A única vez em que Jonathan
Richman ficou em evidência para o grande público
aconteceu em suas participações hilárias
no filme Quem Vai Ficar com Mary?. Sim,
ele era o sujeito com o violão em punho e que cantava canções
divertidas e satíricas. Uma injustiça com essa figura
mitológica dos anos 70, que montou um dos mais importantes
grupos da cena nova-iorquina (apesar de terem começado
em Boston), os Modern Lovers. Seu primeiro disco mistura o teclado
de churrascaria de Ray Manzarek dos Doors com a lassidão
e desleixo do Velvet Underground. E "Roadrunner" é
sensacional, como é, também, "Pablo Picasso"
regravada recentemente por David Bowie.
Eles
começaram em Boston e fizeram parte da geração
que explodiu no clube CBGB de Nova York, casa que foi palco para
bandas iniciantes como Talking Heads, Television, Blondie, Ramones
e Patti Smith. Um de seus integrantes, Jerry Harrison, acabou
entrando para os Talking Heads logo depois. Mas a figura central
sempre foi e será Jonathan Richman, um excelente cronista
da vida cotidiana e um artista que sempre foi subestimado. Há
quem o prefira a David Byrne ou Tom Verlaine. Mas Jonathan nunca
se importou com isso.
A história começa
muitos anos antes, no final da década de 60. Após
terminar a high school, Jonathan se mudou para Nova York,
sonhando com música e totalmente seduzido pelo som do Velvet
Underground. Richman tinha 18 anos e experiência em uma
antiga banda em Boston, chamada The Cambridge Commons e após
ficar literalmente chapado com o som da ex-banda de Lou Reed,
resolveu tentar a sorte em Nova York.
Conseguiu conhecer Andy
Warhol, a Factory e até os integrantes do Velvet, e até
dormiu na casa do empresário do grupo, Steve Selsnick.
Após nove meses na cidade, voou por uns dias até
Israel e percebeu que seu sonho era ser músico. Escreveu
uma carta para seu amigo de infância, John Felice, perguntando
se não queria montar um grupo de rock. Juntos, os dois
foram até Nova York para buscar uma guitarra Fender Virbrolux
que Richman havia comprado. E, como não tinham dinheiro
acabaram dormindo uma noite no Central Park.
Após alguns ensaios,
resolveram sair à caça de novos integrantes para
o grupo. Quando Jonathan foi colocar um anúncio em um jornal
procurando um baterista e um baixista, topou com um sujeito de
cabelo comprido que perguntou se ele poderia entrar no grupo.
Seu nome era David Robinson e acabou sendo o primeiro baterista
dos Modern Lovers. Junto com David, veio Rolf Andersen, baixista.
Descolaram um porão para os primeiros ensaios, enquanto
procuravam mais pessoas, já que Rolf não queria
ser um músico profissional e estava no grupo apenas para
tapar buraco enquanto não arranjassem outro baixista. O
grupo fez sua estréia em setembro de 1970.
Pouco tempo após,
dois estudantes de Harvard apareceram com o propósito de
produzir um filme sobre o grupo. Seus nomes eram Jerry Harrison
e Ernie Brooks e haviam presenciado três apresentações
do grupo. Resolveram entrevistar Jonathan e acabaram entrando
no grupo, com Ernie assumindo o baixo e Jerry, os teclados.
Logo
após Jerry e Ernie entrarem, Felice anunciou que iria deixar
o grupo. Imediatamente apareceu David Geffen na jogada, se oferecendo
como empresário da banda. Nessa altura, o Modern Lovers
já tinha uma fama local, com vários shows em Boston
e alguns fãs.
Dessa maneira, conseguiram,
no segundo semestre de 1971, gravar uma demo na Warner no estúdio
Intermedia, de Boston. A demo circulou e a gravadora A&M se
interessou pela banda. No ano seguinte, entraram em estúdio,
em Los Angeles, com o ex-Velvet John Cale e com Alan Mason. Cale
estava trabalhando pela Warner e Mason para a A&M.
As
gravações feitas com John Cale começaram
a circular enquanto o disco não era lançado. Meses
depois, Kim Fowley resolveu também gravar uma demo com
a banda que acabou resultando em um disco póstumo, The
Original Modern Lovers, lançado em 1981 e com
baixa qualidade sonora.
Apesar das gravações
possuírem boa qualidade, o prometido disco pela Warner
não saiu, causando uma angústia entre os integrantes.
A solução foi reunir a banda novamente em Los Angeles,
com John Cale, para outra sessão. Mas desta vez o resultado
acabou sendo ruim e nada foi aproveitando. Fowley quis ajudar
a banda e os convidou para uma sessão de gravação,
em Boston, mas a desilusão era grande demais. Richman pulou
fora do grupo e começou a pensar em uma carreira solo.
Harrison recebeu um convite dos Talking Heads e mudou para Nova
York. David Robinson foi para o The Cars, (que anos depois se
tornaria um dos mais importantes representantes da new wave norte-americana)
e Ernie se juntou a David Johansen. Richman acabou ficando com
o nome The Modern Lovers, mas raramente o usava, preferindo fazer
shows acústicos e sem nenhuma intenção de
remontar a banda.
Foi
nessa época que conheceu e ficou amigo de Gram Parson,
uns dos músicos mais talentosos que apareceu na América
na década de 60. Gram havia integrado os Byrds e montado
uma banda chamada Flying Burrito Brothers. Era também um
grande amigo de Keith Richards, dos Rolling Stones.
Richman tinha Phil Kauffman
como empresário. Kauffman, aliás, só era
empresário de Jonathan... e de Gram. Dessa maneira, Gram
foi apresentado para Richman e acabaram se tornando bons amigos.
Mas Gram já estava em sua espiral descendente, bebendo
e abusando das drogas, e assim, faleceu no dia 19 de setembro
de 1973. Richman gostava da figura de Parsons, apesar de não
compartilhar das drogas que ele usava.
Richman
achou que seria uma boa idéia deixar Boston e foi morar
em Los Angeles, já que havia recebido um convite da Beserkley
Records. A Beserkley, apesar de ser uma gravadora pequena se interessou
pelas gravações realizadas na Warner e as adquiriu.
A idéia era juntá-las em um disco. Assim, em 1976
foi lançado The Modern Lovers, o primeiro
disco de um grupo que já não existia mais. O disco
mostrava uma banda afiada e com um repertório excepcional.
O disco abria com a agitada “Roadrunner” e tinha canções
do quilate de “Pablo Picasso” (ele pode ter apenas
1,60 m de altura,/ mas as garotas não resistem quando ele
encara/Pablo Picasso nunca foi chamado de otário? Não
em Nova York), “Someone I Care About”, “I’m
Straight” (Eu Sou Careta) e “She Cracked”, que
o Echo and the Bunnymen tocou em vários shows.
O disco foi um dos percussores
do estilo punk de tocar. O som do grupo misturava três acordes,
vocais desleixados, guitarras altas lembrando Velvet Underground,
e os teclados de Jerry, que remitiam para algumas passagens de
Doors.
Quando
o disco gravado em 1972 foi lançado, quatro anos depois,
chamou muita atenção, mas Jonathan não se
importou porque estava reformulando o grupo e lançou em
1977 Jonathan Richman & the Modern Lovers
que chama de seu verdadeiro disco de estréia. Mas o novo
trabalho decepcionou os fãs do primeiro lançamento
da Bersekley. Richman havia chamado David Robinson (da formação
original), além de Greg Keranen e Leroy Radicliffe, que
não entendiam a sátira das letras de cunho aparentemente
infantil.
Logo
em seguida, sai um outro disco, Rock 'n' Roll With The
Modern Lovers. O álbum foi considerado fraco e
mal gravado e continha a música folclórica chinesa
“Kwa Ti Feng”, na abertura.
Richman havia abandonado
as músicas que tanto influenciaram os grupos punks (o Sex
Pistols era um de seus grandes fãs) e começou a
misturar o rock and roll dos anos 50, com calipso. O destaque
era uma boa leitura de “Back in the USA”, de Chuck
Berry. Um disco interessante, mas que não chamou a atenção.
Contudo, Jonathan começou a ser um músico bastante
solicitando, fazendo shows por toda a Europa, especialmente em
países como França, Espanha e Grécia, os
seus favoritos.
No ano seguinte saiu um
disco ao vivo, The Modern Lovers Live, com nenhuma
canção do disco de 1976. A banda mostrava outra
formação, destacando-se o baixista Asa Brebner e
Denotra Sharpe na bateria.
Em 1979 é a vez
de Back In Your Life, disco igualmente esquecido
pela crítica.
Em 1981, as demos de Kim
Fowley viraram o disco The Original Modern Lovers,
com algumas faixas extras como “Roadrunner 1” e “Roadrunner
2” e “Dance With Me”.
Após isso, Richman
preferiu gravar discos solos levando apenas seu nome e deixando
a banda adormecida. O grupo só seria revivido em 1988 com
Modern Lovers'88, dessa vez, apenas como um trio.
Sem o grupo que o imortalizou,
Jonathan começou a fazer uma bela seqüência
de discos, sempre mostrando sua ironia e suas histórias
divertidas e bem elaboradas. Uma das razões que o fez trabalhar
sozinho, foi seu forte temperamento e a maneira inusitada como
trabalhava.
Certa vez, arrumou uma
confusão com os integrantes da formação original
dos Modern Lovers, quando foram contratados para tocar em um lugar
onde só grupos de hard, que idolatravam Led Zeppelin, tocavam.
Richman percebendo que seriam vaiados, conversou com o dono da
casa e devolveu o cachê, avisando que eram o grupo errado
para o local. Isso estando em uma época em que raramente
conseguiam arranjar um show dentro da América e os 350
dólares da apresentação já era computado
entre os membros.
Mesmo não usando
drogas, jamais criticou quem o fizesse dentro da banda, apesar
de algumas vezes fazer comentários afirmando que isso não
estava ajudando o grupo em nada. Sua personalidade decidida e
seu jeito introspectivo faziam dele uma pessoa muito difícil
de lidar.
Ele jura não se
lembrar mais de quantas vezes foi homenageado pelos ingleses,
especialmente os grupos que começaram a criar um novo som
após ouvir o disco de 1976. Também não se
irrita quando o chamam de imitador de Lou Reed, dizendo que Lou
começou imitando Bob Dylan e nunca o criticaram por isso.
Na verdade, a influência do Velvet ficou muito menos nítida
e clara depois que reformulou o grupo e começou a trabalhar
efetivamente em uma carreira, em 1977. Suas composições
haviam evoluído, sua habilidade na guitarra também,
e buscava novos horizontes e não é errado pensar
que aquelas demos de 1972 não deveriam ter sido lançadas,
pois quando saíram pouco representavam para ele.
“Eu me cansei daquelas
canções depois que as fiz, afinal me lembram um
período ruim de minha vida, quando esperávamos gravar
nosso primeiro disco e ele não foi editado. Algumas vezes
eu tocava aquelas canções, porque o público
pedia, mas havia momentos em que eu tinha vontade de mandar todo
mundo se danar. Algumas delas eu simplesmente não suporto
até hoje!”
Quando sua vida de “músico
alternativo” estava consolidada, recebeu um convite para
fazer um papel na comédia Quem Vai Ficar com Mary?.
Jonathan conta que iria interpretar algumas velhas canções
suas na película, mas que após ler o roteiro, decidiu
escrever algumas especialmente para o filme. Ele mostrava para
o diretor, que aprovava, e ia compondo outras, e acabou escrevendo
várias melodias novas, ajudando (e muito) para que o filme
fosse um sucesso, ainda que não impulsionasse muito sua
carreira. Sobre isso, Richman brinca e afirma: “sabe como
é, a estrela era Cameron Diaz. Ela é estonteante
e o fato de ter um cara estranho cantando músicas divertidas
apenas deu um tempero especial, mas poucas pessoas quiseram saber
quem de fato eu era e o que fazia. Assim mesmo, foi uma excelente
experiência e me sinto orgulhoso de ter participado da comédia.”
Nesse mesmo ano, gravou um excelente disco solo I’m
Confused produzido por Rick Ocasek, dos Cars.
![capa da reedição de 2003 e da coletânea lançada em 2004](imagens/modernlovers9.jpg) ![capa da reedição de 2003 e da coletânea lançada em 2004](imagens/modernlovers12.jpg)
Em 2003 o disco que marcou
o grupo foi relançado com uma foto do símbolo da
banda, e com algumas faixas extras. Mas esse disco acabou sendo
pouco vendido e hoje é difícil de ser encontrado.
Mas não há motivo para se desesperar porque nesse
ano saiu uma nova coletânea, bem mais ampla (43 músicas)
e com um belo encarte: Roadrunner, Roadrunner: The Beserkley
Collection é o nome do álbum. Certamente
não custará barato, mas você terá a
oportunidade de se deliciar com as letras e melodias de um dos
compositores mais importantes nascido na América e que
influenciou tanto o punk como a new wave, da mesma forma que Patti
Smith, David Byrne, Television e Ramones, embora sem os devidos
créditos.
Deixo você com a
letra de dois clássicos dos Modern Lovers e com a extensa
discografia de Jonathan Richman, tanto solo como com seu grupo.
Um abraço e até
a próxima coluna!
Roadrunner
One two three four
five six
Roadrunner roadrunner
Going faster miles an hour
Gonna ride by the Stop-n-Shop
With the radio on
I'm in love with the modern world
I'm in touch I'm a modern girl
New York City when it's late at night
I got the radio on
I'm like a roadrunner yeah
Said hello to the
spirit of ol' 1956
It was pacing in the woods next to '57
Well the highway was my only friend
Cuz I went by so quick
Suburban trees were out there
And consequently it smelt like heaven
So I say roadrunner once roadrunner twice
I'm in love with the modern world
So let's go out all night aw
With the radio
on got the FM
Radio on got the powerg got the magic
Radio on 50,000 watts of power
Radio on going faster miles an hour
Radio on I feel like a roadrunner Yeah
Can't ya hear it
out in Jersey now
New York City when it's late at night
I'm on West Side Highway heading
Up to the G.W. Bridge down by the power lines
I see all the neon and it's cold at night
I got my radio on
It's so exciting here with the skyscrapers
In the dark
I feel in touch with the modern world
I feel in touch I feel alive
With 50,000 watts of power
I got the radio
on
Roadrunner roadrunner
Radio on going faster miles an hour
Radio on ya know I walk by the Stop-n-Shop
Radio on and then I drove by the Stop-n-Shop
Radio on and I like that much better than
Walking by the Stop-n-Shop
Radio on I had the radio on
Radio on I felt
in touch with the modern world
Radio on I fell in love with the modern world
Radio on I feel in love, feelin' love I got the
Radio on like the power, got the magic
Radio on got the AM
Radio on got the FM
Radio on 50,000 watts of power
Radio on going faster miles an hour
Radio on and the neon and it's cold outside
Radio on I feel in touch I feel in love I feel in love
Radio on I got the I got the I got the
Radio on I got the I got the I got the I got the
Radio on again
Radio on
Pablo Picasso
Well some people
try to pick up girls
And get called assholes
This never happened to Pablo Picasso
He could walk down your street
And girls could not resist his stare and
So Pablo Picasso was never called an asshole
Well the girls
would turn the color
Of the avocado when he would drive
Down their street in his El Dorado
He could walk down your street
And girls could not resist his stare
Pablo Picasso never got called an asshole
Not like you
Alright
Well he was only
5'3"
But girls could not resist his stare
Pablo Picasso never got called an asshole
Not in New York
Oh well be not
schmuck, be not obnoxious,
Be not bellbottom bummer or asshole
Remember the story of Pablo Picasso
He could walk down your street
And girls could not resist his stare
Pablo Picasso was never called an asshole
Alright this is it
Some people try
to pick up girls
And they get called an asshole
This never happened to Pablo Picasso
He could walk down your street
And girls could not resist his stare and so
Pablo Picasso was never called...
Discografia
The Modern Lovers (1976)
Jonathan Richman & The Modern Lovers (1977)
Rock 'n' Roll With The Modern Lovers (1977)
The Modern Lovers Live (1978)
Back In Your Life (1979)
The Original Modern Lovers (early demos, 1981)
Jonathan Sings! (1983)
Rockin' And Romance (1988)
It's Time For (1988)
Modern Lovers '88 (1988)
Jonathan Richman* (1989)
Jonathan Goes Country* (1990)
Having A Party With Jonathan Richman* (1991)
I, Jonathan* (1992)
Live At The Long Branch Saloon (1992)
Jonathan, Te Vas A Emocionar!* (1994)
Precise Modern Lovers Order (1994)
You Must Ask The Heart* (1995)
Surrender To Jonathan* (1996)
I'm So Confused (1998)
Her Mystery Not of High Heels and Eye Shadow* (2001)
Not So Much to Be Loved as to Love* (2004)
Roadrunner, Roadrunner: The Beserkley Collection (2004)
* discos solos de Jonathan Richman
|