Condescendência
é um grande mal dos artistas que já fizeram sucesso
e ultrapassaram a barreira dos 40 anos. Muitos perdem a força
e a contundência que os fizeram famosos em troca de um punhado
de dinheiro fácil. É quando o dom vira profissão
e as críticas de ontem viram lamentos tediosos.
Mas há ainda gente
que some, volta e rugindo mais forte do que antes. E o velho Morrissey
é um deles (ou será o único?).
Após sete anos sem
gravar, Morrissey aceitou voltar por uma gravadora chamada Sanctuary
Records, desde que ela reavivasse o logo do selo da gravadora
de reggae Attack Records, que utilizava uma metralhadora. Posando
com um terno bem cortado e com uma metralhadora na capa como um
velho gangster, Morrissey saiu atirando para todos os lados. Não
se deixe enganar com os arranjos calmos e flertando às
vezes até com o moderno em excesso em algumas passagens,
pois o velho desbocado está cantando mais baixo, mas não
deixa ninguém fora do seu ódio. E como é
bom ver alguém fazendo de seu ódio um instrumento
contra a apatia e o tédio politicamente correto do mundo
moderno.
Em 12 faixas, ele cutuca
o grande irmão, os Estados Unidos, logo na faixa de abertura
“America Is Not the World”, quando afirma que nunca
um negro, mulher ou gay foram presidentes naquele país.
Ele ainda cospe novamente na monarquia inglesa, nos partidos conservador
e trabalhador na pungente “Irish Blood English Heart”
e critica a Deus por ter dado a ele tanto amor em um mundo sem
um pingo de sentimento “Você me odeia?” pergunta
ele ao Homem de cima, quatro vezes, ao final. Afirma que o mundo
está lotando de pessoas insípidas e pergunta como
alguém pode saber exatamente como ele se sente. Obviamente
há baladas de amor não correspondidas da mesma estirpe
de “There Is A Light That Never Goes Out”, que é
o caso de “Let Me Kiss You”: “Mas então
você abrirá seus olhos/e você verá alguém/que
você fisicamente despreza/mas meu coração
está aberto/meu coração está aberto
para você”. Quem ainda tem coragem de escrever algo
desse teor?
Sua ironia cortante está
presente em “All the Lazy Dykes” (Todas as Sapatonas
Vagabundas). E para fechar o disco um recado aos ex-companheiros
dos Smiths falando dos anos e anos em que brigaram nos tribunais
por dinheiro em que ele afirma “Vocês saberiam que
eu não conseguiria durar”.
Com uma produção
impecável a cargo de Jerry Finn, que trabalhou com Green
Day, Morrissey mostra uma raiva que estava encubada em seus trabalhos
há anos. Seu último trabalho, Maladjusted
havia sido em 1997 e nos sete anos de ausência, o mais britânico
dos roqueiros até arriscou morar em Los Angeles por algum
tempo, como forma de sair de cena e pode afiar os dentes e seus
discursos. E a impressão que se tem ouvindo You
Are the Quarry é que nem sempre é necessário
sair berrando e ter guitarras afiadas e altas para se dar um recado.
Morrissey voltou em 2004 e perigas de ter lançado o disco
do ano e mostrado, para quem o considerava morto ou apenas uma
tia velha ranzinza, que o descanso fez bem. Graças aos
céus que algumas vozes não se calam. Ou como o próprio
definiu em “Irish Blood English Heart” – “não
há no mundo alguém que eu tema e nenhum regime pode
me comprar ou vender”.
Morrissey, mesmo depois
de tantos anos, chamou dois velhos amigos, os competentes e seguríssimos
guitarristas Boz Boorer e Alain Whyte, completando o time com
o baixista Gary Day, o baterista Dean Butterwoth e o pianista
Roger Manning.
Espero que ele tenha voltado
de vez e que nos brinde com algum show abaixo da linha do Equador.
E rapidamente.
Faixas
1 – America Is Not
The World
2 – Irish Blood, English Heart
3 - I Have Forgiven Jesus
4 – Come Back to Camden
5 – I’m Not Sorry
6 – The World Is Full of Crashing Bores
7 – How Can Anybody Possibly Know How I Feel?
8 – First of the Gang to Die
9 – Let Me Kiss You
10 – All the Lazy Dykes
11 – I Like You
12 – You Know I Couldn’t Last
|