São poucos
os casos no mundinho da música pop de artistas que mudaram
totalmente de estilo e conseguiram apresentar um trabalho tão
bom ou até melhor do que o anterior. Esse é o caso
de Mr. Neil Halstead, capitão do Mojave 3 e também
o fundador do Slowdive, um dos expoentes da cena shoegazer. Como
se não bastasse, atualmente ele mantém uma carreira-solo
com igual qualidade em relação ao Mojave.
Mojave
3: perfeição em forma de melancolia
Se
no começo o Slowdive era comparado com grupos como Cocteau
Twins, atuando no Mojave 3, que faz um som muito mais americano
que britânico, Neil chegou a ser comparado por algumas publicações
dos EUA como o Bob Dylan de sua geração. Um elogio
e tanto!
Hoje, Neil vive uma situação
invejável: é adorado nos Estados Unidos graças
à sua aproximação com o folk e com o country,
e também no Reino Unido, já que, com o aparecimento
de um novo hype chamado nu-gazer (bandas novas que se inspiram
em grupos da virada dos anos 80/90 como My Bloody Valentine, Ride
e Slowdive), sua antiga banda volta a estar na crista da onda,
com lançamento de coletâneas e até um disco-tributo.
Mas
nem sempre foi assim. Em 1995, dois anos após o lançamento
do memorável segundo álbum Souvlaki,
o Slowdive, notável pelas melodias profundamente tristes,
recheadas de pedais dos mais variados, estava implodindo, devido
às diferenças musicais de seus membros. Vivendo
esses conflitos, e ainda perturbado pela falta de divulgação
de seus trabalhos pela gravadora, o Slowdive acabou fazendo um
disco fraco, Pygmaleon, certamente o ponto mais
baixo da discografia do Slowdive/Mojave 3/Neil/Rachel.
Vendo que a situação
tinha se tornado insustentável, Neil Halstead, sua fiel
escudeira Rachel Goswell mais o baterista Ian McCutcheon acabam
saindo do Slowdive para trabalhar em outro projeto musical. O
nome escolhido revela bem o espírito do novo grupo: Mojave
3 (Mojave é um famoso e desolado deserto norte-americano,
e o "3" refere-se ao trio).
O
primeiro disco foi gravado e lançado em 1996, com o título
Ask Me Tomorrow, no qual notava-se que a melancolia
profunda inerente às canções de Neil, manteve-se
no Mojave 3, porém, com uma diferença.
Ao invés da letargia
psicodélica do Slowdive, a nova banda trazia uma profunda
tristeza característica da música country norte-americana.
Excelente exemplo disso é a canção "Love
Songs In the Radio", um clássico. Ao invés
de centenas de efeitos sonoros saídos de pedais, o abuso
de slide-guitar.
Os vocais continuaram sendo
predominantemente de Neil, mas com uma participação
maior de Rachel, agora com um timbre mais sensual.
Para
o segundo disco, Out of Tune, de 1998, o trio
ganhou um considerável reforço: o colega da cena
shoegazer Simon Rowe, guitarrista do Chapterhouse.
Notava-se que o grupo evoluía
nas melodias, agora mais consistentes e com um leve peso nas guitarras,
cortesia de Simon.
Neste álbum, Neil
mostrou duas composições clássicas na carreira
da banda, “Some Kinda Angel” e “Keep It All
Hid”, que na verdade ficam poucos pontos acima das outras
oito músicas que compõem o disco, bem estruturado
e extremamente agradável de se ouvir.
Se
Ask Me Tomorrow e Out of Tune
foram dois excelentes discos, abrindo com chave de ouro uma carreira
magnífica, nenhum deles, entretanto, brilha mais do que
Excuses for Travellers, o emotivo e impressionante
terceiro álbum do Mojave. Que, aliás, não
foi superado pelos seus sucessores, Spoon and Rafter
e o recente Puzzles Like You.
Além de ser o ponto
mais alto da carreira de Neil & Cia, Excuses...
é, na modesta opinião deste colunista, um dos três
melhores discos feitos na década de 90 (o disco é
de 2000, portanto, pertence à década de 90).
Parece que Neil Halstead
viajou para o deserto de Mojave com a firme missão de fazer
um álbum grandioso. Arranjos celestiais, solos de guitarra
precisos, letras de pura poesia, e até um coral gospel
- realçando a sonoridade americanizada do grupo -, foram
introduzidos para arrancar lágrimas até para os
possuidores de um coração de pedra.
Excuses
for Travellers é um álbum com 10 músicas
(na versão lançada na Europa e no Brasil - o disco
americano vem com duas canções a mais). A primeira,
“In Love With A View”, traz uma das mais belas e perfeitas
melodias já compostas por um artista britânico. A
letra conta a história singela de um sujeito que viaja
para ver uma casa e, em frente a uma janela, apaixona-se pela
vista. É difícil descrever as emoções
emanadas pela música. Só ouvindo mesmo. “Trying
to Reach You”, a seguinte, tem uma levada mais alegre, e
vai atingir em cheio o coração de pessoas que estejam
na situação de querer mandar o companheiro "para
aquele lugar".
Já em “My
Life In Art”, Neil mostra-se como um viajante que pára
em um boteco vagabundo e fica fascinado com a vida de uma stripper,
que tem sonhos de virar artista, mas enquanto sua chance não
chega, vai ganhando a vida tirando a roupa... “Return to
Sender” é outra música de fazer chorar, não
só pelo andamento alegre da melodia, mas pela letra, que
nos faz refletir sobre a inocência perdida.
As quatro primeiras músicas
já são um magnífico introdutório ao
álbum, e as demais seguem na mesma emotiva toada. “She
Broke You So Softly” é irmã gêmea de
Neil Jung, do Teenage Fanclub, em termos de letra. Sob uma melodia
de tristeza ímpar, um sujeito tenta consolar outro que
levou um fora da namorada. “Prayer For Paranoyd” é
a história de um cara que foi para uma batalha distante
e fica escrevendo cartas para a distante companheira. E as emoções
jorrando fortemente da guitarra de Neil. Fechando o brilhante
trabalho, “Got the Sunshine” traz um coral gospel
que dissipa qualquer dúvida sobre o gosto de Neil pela
música americana. Excuses for Travellers é um álbum
nota dez, com louvor.
Com
a responsabilidade de suceder a um trabalho perfeito, Spoon
and Rafter, lançado em 2003, acabou por revelar
outra faceta de Neil: a pretensão. Afinal, abrir o disco
com uma faixa de nove minutos, “Bluebird of Happiness”,
e ainda conseguir emocionar, não é para qualquer
um. E Mr. Halstead consegue a façanha. Embora não
tão emotivo quanto o anterior, Spoon and Rafter traz excelentes
momentos, como a faixa já citada, e a excepcional “Battle
of Broken Hearts”. Uma curiosidade: a canção
número 3, Bill Oddity, entrou em uma das trilhas sonoras
do seriado The O.C.
Em 2006, o gênio
Neil Halstead brinda o mundo musical com mais uma obra-prima:
Puzzles Like You. Com tons bem mais alegres que
os trabalhos anteriores.
Se Neil chegou a ser anunciado
como o Bob Dylan da nova geração, graças
às suas letras poéticas e melodias tão bem
construídas quanto melancólicas, parece que ele
não quis levar adiante esta tremenda responsabilidade.
Puzzles Like You é vibrante e colorido,
sem deixar de ser tecnicamente muito bem tocado.
Das 12 músicas,
apenas três tem alguma sombra de melancolia. E a primeira
delas é só a quinta do disco. As quatro primeiras
vão bater fundo nos admiradores do melhor indie pop
(ou perfect pop, como se chamava o estilo nos anos
80). Com boas letras e refrões simples (mas não
simplórios), grudam como chiclete nos cérebros dos
ouvintes.
Tal
mudança de rumo tem uma justificativa aparente. Pela primeira
vez, tanto na história do Mojave 3 como do Slowdive e também
da carreira solo de Neil Halstead, o disco foi inteiramente gravado
no estúdio particular do líder da banda, o que ajudou,
sem dúvida, na criação do clima divertido
e emocional de Puzzles Like You. Em entrevista
para o site Pitchforkmedia, Neil reconhece que
as sessões de gravação foram muito divertidas
e isso resultou no alto-astral que transpira de quase todas as
canções do disco, esperando apenas que isso não
desagrade aos fãs que viam no Mojave 3 o supra-sumo da
melancolia.
O disco começa muito
bem com “Truck Driving Man”, que dá bem a noção
do que vem pela frente: batida acelerada, guitarras muito mais
rápidas do que o habitual e o tradicional vocal adocicado
de Neil que tenta (sem conseguir) adicionar uma certa urgência
- o que é novidade em se tratando de Mojave 3.
A
segunda canção, que dá nome ao disco, é
igualmente doce, alegre e rapidinha, lembrando (como várias
outras), Belle and Sebastian nos momentos mais inspirados. O disco
continua com músicas que beiram o power pop, como no primeiro
single "Breaking the Ice", com direito até a
palmas no refrão e também em "Big Star Baby".
Ao invés de temas
como saudade, contemplação, tristeza, presentes
em todos os discos anteriores, Neil vai direto ao ponto no refrão
(correndo o risco de assustar os fãs mais rigorosos): "I
Wanna Be A Big Star, Baby. Anyway". Estranhou? Esse é
o clima de "Puzzles Like You", disco que prova que alegria
também pode ser relacionada com qualidade e melodias de
alto nível. Características que estão sempre
presentes na carreira de Neil Halstead, seja no Mojave 3, Slowdive
ou mesmo solo.
Discografias
Mojave 3
CDs
Ask Me Tomorrow (1996)
Out of Tune (1998)
Excuses for Travellers (2000)
Spoon and Rafter (2003)
Puzzles Like You (2006)
Singles
Some Kinda Angel (1998)
Who Do You Love (1998)
In Love with a View (2000)
Return to Sender 4AD (2000)
Any Day Will Be Fine (2000)
Breaking the Ice (EP, 2006)
Slowdive
CDs
Just for a Day (1991)
Souvlaki (1993)
Pygmalion (1995)
Singles
Slowdive (1990)
Morningrise (1991)
Holding Our Breath (1991)
Outside Your Room (1993)
5 Creation (1993)
5 (In Mind Remixes) (1993)
Coletâneas
Blue Day (1992)
Catch the Breeze (2004)
Neil Halstead
CD
Sleeping on Roads (2002)
Single
Seasons (2002)
Rachel Goswell
CD
Waves Are Universal (2004)
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