O começo
do fim. O que era bom, acabou. Esse era o espírito dos
Mutantes em 1972. Ainda assim, a banda teve forças para
lançar dois discos no ano - um deles creditado apenas à
Rita Lee, por força de contrato. Mas Rita logo seria convidada
a sair e o quarteto ainda gravaria um álbum duplo progressivo
que ficou engavetado quase 20 anos. Os capítulos finais,
até a saída de Arnaldo, matando completamente o
mito Mutantes, você acompanha agora.
Após
um ano de 1971 agitado, os Mutantes resolveram ficar no sítio
na Serra da Cantareira, onde viviam, ensaiando e compondo novas
músicas.
O grupo vivia em uma espécie
de comunidade hippie, com ensaios ao ar livre e muita improvisação.
Mas o clima não
era exatamente muito feliz, especialmente para Rita Lee.
Primeiro, porque Arnaldo
se mostrava agressivo por causa do consumo das drogas e infiel.
Depois, porque ela se sentia
desconfortável com o ritmo do som da banda, cada vez mais
calcada nos grupos progressivos como Emerson, Lake & Palmer,
Yes e Pink Floyd.
Além
disso, Rita era ridicularizada quando comprou um minimoog e um
mellotron importado, mas não sabia usá-lo corretamente.
Como Arnaldo pouco a ajudava
nesse sentido, ela se sentia cada vez mais podada, sendo apenas
a vocalista.
Rita, no entanto, foi tocando
e participou dos dois últimos discos do grupo: Mutantes
e Seus Cometas no País do Baurets e Hoje
É o Primeiro Dia Do Resto de Sua Vida, que, apesar
de creditado somente à Rita, era, de fato, um disco dos
Mutantes.
E os Mutantes, mesmo com
tantos problemas, ainda sabiam fazer grandes discos. Baurets
era um excepcional disco de estúdio, começando com
ótima "Posso Perder Minha Mulher, Minha Mãe,
Desde que Eu Tenha o Rock and Roll".
O
álbum trazia faixas que tiveram problemas com a censura,
casos de "A Hora e a Vez do Cabelo Nascer", intitulada
originalmente "Cabeludo Patriota".
Essa faixa, curiosamente,
foi regravada no disco Sanguinho Novo, homenagem
à Arnaldo, no final da década de 80, pelo Sepultura.
Um disco ousado, com climas
mais longos, com mais espaço para os músicos improvisarem
e onde Serginho podia mostrar todo seu talento. Arnaldo brincava
cantando mambo - "Cantor de Mambo" - e traz a mais famosa
canção escrita por ele - "Balada do Louco".
O lado prog estava toda
em "Mutantes e seus Cometas no País dos Baurets"
com quase 10 minutos. Um belíssimo disco.
O LP trazia as seguintes
faixas:
Lado A
1. "Posso Perder Minha Mulher, Minha
Mãe, Desde que Eu Tenha o Rock and Roll" - (Arnaldo
Baptista / Rita Lee / Liminha)
2. "Vida de Cachorro" - (Rita Lee / Arnaldo Baptista
/ Sérgio Dias)
3. "Dune Buggy" - (Rita Lee / Arnaldo Baptista / Sérgio
Dias)
4. "Cantor de Mambo" - (Élcio Decário
/ Arnaldo Baptista / Rita Lee)
5. "Beijo Exagerado" - (Arnaldo Baptista / Rita Lee
/ Sérgio Dias) / "Todo Mundo Pastou" - (Ismar
S. Andrade "Bororó")
Lado B
1. "Balada do Louco" - (Arnaldo
Baptista / Rita Lee)
2. "A Hora e a Vez do Cabelo Nascer" - (Liminha / Arnaldo
Baptista / Rita Lee / Sérgio Dias)
3. "Rua Augusta" - (Hervé Cordovil)
4. "Mutantes e Seus Cometas no País do Baurets"
- (Dinho Leme / Liminha / Arnaldo Baptista / Rita Lee/ Sérgio
Dias)
5. "Todo Mundo Pastou II" - (Ismar S. Andrade "Bororó")
"Balada
de Louco" é um caso especial na vida dos Mutantes.
Com um arranjo cheio de
sintetizadores, cítara, foi considerada até uma
canção contra a ditadura militar, e foi regravadas
por várias vozes da MPB.
Arnaldo mostrava toda sua
genialidade e lirismo com uma das letras mais bonitas já
escritas em português: "Dizem
que sou louco / Por pensar assim / Se eu sou muito louco / Por
eu ser feliz / Mais louco é quem me diz / Que não
é feliz, não é feliz ... / Eu juro que é
melhor / Não ser um normal / Se eu posso pensar / Que Deus
sou eu / Sim, sou muito louco / Não vou me curar / Já
não sou o único / Que encontrou a paz / Mais louco
é quem me diz / E não é feliz / Eu sou feliz."
Outra
faixa curiosa é "Dune buggy", carro que Arnaldo
tinha paixão e até possuía um, pintado com
as cores da bandeira dos Estados Unidos.
Após o lançamento,
em maio de 1972, o grupo fez shows por todo o Brasil, até
receberem uma notícia que deixou todos excitados: o Estúdio
Eldorado tinha inaugurado um moderníssimo - para a
época - estúdio de 16 canais e a banda ficou
alvoroçada em gravar novamente.
O problema é que
não podiam lançar um novo disco naquele ano, devido
a problemas contratuais.
O
grupo não se intimidou e utilizou o "jeitinho brasileiro",
lançando-o como se fosse o segundo LP solo de Rita Lee,
embora fosse, de fato, um novo trabalho dos Mutantes. E o último
com Rita.
Hoje É o
Primeiro Dia Do Resto de Sua Vida mostra que os Mutantes
atravessavam um excelente momento. Com produção
de Arnaldo, o álbum era ainda mais experimental que Baurets,
com ótimos momentos.
O disco abre com "Vamos
Tratar da Saúde" e traz uma homenagem ao Corinthians
em "Amor branco e preto" ("Por que será
que eu gosto de sofrer? / Vai ver que agora eu dei pra masoquista
... Sofro, mas continuo a te adorar / Corinthians, meu amor").
O
álbum traz ótimos momentos - como "Superfície
do Planeta", que encerra o álbum, e serve com uma
bela despedida do trio original - Sérgio, Arnaldo e Rita.
Ele trazia as seguintes
faixas:
Lado A
01. Vamos Tratar da Saúde (Arnaldo
Baptista / Rita Lee / Arnolpho Lima)
02. Beija-me Amor (Arnaldo Baptista / Élcio Decário)
03. Hoje é o Primeiro Dia do Resto da sua Vida (Arnaldo
Baptista / Sérgio Baptista)
04. Teimosia (Arnaldo Baptista / Rita Lee / Arnolpho Lima)
05. Frique Comigo (Arnaldo Baptista / Ronaldo Leme / Sérgio
Baptista / Rita Lee)
Lado B
01. Amor Branco e Preto (Rita Lee / Arnaldo
Baptista)
02. Tiroleite (Arnaldo Baptista / Sérgio Baptista / Rita
Lee / Arnolpho Lima)
03. Tapupukitipa (Arnaldo Baptista / Rita Lee)
04. De Novo Aqui meu Bom José (Arnaldo Baptista / Rita
Lee / Arnolpho Lima / Sérgio Baptista)
05. Superfície do Planeta (Arnaldo Baptista)
Quando
o álbum foi lançado em setembro de 1972, os Mutantes
- ainda com Rita - gravou o compacto "Mande um Abraço
pra Velha", inscrita no 7º Festival Internacional da
Canção, mas jamais editada em vinil.
Esse seria o último
momento dela com a banda que saiu - ou foi convidada a sair -
dos Mutantes, começando uma carreira-solo, com muito maior
sucesso comercial do que sua ex-banda.
Agora, um quarteto, os
Mutantes rumavam para o rock progressivo, com longos arranjos
instrumentais.
A
outrora divertida e sarcástica banda havia se tornado um
quarteto de músicos sérios, experimentais e com
letras de pouco brilho.
Ainda assim, os Mutantes
investiram pesado nas novas composições e planejavam
lançar um novo álbum, desta vez, duplo.
A primeira apresentação
sem Rita aconteceu no dia 10 de maio de 1973, quando abriram o
evento Phono 73 realizado pela Phonogram. O show foi, ironicamente,
aberto pelo duo acústico Celebrinas do Éden, formado
justamente por Rita Lee e pela companheira Lúcia Turnbull.
O
repertório ficou em cima das novas composições
que seriam o disco O A e o Z.
Mas o projeto não
agradou à gravadora e terminou arquivado, por quase 20
anos, sendo lançado apenas em 1992.
A gravadora não
gostou das longas faixas e achou que dificilmente a banda vendaria
bem, o que se tornou um choque para os integrantes. No disco,
Arnaldo e Sérgio mostram toda a exuberância técnica
que possuíam. Porém, com a decisão de não
lançá-lo Arnaldo acabou deixando o grupo, frustrado.
Além das drogas,
Arnaldo tinha longas discussões com os demais integrantes
sobre a amplificação valvulada e transistorizada.
Coisas que eram agravadas apenas com o estado psiquiátrico
dele, cada vez mais instável por causa do LSD.
Curiosamente, uma das canções
de O A e o Z foi utilizada em Loki?:
"Uma Pessoa Só". E, ironicamente, Dinho
e Liminha estavam também presentes nessa regravação,
feita de uma maneira bem mais simples e sem tantos arranjos.
Ao ser lançado em
1992, com ilustrações de Arnaldo, feitas entre 1986
e 1992 já em Juiz de Fora, trazia as seguintes faixas:
1. "A" e o "Z"
(Mutantes) - 8:39
2. Rolling Stone (Mutantes) - 6:14
3. Você Sabe (Mutantes) - 6:27
4. Hey Joe (Mutantes) - 12:20
5. Uma Pessoa Só (Mutantes) - 7:31
6. Ainda Vou Transar com Você (Mutantes) - 7:14
Sem Arnaldo e Rita, Serginho
seguiu com a banda em outros discos e projetos, dedicado ao lado
mais progressivo. Mas isso é
papo para outro dia. Um abraço e até a próxima
coluna.
Discografia
Compactos
Suicida/Apocalipse (1966)
É Proibido Proibir/Ambiente de Festival (com Caetano Veloso)
(1968)
A Minha Menina/Adeus Maria Fulô (1968)
Dois Mil e Um/Dom Quixote (1969)
Ando Meio Desligado/Não Vá Se Perder Por Aí
(1969)
Top Top/It's Very Nice Pra Xuxu (1971)
Mande Um Abraço Pra Velha (1972)
EPs
A Voz do Morto/Baby/Marcianita/Saudosismo
(com Caetano Veloso) (1968)
Fuga nº II/Adeus, Maria Fulô/Dois Mil e Um/Bat Macumba
(1969)
Hey Boy/Desculpe Babe/Ando Meio Desligado/Preciso Urgentemente
Encontrar Um Amigo (1970)
Cavaleiros Negros/Tudo Bem/Balada do Amigo (1976)
Discos e CDs
Os Mutantes (1968)
Mutantes (1969)
A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado (1970)
Jardim Elétrico (1971)
Mutantes e Seus Cometas no País do Baurets (1972)
Tudo Foi Feito Pelo Sol (1974)
Mutantes Ao Vivo (1976)
Algo Mais (1986)
O A e o Z (1992)
Personalidade: Mutantes (1994)
Millenium: Os Mutantes (1999)
Everything is Possible: The Best of Os Mutantes (1999)
Tecnicolor (2000)
A arte de Os Mutantes (2006)
Mutantes Ao Vivo - Barbican Theatre, Londres 2006 (2006)
De Volta Ao Planeta Dos Mutantes (2006) |