227 - New Order - Movement

Todo começo é difícil, traumático. Imagine então o que não sentiam o trio remanescente do Joy Division após a morte de Ian Curtis. O sucesso que estava tão perto deu adeus. Peter Hook, Steve Morris e Bernard Albrecht nem tiveram tempo para digerir o acidente. Trataram de levantar a poeira, fundaram o New Order e partiram para a tal turnê norte-americana como um trio e com Steve Morris cantando. Na volta seria acrescida a tecladista e guitarrista Gillian Gilbert. Dessa maneira, nascia o New Order, que lançaria o primeiro disco ao final de 1981.


Joy DivisionNão havia tempo. Essa era a premissa básica do trio remanescente do Joy Division.

Ficar curtindo a dor e a raiva pela morte de Ian Curtis não ia resolver o impasse criado com sua morte.

O Joy Division estava acabado, isso era definitivo. Colocar outro cantor em seu lugar seria tolo. Melhor enterrar o passado glorioso e recomeçar.

Por isso Bernard Albrecht (ou Bernard Sumner ou Barney Sumner), Steve Morris (ou Steven Morris ou ainda Stephen Morris) e Peter Hook resolveram continuar a carreira como uma banda.

Bernard relatou bem o que significou a perda de Ian: "eu jamais consegui assimilar o ocorrido. Como amigo, significa demais para mim. A amizade sempre foi o mais importante para nós, era o que produzia nossa música. E Ian era um bom amigo."

Ainda assim, o grupo continuou a vida e em julho entrou em um estúdio de Sheffield e produziram quatro músicas: "Dreams Never End", "Homage", Ceremony" e "Truth". Na verdade, "Ceremony", fazia parte do repertório do Joy e havia sido apresentada pela banda no último show do grupo, na Universidade de Birmigham.

Ela e "In A Lonely Place (Little Boy)", jamais gravada com a voz de Ian, foram as únicas duas conservadas pelos demais integrantes. As sessões foram comandadas por Chris Watson do Cabaret Voltaire.

Vale ressaltar que no mesmo mês era lançado Closer, segundo LP do Joy Division.

E foi com imensa surpresa que o empresário Rob Gretton anunciou que o trio restante iria abrir o show do A Certain Ratio, já que a banda Names, da Bélgica, não podia comparecer ao evento. O palco do The Beach ficou pequeno demais para o imenso P.A de 2000 watts que a banda levou, em uma casa que comportava apenas 100 pessoas.

A banda se apresentou como "the no-names" e consta que fizeram uma apresentação bastante satisfatória. Após o show, resolveram que era hora de dar um novo nome ao trio restante.

Quando Rob Gretton trouxe um jornal com o título "The people's New Order of Kampuchea", todos acharam interessante "New Order". Mas já havia existido uma banda anterior com esse nome, formada pelo ex-guitarrista dos Stooges, Ron Asheton, em 1975 e que lançou um disco em 1977 de forte inspiração nazista. E poderia outra vez recair o fantasma do nazismo sobre os integrantes, coisa que já havia ocorrido nos tempos de Joy Division. Temiam que outros pudessem se lembrar dos planos de Adolf Hitler de conquistar a Europa, criando uma "nova ordem" no continente. Mas o nome já estava escohido.

Vale salientar que haviam outros escolhidos: Stevie and the JDs - já que o bateria Steve Morris havia sido o vocalista da demo; Sunshine Valley Dance Band e The Eternal.

O trio resolveu que iria começar por onde o Joy tinha parado, a excursão americana.

Dessa forma, marcou alguns shows primeiro na Inglaterra, um em Liverpool, no dia 4 de setembro (no Brady's) e outro, no dia 5, em Blackpool (no Scamp's).

No dia 20 de setembro, o grupo fazia o primeiro show na América, tocando no Maxwell's Hoboken, em New Jersey. A estadia na cidade acabou sendo histórica por alguns motivos: Martin Hannett achou um pequeno estúdio que cobrava US$ 55 doláres a hora chamado Eastern Artists Recording Studios onde passaram 12 horas no dia 22 e 11 horas no dia 23 gravando "Ceremony" e "In A Lonely Place", que seria o primeiro compacto do grupo.

Mas a sorte foi madrasta com eles, quando tiveram a perua com quase US$ 40 mil dólares em equipamento roubada na porta do hotel em que estavam hospedados, em Manhattan.

Por causa desse contratempo, tiveram que alugar não apenas outra perua, mas como novos equipamentos e mudar as datas do show de Boston.

O próximo concerto aconteceu no Hurra's, em Nova York, onde o Joy Division faria sua primeira apresentação na América. Nesse dia, o New Order abriu para o A Certain Ratio e os shows receberam críticas moderadas.

O grupo realizou mais duas apresentações, tendo Steve como cantor - Tier 3, no dia 27 de setembro, em Nova York e no Underground Boston, no dia 30 - e quando voltaram para a Inglaterra, no dia 02 de outubro, fizeram uma reunião para resolver quem faria o que na nova banda. Com Steve nos vocais, precisariam usar uma bateria eletrônica. E não era uma boa idéia ter um vocalista/baterista que ficasse longe da platéia.

Pensaram também em trazer um cantor chamado Alan Hempsall do Crispy Ambulance, idéia rapidamente abortada. Como Peter não queria cantar, acabou sobrando para Bernard, que tinha uma boa voz.

Porém, Steve ainda queria mais um integrante para o grupo e logo sugeriu uma amiga sua de Macclesfield, que poderia tocar guitarra e sintetizador: Gillian Gilbert. Ela era uma velha conhecida dos rapazes desde os tempos de Warsaw, primeiro nome do Joy Division.

Gillian conta que ficou muito feliz, pois já era fã de longa data do Joy Division. Assim, como um quarteto, fizeram o primeiro show em Manchester, no The Squat, no dia 25 de outubro de 1980.

Passada a estréia em casa, o grupo passou cinco dias no Cargo Studios para ensinar Gillian a trabalhar em uma gravação. Após isso iriam para o estúdio Strawberry regravar "Ceremony".

Com Gillian mais integrada, fizeram a primeira excursão pela Europa, começando na Holanda, onde o Joy Division possuía uma imensa legião de fãs.

O show aconteceu em 13 de dezembro, em Roterdã. Bernard anunciava, sem graça, às platéias, que não iriam tocar música algum do Joy, antes de se desculpar.

capa do compacto de Atmospherecapa do compacto com as músicas "Ceremony" e "In A Lonely Place"E o culto ao ex-grupo crescia de maneira assustadora.

John Peel, o lendário radialista da BBC, fez uma lista com as 50 músicas mais pedidas de seus ouvintes - "The Festive Fifty" - e o grupo entrou com sete canções: "Atmosphere" (2º lugar); "Love Will Tear Us Apart" (3º); "Transmission" (10º); "Decades" (14º); "New Dawn Fades" (20º); "She's Lost Control" (22º) e "24 Hours" (41º). Era realmente muita pressão.

Ainda antes, em setembro a Factory lança um single póstumo do Joy Division contendo as canções "Atmosphere" e "She's Lost Control". Uma nova turnê pela Inglaterra começou e também os problemas.

O que eles mais temiam acabou virando realidade: alguns jornalistas impiedosamente atacaram o quarteto por causa do nome escolhido "New Order".

Enquanto alguns elogiavam a escolha, outros os chamavam de irresponsáveis e perguntavam se com o tempo eles não veriam a má escolha e arranjariam um mais apropriado.

Alheio à polêmica, o grupo finalmente lançou o primeiro compacto, contendo as canções "Ceremony" e "In A Lonely Place".

Peter HookA capa mais uma vez estava a cargo de Peter Saville que usou uma tipografia eclesiástica chamada "Albertus" e o single vendeu mais de 100 mil cópias em duas semanas.

Infelizmente, por problemas de distribuição entre os independentes, alcançou apenas a 39ª posição na parada. Ainda assim, um belo começo. O lançamento do compacto em sete polegadas aconteceu no dia 22 de janeiro de 1981; o de 12 polegadas, em 18 de março.

No dia 26 de janeiro, o grupo gravou outro programa com John Peel que foi ao ar no dia 16 de fevereiro, com quatro músicas: "Dreams Never End"; "Truth"; "Senses" e "I.C.B.", abreviação de "Ian Curtis Burried".

Durante o segundo semestre do ano, surgiram boatos de que a banda iria se separar, particularmente por causa de algumas declarações de Peter Hook.

O baixista revelou que chegou a deixar o grupo por dois dias e Bernard confirmou que "certo integrante" o estava boicotando por causa de sua presença no palco.

Hook sempre foi a personalidade mais difícil, tanto que chegou a afirmar que não sentiu muito a morte de Ian Curtis, pessoalmente, mas sim profissionalmente. Disse até que o via apenas como o cara que escrevia e cantava, somente.

Vale lembrar que ele foi o primeiro a receber a notícia do suicídio de Ian, na hora do jantar. Peter disse que durante uma hora não teve reação alguma, ficando apenas em um estado de choque e procurando entender o que havia se passado.

capa do disco Still do Joy DivisionSobre o New Order, Hook dizia que a banda iria se dissolver no Natal daquele ano.

E, de fato, naquele período esteve envolvido nas mixagens da demo dos grupo The Stockholm Monsters, grupo no qual exerceria a função de empresário.

A separação não ocorreu, tanto que aconteceram mais dois lançamentos: um segundo single, Procession, e o primeiro LP do New Order, Movement.

Isso sem falar em um novo disco póstumo do Joy, o duplo Still, que trazia faixas inéditas e o último show do grupo ao vivo, em Birmigham.

Still trazia as seguintes faixas:

Lado 1

1. "Exercise One" – 3:06
2. "Ice Age" – 2:24
3. "The Sound of Music" – 3:55
4. "Glass" – 3:56
5. "The Only Mistake" – 4:17

Lado 2

1. "Walked in Line" – 2:47
2. "The Kill" – 2:15
3. "Something Must Break" – 2:48
4. "Dead Souls" – 4:53
5. "Sister Ray" (live) (John Cale, Sterling Morrison, Lou Reed, Maureen Tucker) – 7:36

Lado 3

1. "Ceremony" (live) – 3:50
2. "Shadowplay" (live) – 3:57
3. "Means to an End" (live) – 4:01
4. "Passover" (live) – 5:10
5. "New Dawn Fades" (live) – 4:01
6. "Twenty Four Hours" (live) - 4:26 (bonus track on some pressings)

Lado 4

1. "Transmission" (live) – 3:40
2. "Disorder" (live) – 3:24
3. "Isolation" (live) – 3:05
4. "Decades" (live) – 5:47
5. "Digital" (live) – 3:52

capa do disco MovementProcession foi vítima de outro ataque mal-humorado dos detratores, que viram no duplo "S" que aparece na capa uma citação à SS Nazista.

Na verdade, Peter tentou executar um grande "B", usando a tipografia Chancery Itálica.

A capa saiu em vários tons - amarelo, verde, marrom, azul, roxo, laranja, preto, nove no total - e tendo "Everything's Gone Green" no lado B.

E, no dia 14 de novembro, sai o aguardado disco de estréia do grupo, Movement.

O álbum trazia oito faixas, quatro de cada lado:

Lado A

01. "Dreams Never End"
02."Truth"
03."Senses"
04."Chosen Time"

Lado B

01."I.C.B."
02."The Him"
03."Doubts Even Here"
04."Denial"

capa do compacto Everything's Gone GreenO LP mostrava uma banda claramente tentando fugir da sombra do Joy e com Bernard às vezes imitando Ian Curtis.

Desde que a antiga banda acabara, os três integrantes originais não tiveram tempo para um descanso e a indecisão do que fariam estava clara nesse disco, mais uma vez produzido por Martin Hannett.

O New Order ainda não tinha conseguido encontrar sua identidade e os vocais ficavam quase inaudíveis, como se Bernard tivesse medo de cantar ou ser comparado a Ian.

Não podemos nos esquecer que havia se passado menos de 18 meses da morte de Ian Curtis e o New Order tentava mudar de direção e convencer novos fãs que não eram apenas uma pálida continuação de um nome consagrado.

Antes do final do ano, o grupo lança um novo compacto, com as canções "Everything's Gone Green" (que havia sido lado B de "Procession"), "Cries & Whispers" e "Mesh".

O desenho da capa foi feito por Gillian e o da contra-capa por Bernard. "Everything's Gone Green" começava a apontar um outro caminho para o grupo, mais eletrônico.

Essa vertente começaria a ser mais explorada no início de 1982, quando ficaram de 5 a 9 de janeiro em Londres gravando "Temptation" e "Hurt", uma nova e definitiva virada na carreira do quarteto.

Para essas sessões usaram o engenheiro Peter Wolliscroft, que entendia bastante de equipamentos digitais.

O grupo passaria boa parte de 1982 gravando e tocando ao vivo e mudando radicalmente sua música. Mas isso é papo para outra coluna.

Discografia

Discos

Movement (1981)
1981-1982 (EP, 1982)
Power, Corruption & Lies (1983)
Low-life (1985)
Brotherhood (1986)
Substance 1987 (1987)
Technique (1989)
Peel Sessions (1990)
BBC Radio 1 Live In Concert (1992)
Republic (1993)
(the best Of) New Order (1994)
(the rest of) New Order (1995)
Get Ready (2001)
Before & After - The BBC Sessions - New Order & Joy Division (2002)
International (2002)
Retro (caixa, 2004)
In Session (2004)
Waiting for Siren's Call (2005)
Singles (2005)

Singles

Ceremony (1981)
Procession (1981)
Everything's Gone Green (1981)
Temptation (1982)
Blue Monday (1983)
Thieves Like Us (1984)
Murder (1984)
The Perfect Kiss (1985)
Sub-culture (1985)
Shellshock (1986)
Shame/State (1986)
Bizarre Love Triangle (1986)
True Faith/1963 (1987)
Touched By The Hand Of God (1987)
Blue Monday 1988 (1988)
Fine Time (1988)
Round & Round (1989)
Run2 (1989)
World In Motion... (1990)
Regret (1993)
Ruined in a Day (1993)
World (The Price Of Love) (1993)
Spooky (1993)
True Faith-94 (1994)
1963 (1994)
Blue Monday-95 (1995)
Video 586 (1997)
Crystal (2001)
60 Miles An Hour (2001)
Someone Like You (2001)
Here to Stay (2002)
Confusion remixes '02 - Arthur Baker vs New Order (2002)
Soundtrack (2003)
Krafty (2005)
Jetstream (2005)
Waiting For The Sirens' Call (2005)

 

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