391 - Os Mutantes - Mutantes e Seus Cometas no País do Baurets e O A e o Z

O começo do fim. O que era bom, acabou. Esse era o espírito dos Mutantes em 1972. Ainda assim, a banda teve forças para lançar dois discos no ano - um deles creditado apenas à Rita Lee, por força de contrato. Mas Rita logo seria convidada a sair e o quarteto ainda gravaria um álbum duplo progressivo que ficou engavetado quase 20 anos. Os capítulos finais, até a saída de Arnaldo, matando completamente o mito Mutantes, você acompanha agora.


Após um ano de 1971 agitado, os Mutantes resolveram ficar no sítio na Serra da Cantareira, onde viviam, ensaiando e compondo novas músicas.

O grupo vivia em uma espécie de comunidade hippie, com ensaios ao ar livre e muita improvisação.

Mas o clima não era exatamente muito feliz, especialmente para Rita Lee.

Primeiro, porque Arnaldo se mostrava agressivo por causa do consumo das drogas e infiel.

Depois, porque ela se sentia desconfortável com o ritmo do som da banda, cada vez mais calcada nos grupos progressivos como Emerson, Lake & Palmer, Yes e Pink Floyd.

Além disso, Rita era ridicularizada quando comprou um minimoog e um mellotron importado, mas não sabia usá-lo corretamente.

Como Arnaldo pouco a ajudava nesse sentido, ela se sentia cada vez mais podada, sendo apenas a vocalista.

Rita, no entanto, foi tocando e participou dos dois últimos discos do grupo: Mutantes e Seus Cometas no País do Baurets e Hoje É o Primeiro Dia Do Resto de Sua Vida, que, apesar de creditado somente à Rita, era, de fato, um disco dos Mutantes.

E os Mutantes, mesmo com tantos problemas, ainda sabiam fazer grandes discos. Baurets era um excepcional disco de estúdio, começando com ótima "Posso Perder Minha Mulher, Minha Mãe, Desde que Eu Tenha o Rock and Roll".

O álbum trazia faixas que tiveram problemas com a censura, casos de "A Hora e a Vez do Cabelo Nascer", intitulada originalmente "Cabeludo Patriota".

Essa faixa, curiosamente, foi regravada no disco Sanguinho Novo, homenagem à Arnaldo, no final da década de 80, pelo Sepultura.

Um disco ousado, com climas mais longos, com mais espaço para os músicos improvisarem e onde Serginho podia mostrar todo seu talento. Arnaldo brincava cantando mambo - "Cantor de Mambo" - e traz a mais famosa canção escrita por ele - "Balada do Louco".

O lado prog estava toda em "Mutantes e seus Cometas no País dos Baurets" com quase 10 minutos. Um belíssimo disco.

O LP trazia as seguintes faixas:

Lado A

1. "Posso Perder Minha Mulher, Minha Mãe, Desde que Eu Tenha o Rock and Roll" - (Arnaldo Baptista / Rita Lee / Liminha)
2. "Vida de Cachorro" - (Rita Lee / Arnaldo Baptista / Sérgio Dias)
3. "Dune Buggy" - (Rita Lee / Arnaldo Baptista / Sérgio Dias)
4. "Cantor de Mambo" - (Élcio Decário / Arnaldo Baptista / Rita Lee)
5. "Beijo Exagerado" - (Arnaldo Baptista / Rita Lee / Sérgio Dias) / "Todo Mundo Pastou" - (Ismar S. Andrade "Bororó")

Lado B

1. "Balada do Louco" - (Arnaldo Baptista / Rita Lee)
2. "A Hora e a Vez do Cabelo Nascer" - (Liminha / Arnaldo Baptista / Rita Lee / Sérgio Dias)
3. "Rua Augusta" - (Hervé Cordovil)
4. "Mutantes e Seus Cometas no País do Baurets" - (Dinho Leme / Liminha / Arnaldo Baptista / Rita Lee/ Sérgio Dias)
5. "Todo Mundo Pastou II" - (Ismar S. Andrade "Bororó")

"Balada de Louco" é um caso especial na vida dos Mutantes.

Com um arranjo cheio de sintetizadores, cítara, foi considerada até uma canção contra a ditadura militar, e foi regravadas por várias vozes da MPB.

Arnaldo mostrava toda sua genialidade e lirismo com uma das letras mais bonitas já escritas em português: "Dizem que sou louco / Por pensar assim / Se eu sou muito louco / Por eu ser feliz / Mais louco é quem me diz / Que não é feliz, não é feliz ... / Eu juro que é melhor / Não ser um normal / Se eu posso pensar / Que Deus sou eu / Sim, sou muito louco / Não vou me curar / Já não sou o único / Que encontrou a paz / Mais louco é quem me diz / E não é feliz / Eu sou feliz."

Outra faixa curiosa é "Dune buggy", carro que Arnaldo tinha paixão e até possuía um, pintado com as cores da bandeira dos Estados Unidos.

Após o lançamento, em maio de 1972, o grupo fez shows por todo o Brasil, até receberem uma notícia que deixou todos excitados: o Estúdio Eldorado tinha inaugurado um moderníssimo - para a época - estúdio de 16 canais e a banda ficou alvoroçada em gravar novamente.

O problema é que não podiam lançar um novo disco naquele ano, devido a problemas contratuais.

O grupo não se intimidou e utilizou o "jeitinho brasileiro", lançando-o como se fosse o segundo LP solo de Rita Lee, embora fosse, de fato, um novo trabalho dos Mutantes. E o último com Rita.

Hoje É o Primeiro Dia Do Resto de Sua Vida mostra que os Mutantes atravessavam um excelente momento. Com produção de Arnaldo, o álbum era ainda mais experimental que Baurets, com ótimos momentos.

O disco abre com "Vamos Tratar da Saúde" e traz uma homenagem ao Corinthians em "Amor branco e preto" ("Por que será que eu gosto de sofrer? / Vai ver que agora eu dei pra masoquista ... Sofro, mas continuo a te adorar / Corinthians, meu amor").

O álbum traz ótimos momentos - como "Superfície do Planeta", que encerra o álbum, e serve com uma bela despedida do trio original - Sérgio, Arnaldo e Rita.

Ele trazia as seguintes faixas:

Lado A

01. Vamos Tratar da Saúde (Arnaldo Baptista / Rita Lee / Arnolpho Lima)
02. Beija-me Amor (Arnaldo Baptista / Élcio Decário)
03. Hoje é o Primeiro Dia do Resto da sua Vida (Arnaldo Baptista / Sérgio Baptista)
04. Teimosia (Arnaldo Baptista / Rita Lee / Arnolpho Lima)
05. Frique Comigo (Arnaldo Baptista / Ronaldo Leme / Sérgio Baptista / Rita Lee)

Lado B

01. Amor Branco e Preto (Rita Lee / Arnaldo Baptista)
02. Tiroleite (Arnaldo Baptista / Sérgio Baptista / Rita Lee / Arnolpho Lima)
03. Tapupukitipa (Arnaldo Baptista / Rita Lee)
04. De Novo Aqui meu Bom José (Arnaldo Baptista / Rita Lee / Arnolpho Lima / Sérgio Baptista)
05. Superfície do Planeta (Arnaldo Baptista)

Quando o álbum foi lançado em setembro de 1972, os Mutantes - ainda com Rita - gravou o compacto "Mande um Abraço pra Velha", inscrita no 7º Festival Internacional da Canção, mas jamais editada em vinil.

Esse seria o último momento dela com a banda que saiu - ou foi convidada a sair - dos Mutantes, começando uma carreira-solo, com muito maior sucesso comercial do que sua ex-banda.

Agora, um quarteto, os Mutantes rumavam para o rock progressivo, com longos arranjos instrumentais.

A outrora divertida e sarcástica banda havia se tornado um quarteto de músicos sérios, experimentais e com letras de pouco brilho.

Ainda assim, os Mutantes investiram pesado nas novas composições e planejavam lançar um novo álbum, desta vez, duplo.

A primeira apresentação sem Rita aconteceu no dia 10 de maio de 1973, quando abriram o evento Phono 73 realizado pela Phonogram. O show foi, ironicamente, aberto pelo duo acústico Celebrinas do Éden, formado justamente por Rita Lee e pela companheira Lúcia Turnbull.

O repertório ficou em cima das novas composições que seriam o disco O A e o Z.

Mas o projeto não agradou à gravadora e terminou arquivado, por quase 20 anos, sendo lançado apenas em 1992.

A gravadora não gostou das longas faixas e achou que dificilmente a banda vendaria bem, o que se tornou um choque para os integrantes. No disco, Arnaldo e Sérgio mostram toda a exuberância técnica que possuíam. Porém, com a decisão de não lançá-lo Arnaldo acabou deixando o grupo, frustrado.

Além das drogas, Arnaldo tinha longas discussões com os demais integrantes sobre a amplificação valvulada e transistorizada. Coisas que eram agravadas apenas com o estado psiquiátrico dele, cada vez mais instável por causa do LSD.

Curiosamente, uma das canções de O A e o Z foi utilizada em Loki?: "Uma Pessoa Só". E, ironicamente, Dinho e Liminha estavam também presentes nessa regravação, feita de uma maneira bem mais simples e sem tantos arranjos.

Ao ser lançado em 1992, com ilustrações de Arnaldo, feitas entre 1986 e 1992 já em Juiz de Fora, trazia as seguintes faixas:

1. "A" e o "Z" (Mutantes) - 8:39
2. Rolling Stone (Mutantes) - 6:14
3. Você Sabe (Mutantes) - 6:27
4. Hey Joe (Mutantes) - 12:20
5. Uma Pessoa Só (Mutantes) - 7:31
6. Ainda Vou Transar com Você (Mutantes) - 7:14

Sem Arnaldo e Rita, Serginho seguiu com a banda em outros discos e projetos, dedicado ao lado mais progressivo. Mas isso é papo para outro dia. Um abraço e até a próxima coluna.

Discografia

Compactos

Suicida/Apocalipse (1966)
É Proibido Proibir/Ambiente de Festival (com Caetano Veloso) (1968)
A Minha Menina/Adeus Maria Fulô (1968)
Dois Mil e Um/Dom Quixote (1969)
Ando Meio Desligado/Não Vá Se Perder Por Aí (1969)
Top Top/It's Very Nice Pra Xuxu (1971)
Mande Um Abraço Pra Velha (1972)

EPs

A Voz do Morto/Baby/Marcianita/Saudosismo (com Caetano Veloso) (1968)
Fuga nº II/Adeus, Maria Fulô/Dois Mil e Um/Bat Macumba (1969)
Hey Boy/Desculpe Babe/Ando Meio Desligado/Preciso Urgentemente Encontrar Um Amigo (1970)
Cavaleiros Negros/Tudo Bem/Balada do Amigo (1976)

Discos e CDs

Os Mutantes (1968)
Mutantes (1969)
A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado (1970)
Jardim Elétrico (1971)
Mutantes e Seus Cometas no País do Baurets (1972)
Tudo Foi Feito Pelo Sol (1974)
Mutantes Ao Vivo (1976)
Algo Mais (1986)
O A e o Z (1992)
Personalidade: Mutantes (1994)
Millenium: Os Mutantes (1999)
Everything is Possible: The Best of Os Mutantes (1999)
Tecnicolor (2000)
A arte de Os Mutantes (2006)
Mutantes Ao Vivo - Barbican Theatre, Londres 2006 (2006)
De Volta Ao Planeta Dos Mutantes (2006)

 

 

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