259 - Thelonious Monk with John Coltrane
 

Certa vez perguntado sobre qual pianista gostava de ouvir, Bud Powell, um dos maiores nomes do bebop não teve dúvidas: Thelonious Monk. "Se fosse possível juntar um pianista que reunisse a minha técnica com as idéias de Monk, não precisaríamos de outros pianistas. Ouça Monk. É um homem de idéias". Mais do que um homem de "idéias", Monk é um dos maiores nomes do jazz e da música do Século XX. Sua parceria com John Coltrane durante o ano de 1957 foi uma das mais belas da música e merece ter sua história contada.


Thelonious Sphere Monk não foi simplesmente um brilhante pianista. Monk foi um pensador jazz e talvez o maior compositor do estilo após Duke Ellington e, para muitos, o maior de todos.

Monk não era um pianista de grande velocidade, mas obcecado pelo ritmo e tonalidades incomuns para a época. Sobre isso, dizia o próprio: "eu digo sempre: não toque o que o público deseja; toque o que você quer e deixe que eles escolham as que mais gostam de sua obra, mesmo que isso leve 15 ou 20 anos."

Essa visão incomum fez de Thelonious Monk um músico e um homem absolutamente comprometido com sua arte. E não poderia ter encontrado melhor e maior parceiro em John Coltrane.

Thelonious Monk e John Coltrane já eram conhecidos de velha data, mas a colaboração entre os dois se deu quando Monk foi a um show do Miles Davis Quintet e viu, nos bastidores, Miles perder a compostura e agredir Trane, que, envergonhado por ter sido humilhado por seu mentor, calou-se.

Irritado com a cena - Monk e Miles Davis não eram grandes amigos - convidou o saxofonista para entrar em seu quarteto, convite que Coltrane aceitou imediatamente. Assim, em junho de 1957, os dois começariam uma parceria que marcaria a história da música.

Coltrane estava extasiado pelo convite por vários motivos: Monk era um compositor extremamente talentoso e um estudioso obstinado, exatamente o mesmo perfil dele.

Coltrane costumava ir à casa de Monk, tirá-lo da cama e imediatamente começavam a ensaiar. Coltrane lembra que o pianista abria seu imenso catálogo de composições, escolhia uma e ficavam tocando por horas. As melodias incomuns eram tão complicadas mesmo para alguém como Coltrane, que ele confessou que conseguiam apenas ensaiar uma música por dia, quando muito.

Além de Monk e Coltrane, o quarteto consistia no baterista Shadow Wilson e no baixista Ahmed Abdul-Malik. Juntos, fizeram shows memoráveis, como o dessa foto, que ficou registrado no disco Live At The Five Spot Discovery! e que mostra como ambos eram irmãos em concepções e idéias. Durante seis meses o quarteto era atração principal quase que diária do Café Five Spot e produziram momentos inesquecíveis. Há quem jure que apenas a dupla formada por Dizzy Gillespie e Charlie Parker produziu algo semelhante.

Monk era pouco afeito a gravar uma música várias vezes em estúdio; geralmente fazia um ou dois takes e se alguém errasse ficaria como estava. Por isso, existia alguma tensão em entrar em estúdio com ele.

Um dos inventores do bebop, Monk acabaria odiando o estilo e não admitia que os músicos improvisassem dessa maneira em cima de suas músicas. "Não toque bebop, leia a partitura! Se não sabe o que está escrito, não toque bebop!".

Apesar de sua imensa paciência - o sobrenome Monk (Monge, em inglês), lhe caia como uma luva - e educação, Monk costumava ficar irritado quando alguém lhe dizia que sua música era muito complicada. Certa vez em um ensaio com Sonny Rollins e o próprio Coltrane percebeu que ambos não conseguiam executar a partitura e disse: "vocês são dois dos maiores músicos e são capazes de ler uma simples partitura e tocá-la. Portanto, façam seu trabalho."

Monk, sua esposa Nellie e ColtraneE Coltrane tinha uma verdadeira admiração pelo pianista: "ele é um dos poucos que realmente pensa a música. Monk é um arquiteto musical da mais alta ordem."

Coltrane também já começava a desenvolver seu estilo único e amava estudar e pesquisar novas possibilidades sonoras. Esse era um dos motivos que às vezes exasperava Miles Davis, pois muitas vezes Coltrane começava um solo e não parava mais. "Subíamos para fazer uma apresentação de 40 minutos e John começava a solar sem parar e se eu o deixasse, ficaria lá por uma hora. Uma vez perguntei porque ele não parava e ele me disse que quando começava não conseguia porque não sabia como fazer. Pedi para que ele tentasse tirar o saxofone da boca, para começar."

Por problemas contratuais - Coltrane já tinha contrato com a Prestige - os dois poucos puderam gravar, mas certamente merece um destaque todo especial o disco Thelonious Monk with John Coltrane. Apesar de gravado em 1957, o disco só foi lançado em 1961.

As seis composições do disco - "Ruby My Dear", "Trinkle, Tinkle" e "Off Minor", no lado A e "Nutty", "Epistrophy" e Functional" tinham sido retiradas do imenso catálogo do pianista.

Nessas gravações aconteceram algumas variações entre os membros. Nas faixas "Ruby My Dear", "Trinkle, Tinkle" e "Nutty", a banda era composta por Monk, Coltrane, Wilbur Ware (baixo) e Shadow Wilson (bateria). Em outras duas faixas - "Off Minor" e "Epistrophy", os dois tiveram a companhia de Coleman Hawkins (sax tenor), Gigi Gryce (sax alto), Ray Copeland (trumpete) e Art Blakey (bateria). Curiosamente, a faixa que fecha o disco, "Functional" é um longo solo apenas de Monk.

As músicas desse disco foram espalhadas em alguns lançamentos de Thelonious pelo selo Riverside. "Off Minor" e "Epistrophy" faziam parte de Monk's Music; "Functional", estava no disco Thelonious Himself.

O disco mostra como duas mentes que pensavam iguais podiam produzir momentos de pura magia. Coltrane sabia comandar quando líder, mas aceitava tranquilamente ordens quando tocava composições alheias, em parte por causa de Miles Davis que costumava dizer exatamente o que e quando cada músico devia tocar em suas composições. Miles, porém, permitia improvisos e nesses improvisos é que Coltrane brilhava.

Recentemente, dois discos deram ainda mais brilho à parceria entre Thelonious Monk. O primeiro é The Complete 1957 Riverside Recordings e o segundo é Thelonious Monk Quartet with John Coltrane at Carnegie Hall, gravado em 29 de novembro de 1957, numa noite de Ação de Graças, onde dividiram o palco com Billie Holiday, Ray Charles, Chet Baker, Dizzy Gillespie, Sonny Rollins e Zoot Sims.

Apesar do pouco tempo juntos, Monk deixou marcas profundas em Coltrane da mesma maneira que havia deixado em Miles Davis, Sonnu Rollins e em todos com quem tocou. Certa vez, Rollins o definiu da seguinte maneira: "ele é um mágico Os músicos olham o que ele escreve e perguntam 'mas como é possível passar dessa parte para a outra, não tem como, qual é o segredo?' E, ao final da noite, todos conseguiam executar e ficavam maravilhados com a beleza de tudo".

Deixo a discografia conjunta dos dois. Um abraço e até a próxima coluna.

Discografia

Thelonious Himself (1957)
Thelonious Monk With John Coltrane (1957, lançado em 1961)
Monk’s Music (1957)
Live At The Five Spot Discovery! (1958)
The Complete Riverside Recordings (1958)
The Complete Blue Note Recordings (1958)


 

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