40 - Motormama - entrevista com Régis Martins

 

Há vários anos ouço falar nessa banda, mas confesso que pouca coisa tinha ouvido. Mas, ao assistir o vídeo de "Flores Sujas No Quintal" gostei tanto que comprei o compacto. Para minha surpresa, o Motormama é da minha cidade natal, Ribeirão Preto. Pronto, tinha agora dois motivos para entrevistar o grupo.


Minha curiosidade só foi saciada quando entrei na página deles no facebook e pedi uma entrevista, aceita por Régis Martins que reclamou um pouco do tamanho ("tem pergunta pra caramba!"). Mesmo correndo o risco de uma tendinite, Régis foi a simpatia em pessoa (como todo ribeirão-pretano) e deu a ficha completa...

Mofo: - Como foi que tudo começou, desde os primórdios do Motorcycle Mama, até hoje.
Régis Martins: -
O Motorcycle Mama nasceu nos anos 1990 de uma outra banda, Os Egoístas, que montei na época da faculdade. O Motorcycle era um trio que chegou a participar de uma coletânea lançada pela Rock It!, gravadora carioca do Dado Villa-Lobos, guitarrista do Legião Urbana. O CD se chamava Brasil Compacto, em 1996. A banda acabou por volta de 1998. No ano seguinte, eu e o Joca Vita, baixista da Motorcycle, resolvemos fundar o Motormama com outras propostas musicais e artísticas.

Criada em 1999, a banda Motormama gravou seu primeiro EP, com 6 músicas, em 2000. Depois vieram mais 3 discos, Carne de Pescoço, A Legítima Cia. Fantasma e Aloha Esquimó e, em 2013, o compacto em vinil Flores Sujas do Quintal. Com apresentações em festivais nacionais e internacionais, como o Pop Montreal no Canadá, e o Primavera Sound Festival, na Espanha.

Mofo: - O som de vocês é definido como um crossover de Mutantes e Neil Young. Percebi também alguns elementos de música caipira e um clima meio brega. Os clips de vocês são divertidos. É isso mesmo ou estou equivocado?
Régis Martins: -
Sim, o som da Motormama pode ser considerado um cruzamento entre Mutantes e Neil Young com altas doses de psicodelia e caipiragem e música caipira está realmente presente sim. Tanto que definimos nosso estilo como "rock caipira psicodélico". A música caipira "de raiz" é essencialmente paulista e a vejo como um paralelo ao folk e ao blues norte-americanos, gêneros também presentes em nosso som. Quanto à música brega, não é algo intencional. Talvez tenha a ver com nosso humor meio sarcástico presente nas letras e no nosso jeito "latino" de ser. Os Mutantes já brincavam com isso e não há como negar que Odair José é um dos nossos ídolos.

Mofo: - O que cada membro adiciona ao molho do Motormama. Vocês devem possuir influências diferentes? Existe um compositor principal?
Régis Martins: -
Eu curto folk, psicodelia e Ennio Morricone; a Gisele Z. (vocalista) curte rock dos anos 1960 e MPB; o Joca Vita (baixista) curte pós-punk dos anos 1980; o baterista Gabriel Nascimento gosta de ritmos latinos e nosso tecladista Alessandro Perê é fã de Beatles e rock progressivo. Acho que isso resume o som da banda, hehe. O compositor principal sou eu, mas todo mundo acaba colaborando na elaboração das canções. É um trabalho em conjunto.

Mofo: - Ribeirão Preto é uma das cidades mais ricas conservadoras de SP, terra dos agroboys, da música sertaneja e que nunca teve muitas bandas. Nos anos 80, me lembro de um show dos Ratos que foi aberto por um grupo cover do Echo and the Bunnymen, o Estágio Z. Como é a receptividade local?
Régis Martins: -
Rapaz, Estágio Z. Isso é antigo à beça, porque esse povo começou antes da gente. Mas conheço os caras e, com certeza, foram os pioneiros em trazer um tipo de som diferente pra cidade. Acredito que Ribeirão, como todas as cidades do interior paulista, tem um problema sério com música autoral. Aqui é a ditadura do cover. Sempre sonhei em transformar a cidade numa espécie de Austin (Texas/EUA), com uma cena local forte e criativa longe de SP e Rio de Janeiro, mas é uma complicação sem tamanho. O Motormama tem seu público, mas somos uma banda que sempre procurou espaço em outras cidades e até mesmo em outros países. Neste sentido, somos pioneiros.

Mofo: - Vocês lançaram o primeiro disco - Carne de Pescoço - em 2003. Como foram as gravações e a receptividade?
Régis Martins: -
Acredito que era um disco de uma fase de transição do grupo. Começamos no final dos anos 1990, com um quarteto que usava bateria eletrônica. Em 2001, conseguimos um baterista de verdade e as coisas foram se adaptando. Ouvindo hoje, acho um disco bem atual com erros e acertos na produção. Na época foi muito bem recebido pela crítica. Saiu em várias revistas de grande circulação e fizeram até uma reportagem nossa no Jornal Hoje na Globo. Uma semana depois, éramos convidados a tocar no Sesc Pompeia, nosso sonho de consumo. Acredito que foi uma grande estreia.

Mofo: - Fale um pouco do desenvolvimento sonoro e estético do primeiro disco até o trabalho mais recente?
Régis Martins: -
Se você analisar os três CDs, mais o compacto vinil, existe uma linha evolutiva nisso tudo. Mas a essência está lá. O folk, a música caipira, a psicodelia. O crescimento está mais na questão técnica, acredito. Compor e gravar é sempre um aprendizado. É como um castelo de areia que pode desmoronar a qualquer momento ou se tornar uma coisa bem bonita. Apesar de todas as dificuldades para lançar esses trabalhos, eles cumpriram a sua função.

Mofo: - Quantos shows por mês ou ano realizam e em que lugares a banda possui mais fãs?
Régis Martins:
- Não são muitos, porque exigimos cachês e gostamos de tocar em locais com uma estrutura mínima. No Brasil, isso é complicadíssimo. Tocamos bastante em 2014, graças a nossa participação no Primaver Sound Festival, na Espanha. Isso ocorreu em 2011 também, quando tocamos no Pop Montreal, no Canadá. Santo de casa não faz milagre, né. É preciso ser reconhecido lá fora para conquistar mais espaços por aqui.

Mofo: - É possível viver só de música, sendo uma banda independente ou todos têm outros empregos?
Régis Martins: -
Temos outros empregos. Viver de música no país, e ainda mais no interior paulista, é um ato heroico.

Mofo: - Como anda o espaço para os grupos independentes no Brasil, uma vez que as rádios e a tv praticamente abandonaram o estilo, para uma música comercial cada vez pior e apelativa? As casas de shows oferecem estruturas decentes, bons cachês ou não? Vocês ganham grana disponibilizando em sites?
Régis Martins: -
Sinceramente, acho que não existem tantos espaços assim. Pelo menos, para o número de artistas bons que lançam trabalhos a cada dia, a coisa é bem limitada. Bons cachês e estrutura decente basicamente só os Sescs oferecem. O Sesc faz mais pela música autoral desse país do que o Ministério da Cultura. Se não fosse pelos Sescs, eu já tinha desistido disso tudo. Não ganhamos grana com nossas músicas, apenas com nossos shows. É a vida...

Mofo: - Há um renascimento do vinil, ao menos comercialmente. Hoje ele é mais comercializado, embora muito caro. O Motormama resolveu arriscar nesse formato e lançou um compacto de 300 cópias. Por que? Satisfação pessoal, desejo de possuir um compacto como as bandas antigas?
Régis Martins: -
Resolvemos investir no vinil quando estivemos no Canadá, onde visitamos várias lojas que vendiam discos de tudo quanto é tipo de música. Uma coisa linda, por que eu pessoalmente sempre gostei muito. O vinil está salvando as lojas de música em todo o planeta, mas ainda é muito caro no Brasil, para comprar e para fabricar. Por isso decidimos fazer uma experiência com o compacto e foi algo bem interessante. Meu sonho é lançar nossa discografia completa em vinil. Quem sabe?

Mofo: - Ainda sobre o compacto, comercialmente é viável? Não é muito caro produzir no Brasil?
Régis Martins: -
Bem caro. Para se ter uma ideia, bancar 300 cópias de um compacto simples fica o mesmo valor de gravar mil cópias de um CD full. Mas tem uma saída muito boa e as pessoas se interessam. Não tivemos prejuízos, pelo menos.

Mofo: - Falando em formatos alternativos, Continental Combo e The Gilbertos lançaram novos trabalhos em fitas cassetes, voltando ao espírito dos anos 70 e 80, quando as bandas mandavam fitas demo cassetes para se promoverem. Como você encara essa volta ao passado (e no qual estão inseridos com o compacto), numa era em que as pessoas basicamente ouvem música digitalmente? Régis Martins: - Rapaz, essa história das fitas cassetes achei uma loucura completa. Eu, que sou um amante das coisas vintage, não acreditei. Mas, falavam a mesma coisa do vinil e veja o que aconteceu. Curto muito essas duas bandas, por isso espero que dê certo. Não gosto desse papo de "volta ao passado", porque saudosismo é um porre, mas acho que as pessoas estão meio cansadas deste mundo excessivamente digital. Querem o produto físico. Engraçado isso.

Mofo: - O grupo já chegou a participar de um festival na Espanha. Qual a aceitação do grupo e do rock brasileiro lá fora? O que eles conhecem, além de Mutantes e Sepultura?
Régis Martins: -
Tanto na Espanha quanto no Canadá, Mutantes era uma referência ainda maior do que Sepultura, principalmente na cena indie. Em locais onde a língua inglesa não é dominante, o rock brasileiro parece ter um respeito maior. Pelo menos, foi onde tivemos maior aceitação, se lembrarmos que Montreal se fala francês. Falaram que éramos uma mistura de rock de garagem com ritmos brasileiros. Uma boa definição. Mas para fazer sucesso no planeta, só cantando em inglês, meu amigo.

Mofo: - Agradeço a oportunidade pela entrevista. Deixe uma mensagem aos fãs...
Régis Martins: -
Vida longa e próspera!

DISCOGRAFIA

Mestiço Rock'n'Roll (EP, 2000)
Carne de Pescoço (CD, 2003)
A Legítima Cia Fantasma (CD, 2006)
Aloha Esquimó (CD, 2010)
Flores Sujas do Quintal (COMPACTO EM VINIL, 2013)