneas



 

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