Poucos artistas
modernos tiveram uma carreirão tão errática
quanto a canadense Mary Margaret O'Hara. Senão, vejamos:
lança um disco de estréia tão espetacular
que virou tema dessa coluna, a ponto de chamar a atenção
de Morrissey que a convidou a participar de um single. E após
críticas efusivas dos dois lados do Atlântico, resolveu
se retirar, lançando apenas uma trilha sonora em 2001,
para novo anonimato. Por que? Bem, é impossível
saber, mas quem sabe essas linhas esclarecem algo. Ou não.
Mary Margaret O'Hara é
uma jóia rara que, me foi dito por um conhecido canadense,
é capaz de ser encontrada, às vezes trabalhando
em algum bar de Toronto, como garçonete e dando algumas
canjas aos atônitos fregueses.
Até onde isso é
verdade não sei dizer. Mas o que todo mundo se pergunta
é: porque alguém que lança algo tão
belo como Miss America se retirou? Medo de não
repetir a dose? Aversão ao sucesso? São perguntas
que, talvez, nem ela saiba responder direito.
Pouco se sabe dela: o pouco
que se conta é que nasceu em Toronto, no Canadá,
de uma famíia irlandesa, com vários irmãos.
Irmã da comediante Catherine O'Hara, Mary adorava ouvir
os vinis de jazz de cantoras como Dinah Washington ou do patrimônio
irlandês número 1, Van Morrison.
Estudante da Ontario College
of Art and Design, logo resolveu dar os primeiros passos na carreira
musical na cena local. Participou das bandas Dollars, Songship
e Go Deo Chorus.
Seu talento logo chamou
a atenção e assinou um contrato com a Virgin Records.
Em 1984, iria lançar seu primeiro disco tendo como produtor
o líder do XTC, Andy Partridge. A convivência entre
os dois foi dificílima e ele foi demitido, de cara, no
primeiro dia, irritando com as excentricidades da cantora. E ser
chamado de excêntrica por Partridge é um feito.
Após a experiência
traumática, Mary voltou ao limbo, mesmo tendo contrato
com a gravadora, que tentava levá-la para o estúdio.
Tudo parecia parado até
conhecer Michael Brook, um guitarrista igualmente canadense e
que havia participado de algumas trilhas sonoras - caso de The
Captive, ao lado de The Edge, do U2 -, além de
trabalhos com Clan of Xymox, Daniel Lanois e Brian Eno.
Brook
ficou apaixonado pela voz única de O'Hara e se aproximou
lentamente. O'Hara já tinha algum material produzido no
mesmo ano de 1984 por John Boyd, famoso com seu trabalho com o
Fairport Convention, Nick Drake e o Pink Floyd.
Uma das faixas, a espetacular
"To Cry About", era uma composição de
1980. Boa parte delas havia sido escrita e gravada entre 1983
e 1984.
Co-produzido por Brook
e pela cantora, Miss America foi editado em 1988
e cativou a quem ouviu o disco.
Com sua voz única,
frágil e que podia sussurrar num momento até atingir
notas altas em poucos segundos, o LP foi considerado um dos grandes
discos do ano. Uma mistura de jazz, pop, country, tudo bem embalado
pela "infinite guitar" de Brook e uma banda de apoio
precisa e competente.
Ao ser editado, o disco
trazia as seguintes faixas:
Lado A
01. "To Cry About"
– 3:23
02. "Year in Song" – 3:34
03. "Body's in Trouble" – 4:58
04. "Dear Darling" – 3:51
05. "Anew Day" – 3:11
06. "When You Know Why You're Happy" – 4:34
Lado B
01. "My Friends Have"
– 3:10
02. "Help Me Lift You Up" – 4:35
03. "Keeping You in Mind" – 4:39
04. "Not Be Alright" – 5:13
05. "You Will Be Loved Again" – 3:36
O disco fez com que O'Hara
adquirisse fama. Seus conterrâneos, os Cowboy Junkies, registraram
uma versão para "You Will Be Loved Again" no
disco The Caution Horses, de 1990.
Em 1991, Mary recebeu um
convite inesperado e, ao mesmo tempo, curioso: participar de um
single do cantor inglês Morrissey, ex-líder dos Smiths.
Morrissey
havia ficado arrebatado pelo álbum. "Quando ouvi Miss
America, me reportei quando toquei Horses
(disco de estréia de Patti Smith), pela primeira vez. Havia
muito tempo que não ouvia algo tão intenso, brilhante,
perturbador. Fiquei tão intrigado com o disco, que quis
conhecê-la".
Mary acabou sendo convidada
a fazer os backing vocals da canção November
Spawned a Monster, que não foi muito bem recebida
por crítica e fãs.
Morrissey, aliás,
sentiu que Mary não curtiu as gravações.
"Ela ficou extremamente aborrecida quando soube que sou ateu.
Como boa irlandesa, é extremamente católica e ficou
perguntando porque eu odiava tanto Deus. Isso criou alguma tensão
e sinto que ela queria sair logo de lá."
Mary é uma pessoa
supersticiosa e confessa que adora gravuras de cruzes irlandesas,
ovelhas e temas pastorais dentro do estúdio.
Em 1991 lançou um
EP de músicas natalinas, Christmas. Durante os próximos
anos, participou como convidada de alguns discos e projetos especiais,
mas sem gravar nada.
O
seu silêncio só fazia crescer o respeito dos colegas
e dos fãs. Michael Stipe chegou a convidá-la ao
palco em show do R.E.M., no Canadá e dizer que ela era
um "tesouro nacional".
Em 2001, ganhou um pequeno
papel e compôs a trilha sonora do filme Apartment
Hunting.
Desde então, aparece
esporadicamente em pequenos festivais. Foi o caso em outubro de
2006, cantando "Hallelujah", de Leonard Cohen, ao lado
de Gavin Friday, no tributo ao compositor canadense, em Dublin,
Irlanda.
Disco novo, no entanto,
não está em vista, ao que parece. E se estiver,
ninguém saberá quando ou se sairá. Só
resta torcer.
Deixo vocês com a
pequena discografia dela. Um abraço e até a próxima
coluna.
Discografia
Miss America (1988)
Christmas (EP, 1991)
Apartment Hunting (Trilha sonora, 2001)
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