03 - Mojave 3

 

São poucos os casos no mundinho da música pop de artistas que mudaram totalmente de estilo e conseguiram apresentar um trabalho tão bom ou até melhor do que o anterior. Esse é o caso de Mr. Neil Halstead, capitão do Mojave 3 e também o fundador do Slowdive, um dos expoentes da cena shoegazer. Como se não bastasse, atualmente ele mantém uma carreira-solo com igual qualidade em relação ao Mojave.


Mojave 3: perfeição em forma de melancolia

Neil HalsteadSe no começo o Slowdive era comparado com grupos como Cocteau Twins, atuando no Mojave 3, que faz um som muito mais americano que britânico, Neil chegou a ser comparado por algumas publicações dos EUA como o Bob Dylan de sua geração. Um elogio e tanto!

Hoje, Neil vive uma situação invejável: é adorado nos Estados Unidos graças à sua aproximação com o folk e com o country, e também no Reino Unido, já que, com o aparecimento de um novo hype chamado nu-gazer (bandas novas que se inspiram em grupos da virada dos anos 80/90 como My Bloody Valentine, Ride e Slowdive), sua antiga banda volta a estar na crista da onda, com lançamento de coletâneas e até um disco-tributo.

SlowdiveMas nem sempre foi assim. Em 1995, dois anos após o lançamento do memorável segundo álbum Souvlaki, o Slowdive, notável pelas melodias profundamente tristes, recheadas de pedais dos mais variados, estava implodindo, devido às diferenças musicais de seus membros. Vivendo esses conflitos, e ainda perturbado pela falta de divulgação de seus trabalhos pela gravadora, o Slowdive acabou fazendo um disco fraco, Pygmaleon, certamente o ponto mais baixo da discografia do Slowdive/Mojave 3/Neil/Rachel.

Vendo que a situação tinha se tornado insustentável, Neil Halstead, sua fiel escudeira Rachel Goswell mais o baterista Ian McCutcheon acabam saindo do Slowdive para trabalhar em outro projeto musical. O nome escolhido revela bem o espírito do novo grupo: Mojave 3 (Mojave é um famoso e desolado deserto norte-americano, e o "3" refere-se ao trio).

capa do disco Ask Me TomorrowO primeiro disco foi gravado e lançado em 1996, com o título Ask Me Tomorrow, no qual notava-se que a melancolia profunda inerente às canções de Neil, manteve-se no Mojave 3, porém, com uma diferença.

Ao invés da letargia psicodélica do Slowdive, a nova banda trazia uma profunda tristeza característica da música country norte-americana. Excelente exemplo disso é a canção "Love Songs In the Radio", um clássico. Ao invés de centenas de efeitos sonoros saídos de pedais, o abuso de slide-guitar.

Os vocais continuaram sendo predominantemente de Neil, mas com uma participação maior de Rachel, agora com um timbre mais sensual.

capa do disco Out of TunePara o segundo disco, Out of Tune, de 1998, o trio ganhou um considerável reforço: o colega da cena shoegazer Simon Rowe, guitarrista do Chapterhouse.

Notava-se que o grupo evoluía nas melodias, agora mais consistentes e com um leve peso nas guitarras, cortesia de Simon.

Neste álbum, Neil mostrou duas composições clássicas na carreira da banda, “Some Kinda Angel” e “Keep It All Hid”, que na verdade ficam poucos pontos acima das outras oito músicas que compõem o disco, bem estruturado e extremamente agradável de se ouvir.

capa do disco Excuses for TravellersSe Ask Me Tomorrow e Out of Tune foram dois excelentes discos, abrindo com chave de ouro uma carreira magnífica, nenhum deles, entretanto, brilha mais do que Excuses for Travellers, o emotivo e impressionante terceiro álbum do Mojave. Que, aliás, não foi superado pelos seus sucessores, Spoon and Rafter e o recente Puzzles Like You.

Além de ser o ponto mais alto da carreira de Neil & Cia, Excuses... é, na modesta opinião deste colunista, um dos três melhores discos feitos na década de 90 (o disco é de 2000, portanto, pertence à década de 90).

Parece que Neil Halstead viajou para o deserto de Mojave com a firme missão de fazer um álbum grandioso. Arranjos celestiais, solos de guitarra precisos, letras de pura poesia, e até um coral gospel - realçando a sonoridade americanizada do grupo -, foram introduzidos para arrancar lágrimas até para os possuidores de um coração de pedra.

Excuses for Travellers é um álbum com 10 músicas (na versão lançada na Europa e no Brasil - o disco americano vem com duas canções a mais). A primeira, “In Love With A View”, traz uma das mais belas e perfeitas melodias já compostas por um artista britânico. A letra conta a história singela de um sujeito que viaja para ver uma casa e, em frente a uma janela, apaixona-se pela vista. É difícil descrever as emoções emanadas pela música. Só ouvindo mesmo. “Trying to Reach You”, a seguinte, tem uma levada mais alegre, e vai atingir em cheio o coração de pessoas que estejam na situação de querer mandar o companheiro "para aquele lugar".

Já em “My Life In Art”, Neil mostra-se como um viajante que pára em um boteco vagabundo e fica fascinado com a vida de uma stripper, que tem sonhos de virar artista, mas enquanto sua chance não chega, vai ganhando a vida tirando a roupa... “Return to Sender” é outra música de fazer chorar, não só pelo andamento alegre da melodia, mas pela letra, que nos faz refletir sobre a inocência perdida.

As quatro primeiras músicas já são um magnífico introdutório ao álbum, e as demais seguem na mesma emotiva toada. “She Broke You So Softly” é irmã gêmea de Neil Jung, do Teenage Fanclub, em termos de letra. Sob uma melodia de tristeza ímpar, um sujeito tenta consolar outro que levou um fora da namorada. “Prayer For Paranoyd” é a história de um cara que foi para uma batalha distante e fica escrevendo cartas para a distante companheira. E as emoções jorrando fortemente da guitarra de Neil. Fechando o brilhante trabalho, “Got the Sunshine” traz um coral gospel que dissipa qualquer dúvida sobre o gosto de Neil pela música americana. Excuses for Travellers é um álbum nota dez, com louvor.

Com a responsabilidade de suceder a um trabalho perfeito, Spoon and Rafter, lançado em 2003, acabou por revelar outra faceta de Neil: a pretensão. Afinal, abrir o disco com uma faixa de nove minutos, “Bluebird of Happiness”, e ainda conseguir emocionar, não é para qualquer um. E Mr. Halstead consegue a façanha. Embora não tão emotivo quanto o anterior, Spoon and Rafter traz excelentes momentos, como a faixa já citada, e a excepcional “Battle of Broken Hearts”. Uma curiosidade: a canção número 3, Bill Oddity, entrou em uma das trilhas sonoras do seriado The O.C.

Em 2006, o gênio Neil Halstead brinda o mundo musical com mais uma obra-prima: Puzzles Like You. Com tons bem mais alegres que os trabalhos anteriores.

Se Neil chegou a ser anunciado como o Bob Dylan da nova geração, graças às suas letras poéticas e melodias tão bem construídas quanto melancólicas, parece que ele não quis levar adiante esta tremenda responsabilidade. Puzzles Like You é vibrante e colorido, sem deixar de ser tecnicamente muito bem tocado.

Das 12 músicas, apenas três tem alguma sombra de melancolia. E a primeira delas é só a quinta do disco. As quatro primeiras vão bater fundo nos admiradores do melhor indie pop (ou perfect pop, como se chamava o estilo nos anos 80). Com boas letras e refrões simples (mas não simplórios), grudam como chiclete nos cérebros dos ouvintes.

capa do disco Puzzles Like YouTal mudança de rumo tem uma justificativa aparente. Pela primeira vez, tanto na história do Mojave 3 como do Slowdive e também da carreira solo de Neil Halstead, o disco foi inteiramente gravado no estúdio particular do líder da banda, o que ajudou, sem dúvida, na criação do clima divertido e emocional de Puzzles Like You. Em entrevista para o site Pitchforkmedia, Neil reconhece que as sessões de gravação foram muito divertidas e isso resultou no alto-astral que transpira de quase todas as canções do disco, esperando apenas que isso não desagrade aos fãs que viam no Mojave 3 o supra-sumo da melancolia.

O disco começa muito bem com “Truck Driving Man”, que dá bem a noção do que vem pela frente: batida acelerada, guitarras muito mais rápidas do que o habitual e o tradicional vocal adocicado de Neil que tenta (sem conseguir) adicionar uma certa urgência - o que é novidade em se tratando de Mojave 3.

A segunda canção, que dá nome ao disco, é igualmente doce, alegre e rapidinha, lembrando (como várias outras), Belle and Sebastian nos momentos mais inspirados. O disco continua com músicas que beiram o power pop, como no primeiro single "Breaking the Ice", com direito até a palmas no refrão e também em "Big Star Baby".

Ao invés de temas como saudade, contemplação, tristeza, presentes em todos os discos anteriores, Neil vai direto ao ponto no refrão (correndo o risco de assustar os fãs mais rigorosos): "I Wanna Be A Big Star, Baby. Anyway". Estranhou? Esse é o clima de "Puzzles Like You", disco que prova que alegria também pode ser relacionada com qualidade e melodias de alto nível. Características que estão sempre presentes na carreira de Neil Halstead, seja no Mojave 3, Slowdive ou mesmo solo.

Discografias

Mojave 3

CDs

Ask Me Tomorrow (1996)
Out of Tune (1998)
Excuses for Travellers (2000)
Spoon and Rafter (2003)
Puzzles Like You (2006)

Singles

Some Kinda Angel (1998)
Who Do You Love (1998)
In Love with a View (2000)
Return to Sender 4AD (2000)
Any Day Will Be Fine (2000)
Breaking the Ice (EP, 2006)

Slowdive

CDs

Just for a Day (1991)
Souvlaki (1993)
Pygmalion (1995)

Singles

Slowdive (1990)
Morningrise (1991)
Holding Our Breath (1991)
Outside Your Room (1993)
5 Creation (1993)
5 (In Mind Remixes) (1993)

Coletâneas

Blue Day (1992)
Catch the Breeze (2004)

Neil Halstead

CD

Sleeping on Roads (2002)

Single

Seasons (2002)

Rachel Goswell

CD

Waves Are Universal (2004)