Certa vez perguntado
sobre qual pianista gostava de ouvir, Bud Powell, um dos maiores
nomes do bebop não teve dúvidas: Thelonious Monk.
"Se fosse possível juntar um pianista que reunisse
a minha técnica com as idéias de Monk, não
precisaríamos de outros pianistas. Ouça Monk. É
um homem de idéias". Mais do que um homem de "idéias",
Monk é um dos maiores nomes do jazz e da música
do Século XX. Sua parceria com John Coltrane durante o
ano de 1957 foi uma das mais belas da música e merece ter
sua história contada.
Thelonious
Sphere Monk não foi simplesmente um brilhante pianista.
Monk foi um pensador jazz e talvez o maior compositor do estilo
após Duke Ellington e, para muitos, o maior de todos.
Monk não era um
pianista de grande velocidade, mas obcecado pelo ritmo e tonalidades
incomuns para a época. Sobre isso, dizia o próprio:
"eu digo sempre: não toque o que o público
deseja; toque o que você quer e deixe que eles escolham
as que mais gostam de sua obra, mesmo que isso leve 15 ou 20 anos."
Essa visão incomum
fez de Thelonious Monk um músico e um homem absolutamente
comprometido com sua arte. E não poderia ter encontrado
melhor e maior parceiro em John Coltrane.
Thelonious
Monk e John Coltrane já eram conhecidos de velha data,
mas a colaboração entre os dois se deu quando Monk
foi a um show do Miles Davis Quintet e viu, nos bastidores, Miles
perder a compostura e agredir Trane, que, envergonhado por ter
sido humilhado por seu mentor, calou-se.
Irritado com a cena - Monk
e Miles Davis não eram grandes amigos - convidou o saxofonista
para entrar em seu quarteto, convite que Coltrane aceitou imediatamente.
Assim, em junho de 1957, os dois começariam uma parceria
que marcaria a história da música.
Coltrane estava extasiado
pelo convite por vários motivos: Monk era um compositor
extremamente talentoso e um estudioso obstinado, exatamente o
mesmo perfil dele.
Coltrane costumava ir à
casa de Monk, tirá-lo da cama e imediatamente começavam
a ensaiar. Coltrane lembra que o pianista abria seu imenso catálogo
de composições, escolhia uma e ficavam tocando por
horas. As melodias incomuns eram tão complicadas mesmo
para alguém como Coltrane, que ele confessou que conseguiam
apenas ensaiar uma música por dia, quando muito.
Além de Monk e Coltrane, o quarteto
consistia no baterista Shadow Wilson e no baixista Ahmed Abdul-Malik.
Juntos, fizeram shows memoráveis, como o dessa foto,
que ficou registrado no disco Live At The Five Spot
Discovery! e que mostra como ambos eram irmãos
em concepções e idéias. Durante seis meses
o quarteto era atração principal quase que diária
do Café Five Spot e produziram momentos inesquecíveis.
Há quem jure que apenas a dupla formada por Dizzy Gillespie
e Charlie Parker produziu algo semelhante.
Monk era pouco afeito a gravar uma música
várias vezes em estúdio; geralmente fazia um ou
dois takes e se alguém errasse ficaria como
estava. Por isso, existia alguma tensão em entrar em
estúdio com ele.
Um dos inventores do bebop, Monk acabaria
odiando o estilo e não admitia que os músicos
improvisassem dessa maneira em cima de suas músicas.
"Não toque bebop, leia a partitura! Se não
sabe o que está escrito, não toque bebop!".
Apesar de sua imensa paciência
- o sobrenome Monk (Monge, em inglês), lhe caia como uma
luva - e educação, Monk costumava ficar irritado
quando alguém lhe dizia que sua música era muito
complicada. Certa vez em um ensaio com Sonny Rollins e o próprio
Coltrane percebeu que ambos não conseguiam executar a
partitura e disse: "vocês são dois dos maiores
músicos e são capazes de ler uma simples partitura
e tocá-la. Portanto, façam seu trabalho."
E
Coltrane tinha uma verdadeira admiração pelo pianista:
"ele é um dos poucos que realmente pensa a música.
Monk é um arquiteto musical da mais alta ordem."
Coltrane também já começava
a desenvolver seu estilo único e amava estudar e pesquisar
novas possibilidades sonoras. Esse era um dos motivos que às
vezes exasperava Miles Davis, pois muitas vezes Coltrane começava
um solo e não parava mais. "Subíamos para
fazer uma apresentação de 40 minutos e John começava
a solar sem parar e se eu o deixasse, ficaria lá por
uma hora. Uma vez perguntei porque ele não parava e ele
me disse que quando começava não conseguia porque
não sabia como fazer. Pedi para que ele tentasse tirar
o saxofone da boca, para começar."
Por
problemas contratuais - Coltrane já tinha contrato com
a Prestige - os dois poucos puderam gravar, mas certamente merece
um destaque todo especial o disco Thelonious Monk with
John Coltrane. Apesar de gravado em 1957, o disco só
foi lançado em 1961.
As seis composições do
disco - "Ruby My Dear", "Trinkle, Tinkle"
e "Off Minor", no lado A e "Nutty", "Epistrophy"
e Functional" tinham sido retiradas do imenso catálogo
do pianista.
Nessas gravações aconteceram
algumas variações entre os membros. Nas faixas
"Ruby My Dear", "Trinkle, Tinkle" e "Nutty",
a banda era composta por Monk, Coltrane, Wilbur Ware (baixo)
e Shadow Wilson (bateria). Em outras duas faixas - "Off
Minor" e "Epistrophy", os dois tiveram a companhia
de Coleman Hawkins (sax tenor), Gigi Gryce (sax alto), Ray Copeland
(trumpete) e Art Blakey (bateria). Curiosamente, a faixa que
fecha o disco, "Functional" é um longo solo
apenas de Monk.
As músicas desse disco foram espalhadas
em alguns lançamentos de Thelonious pelo selo Riverside.
"Off Minor" e "Epistrophy" faziam parte
de Monk's Music; "Functional", estava
no disco Thelonious Himself.
O disco mostra como duas mentes que pensavam
iguais podiam produzir momentos de pura magia. Coltrane sabia
comandar quando líder, mas aceitava tranquilamente ordens
quando tocava composições alheias, em parte por
causa de Miles Davis que costumava dizer exatamente o que e
quando cada músico devia tocar em suas composições.
Miles, porém, permitia improvisos e nesses improvisos
é que Coltrane brilhava.
Recentemente,
dois discos deram ainda mais brilho à parceria entre
Thelonious Monk. O primeiro é The Complete 1957
Riverside Recordings e o segundo é Thelonious
Monk Quartet with John Coltrane at Carnegie Hall, gravado
em 29 de novembro de 1957, numa noite de Ação
de Graças, onde dividiram o palco com Billie Holiday,
Ray Charles, Chet Baker, Dizzy Gillespie, Sonny Rollins e Zoot
Sims.
Apesar do pouco tempo juntos, Monk deixou
marcas profundas em Coltrane da mesma maneira que havia deixado
em Miles Davis, Sonnu Rollins e em todos com quem tocou. Certa
vez, Rollins o definiu da seguinte maneira: "ele é
um mágico Os músicos olham o que ele escreve e
perguntam 'mas como é possível passar dessa parte
para a outra, não tem como, qual é o segredo?'
E, ao final da noite, todos conseguiam executar e ficavam maravilhados
com a beleza de tudo".
Deixo a discografia conjunta dos dois.
Um abraço e até a próxima coluna.
Discografia
Thelonious Himself (1957)
Thelonious Monk With John Coltrane (1957, lançado em 1961)
Monk’s Music (1957)
Live At The Five Spot Discovery! (1958)
The Complete Riverside Recordings (1958)
The Complete Blue Note Recordings (1958)
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