266 - Novos Baianos - Acabou Chorare

Muitos antes dos termos samba-rock ou MPB-rock serem difundidos e diluídos em todos os cantos, existiu um grupo brasileiro que ousou juntar essas tendências na década de 70: Novos Baianos. Mas os Novos Baianos fizeram muito mais do que isso, pois despejaram um imenso leque de estilos tipicamente brasileiros, como o choro, o forró, o afoxé, cantigas misturando tudo com Jimi Hendrix. Para isso contavam com um dos maiores guitarristas que esse país já produziu: Pepeu Gomes. Muito antes dele e de Baby Consuelo virarem duas figuras caricatas nos anos 80, os dois foram parte fundamental dessa revolução na música brasileira. E Acabou Chorare é o maior legado dessa revolução, um disco extremante atual e prazeroso de se ouvir, após 36 anos ser lançado.


Poucos grupos brasileiros traduziram o Brasil como os Novos Baianos.

Apesar de serem formados inicialmente por quatro pessoas - Luiz Galvão (letras), Moraes Moreira (violão e voz), Paulinho Boca de Cantor (voz) e Baby Consuelo (voz), o grupo sempre teve inúmeros amigos e integrantes. Vale dizer que apenas Baby não era baiana de nascença, tendo nascido em Niterói (Rio de Janeiro).

A primeira reunião se deu em 1969, em Salvador. Os anos de chumbo da ditadura estavam mais vivos do que nunca, assim como a guitarra de Jimi Hendrix no hemisfério norte e a Tropicália, no Brasil. Caetano Veloso acabara de lançar um revolucionário somente com seu nome, onde citava, pela primeira vez o nome de um outro grupo que faria furor, Os Mutantes. Assim era mais do que natural que alguém seguisse os passos e ampliasse o leque.

Dessa maneira, os quatro - batizado como Os Novos Bahianos (com h mesmo) - participaram do Desembarque dos Bichos Depois do Dilúvio, em Salvador, onde fizeram sucesso, a ponto de de tentarem a sorte no V Festival de MPB da TV Record defendendo a música Vera. Ela faria parte do primeiro compacto do grupo lançado no mesmo ano pela RGE, junto com Colégio de Aplicação.

A poesia de Galvão, o principal letrista, era um tanto ousada para aqueles tantos. Dono de um lirismo singular, Galvão escrevia imagens impossíveis, intraduzíveis, lisérgicas.

No ano seguinte, lançam um dos mais desconcertantes discos de estréia que o mundo poderia conhecer: É Ferro Na Boneca!

Um disco de proposta bastante ousada e com um belo texto na contra-capa assinado pelo poeta Augusto de Campos davam uma amostra da revolução que estavam propondo. Como mesmo profetizou o poeta na última linha de seu texto "Salve-se quem puder. O negócio é a música. A Bahia não pode parar."

E não parou. Embora não tenha sido um sucesso comercial, o disco mostrou algum de suas armas. Um exemplo é a letra da canção-título, assinada por Galvão e Moraes e cantada por Moraes e Paulinho Boca de Cantor...

Não, não é uma estrada, é uma viagem
Não, não viva tanto a morte
Não tem sul nem norte
Nem passagem

Não olhe, ande
Olhe, olhe
O produto que há na bagagem

Necas de olhar pra trás
O quente com o veneno

É pluft, pluft, pluft, pluft
É ferro na boneca
É no gogó, nenê
É ferro na boneca
É no gogó nenê
É no gogó nenê
É no gogô...

O disco falava de futebol, amigos, da Bahia. Mas se o LP não fez grande sucesso, rendeu um extraordinário padrinho musical: João Gilberto. O baiano mais esquisito e temperamental do planeta resolveu passar uns dias quando a banda se mudou para o Rio e foi morar em um belo apartamento. João aumentou o leque sonoro do grupo, ensinando truques da bossa-nova.

O grupo já havia se expandido a sua formação. Nos shows eles eram acompanhados pelos "Os Leifs" , onde tocavam Pepeu Gomes e seu irmão, Jorginho, que era baterista. O grupo também adota nova nomenclatura não sendo mais Os Novos Bahianos e apenas Novos Baianos (sem "Os" e "h").

Pepeu acabaria se casando com Baby e acabou ganhando um papel de destaque na função de arranjador musical. Logo após "Os Leifs", os dois entraram na A Cor do Som, juntando-se ao baixista Dadi e aos percussionistas Baixinho e Bolacha, nascendo a família Novos Baianos. Segundo Galvão era mais do que isso. No encarte do disco Acabou Chorare, ele escreveu: "Não é uma família. Talvez um time. NOVOS BAIANOS. Mais perto do som. No seu mundo subterrâneo. À beira do abismo. Por fora de 'Ismos'. Na porta. Varrendo o terreiro. Lavando os pratos como quem faz música. Sem prantos, no fonte, na boca da criação..."

capa do disco Acabou ChorareNessa época, todos viviam em um sítio em Jacarepaguá e viviam em uma espécie de comunidade hippie, sem ciúmes e felizes, onde jogavam bolas de cueca, enquanto as crianças circulavam livremente. E foi nesse clima que nasceu a mais bela obra-prima do grupo e um dos mais belos momentos da música brasileira: Acabou Chorare.

O disco mostra uma perfeita síntese entre o tradicional e o moderno, o rock e o frevo, tudo casado com a poesia de Galvão e os arranjos fantásticos de Pepeu que mostra um repertório impressionante na guitarra, no violão e no cavaquinho.

O álbum abre com a clássica "Brasil Pandeiro", de Assis Valente, onde mostram um panorama inigualável da música brasileira. O disco segue com "Preta, Pretinha", canção delicada de Moraes e Galvão e cantada pelo primeiro, num irresistível clima de confraternização... "abre a porta e a janela/ e vem ver o Sol nascer..."

Baby Consuelo está exuberante cantando "Tinindo, Trinado", e "A Menina Dança", com força, suavidade e sensualidade. O disco fecha com uma versão menor de "Preta, Pretinha".

Acabou Chorare fez um estrondoso sucesso comercial de crítica e de público e colocou os Novos Baianos, a ponto do humorista Chico Anysio criar um quadro humorístico batizado de Baiano e Os Novos Caetanos.

O grupo ainda aproveitaria o bom momento no próximo disco, Novos Baianos F.C., disco que marca o início da comunidade. Em breve, Moraes Moreira e Baby Consuelo seriam assediados para seguirem carreiras-solos, comprometendo o legado deixado pelos Novos Baianos.

O grupo duraria até 1978, quando pouco ou nada restava da idéia original. As reuniões aconteceriam ao longo dos anos, como a histórica em 1987, em Salvador, no Teatro Castro Alves, ou em 1997, quando Galvão reuniu a formação original para lançar o CD duplo Infinito Circular, que reunia canções antigas e algumas novas. A banda voltou a se reunir também poucos anos atrás em uma turnê francamente sentimental.

Deixo vocês com a discografia do grupo. Um abraço e até a próxima coluna.

Discografia

Como Os Novos Bahianos

Colégio de Aplicação / De Vera (compacto, 1969)
É Ferro Na Boneca! (1970)
Psiu / 29 Beijos / Globo da Morte / Mini Planeta Iris (compacto duplo, 1970)

Como Novos Baianos

Acabou Chorare (1972)
Novos Baianos F.C. (1973)
No Tcheco Tcheco / Fala Tamborim (Em Pleno 74) (compacto simples, 1973)
Novos Baianos (1974)
Vamos Pro Mundo (1974)
Caia Na Estrada E Perigas Ver (1976)
Praga de Baiano (1977)
Farrol da Barra (1978)
Infinito Circular (1997)

 


 

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