299 - New York Dolls

O que seria do mundo sem os New York Dolls? Em primeiro lugar, dificilmente haveria os Smiths, já que Morrissey era fã de carteirinha, a ponto de ter fundado um fã-clube. Em segundo lugar - e para a felicidade de muitos, garanto - não haveria aquela geração de bandas de metal "posers", do tipo Def Leppard, Mötley Crüe, W.A.S.P., Quiet Riot, Twisted Sister, Bon Jovi (melhor parar por aqui antes que alguém vomite...) - claramente influenciadas pelo visual e pela guitarra do mago Johnny Thunders. Mesmo com pouco tempo de vida, o grupo deixou dois discos impecáveis e foram a "escola" de Malcolm McLaren, que empresariou a banda antes de voltar para Londres e criar o Sex Pistols, além de serem copiados à exaustão por David Bowie na criação de Ziggy Stardust. Ou seja, sem os Dolls o mundo não conheceria Smiths e Sex Pistols e Ziggy. Tá bom ou precisa de mais?


Tudo começou em 1971 quando cinco jovens, que estavam cheios dos grupos de hard e prog na época resolveram resgatar o velho espírito do rock and roll.

Ao invés de canções longas, lentas de 20 minutos, a urgência dos primeiros tempos de Chuck Berry e cia.

Dessa forma, David Johansen (vocal), Johnny Thunders e Rick Rivets (guitarras) Arthur "Killer" Kane (baixo) e Billy Murcia (bateria) fundam o New York Dolls e estréiam em um show, no dia 24 de dezembro, em 1971, no Endicott Hotel.

A história da banda, no entanto, começou três anos antes. Segundo Syl Sylvain, fundador do grupo, mas que deixou a banda por um tempo enquanto morava Londres, ficando Rick Rivets em seu posto até ele voltar, os Dolls nasceram da seguinte forma.

Syl conta a história no livro Please Kill Me: "Billy Murcia foi o primeiro integrante dos Dolls que conheci. Eu estava indo para Van Wyck Junior High School, no Queens, e o irmão dele chegou para mim e disse: 'Hey, meu irmão quer lutar com você, hoje, às três horas.' Eu era um judeu sírio, nascido no Cairo, e minha família foi banida do Egito, em 1956, durante o incidente do Canal de Suez. Fomos trazidos pra América por um comitê judaico, o mesmo que estava trazendo os judeus russos. A gente chegou de barco, fui provavelmente um dos últimos imigrantes a entrar no porto de Nova York e ser recebido pela Estátua da Liberdade.
As primeiras palavras que aprendi ao descer do barco foram: 'vá se foder!'. Eu estava lá parado, com a porra do meu sapato marrom, e as pessoas diziam 'você fala inglês?' Eu dizia: 'Não'. Elas diziam: 'Vá se foder."
Depois de nos reinstalarmos em tudo que é lugar, finalmente acabamos em Jamaica, Queens. Billy Murcia morava três quadras adiante. A família dele tinha recém-chegado da Colômbia, América do Sul. Nós dois éramos imigrantes. Ele tinha cinco irmãos e irmãs: Alfonso, Billy, Hoffman, Edgar, Heidi e mais dois outros dois de outro casamento. Mas eles moravam numa casa grande e bonita, e nós morávamos num prédio de apartamentos.
Eu não era um cara durão, mas tinha namoradas, então isto, talvez, me fizesse parecer durão. Eu usava um corte de cabelo legal, então, talvez, tenha sido isso que por isso que Alfonso disse: 'você vai lutar com meu irmão.'
É engraçado, mas eu tinha visto Billy lutar na véspera, porque o irmão maior dele tinha arranjado a coisa. Alfonso era como um pequeno empresário de Billy - ele estava na oitava série, e nós na sétima. Billy lutou com um cara na rua em frente à escola, onde estavam construindo casas novas. Estava chovendo, e eles foram ficando todos enlameados. Eu não conseguia acreditar naquilo, porque Billy não era um cara forte nem nada, mas o irmão dele estava preparando Billy - colocando-o contra grandalhões contra facas.
Então, quando Alfonso disse que eu tinha que lutar, fiquei pensando: 'Hey, mas que merda é essa?'. Daí encontrei Billy no refeitório e disse: 'Você? É você o cara?'
A gente tinha se visto na aula e meio que se dava bem, e trocava umas palavras. Então Billy se virou pro irmão dele e disse: 'Não, cara'. Ele disse em espanhol: 'Este é meu amigo, mi amigo'. Sabe como é: 'Ele é meu amigo'.
Então Alfonso disse: 'Ok, Billy, você quem sabe, não tem problema, vamos achar um outro para você dar porrada.'
Então descolei pra Billy trabalhar comigo na loja do meu tio - Michelle Novelties, na Avenida Jamaica. A gente vendia brincos - brincos de cinqüenta e cinco centavos que as garotas negras usavam, sabe. Então a gente trabalhou vendendo roupas na Truth and Soul pouco antes dos Dolls surgirem. Foi de onde a gente tirou o nome da banda. The New York Dolls Hospital, um lugar onde consertam bonecas antigas, ficava do outro lado da rua.'"

Sylvain e Billy haviam montado a banda The Pox, em 1968, quando trabalhavam com o tio de Syl. Dois anos depois, resolveram reformar o grupo, rebatizando-o de New York Dolls e chamaram o jovem Johnny Thunders, quando Syl foi para Londres.

Meses depois, ao retornar, o grupo já tinha Kane e Rivets. Johnny tinha alguma experiência com o grupo Actress, onde era cantor. Como não era muito bom, chamou David Johansen, que havia fracassado em peças alternativas em Nova York.

Segundo Johansen, a proposta do grupo era diversão, explorando rock e r&b dos anos 50 e 60. O visual revolucionário, com maquiagem, vestidos e ternos de cores berrantes veio por acaso. Eles costumavam reciclar roupas e queriam usar coisas espalhafatosas. Nascia com eles, o termo, que acompanharia um estilo, imortalizado depois por Ziggy Stardust, Roxy Music, Gary Glitter, Slade etc.

Após rodarem por Nova York, os Dolls se estabeleceram no Mercer Arts Center, onde tocavam às terças, na sala Oscar Wilde, e no Diplomat Hotel. A banda logo chamou a atenção dos jovens pela diversão, bom humor e ousadia. Por causa disso, eram chamados de gays, mas de gays nada tinham. Os Dolls, inclusive, aproveitavam o fato de usarem roupas femininas para se aproximarem das mulheres. E várias dormiam com eles.

Os Dolls tinham uma audiência vasta e nomes como Lou Reed, um ainda desconhecido David Bowie, Jeffrey Hyman e Douglas Colvin eram assíduos observadores. Os dois últimos ficariam conhecidos, mais tarde, como Joey e Dee, vocalista e baixista dos Ramones.

Os Dolls em LondresO grupo logo chamou a atenção e assinaram contrato com os empresários Marty Thau, Steve Leber e David Krebs.

Imediatamente, os três conseguiram uma façanha: mandaram a banda para a Inglaterra, onde abririam os shows do astro Rod Stewart, sem terem, ao menos, um compacto gravado.

As apresentações foram fenomenais, a ponto dos semanários ingleses dedicarem páginas e mais páginas à banda, chamando-os de novos donos do rock. Mas, Londres, marcaria a banda com uma tragédia: a morte de Billy Murcia.

Billy havia sido convidado por algumas pessoas a uma festa e começou a ingerir bebida e alguns calmantes chamados Qaauludes. Quando Billy começou a se sufocar e passar mal, foi jogado numa banheira com água fria e fugiram. Billy acabou morrendo afogado.

O fato pegou todos os de calças curtas, pois os Dolls estavam sendo assediados por várias gravadoras e tinham propostas milionárias.

Com a morte de Murcia, Thau fez com que todos batessem em retirada para Nova York, enquanto cuidava das questões legais e do translado do cadáver para a América.

A morte de Billy acabou afastando algumas gravadoras e acabaram assinando com a Mercury.

A banda contava então com o baterista Jerry Nolan, que era apaixonado pelos Dolls. Sendo mais velho e mais experiente do que todos eles - Jerry havia tocado com Suzi Quatro, Billy Squier e Jayne County, Nolan foi aprovado em uma audição em que tinha como "adversário", um velho conhecido seu, o ainda desconhecido baterista Peter Criss, que tempos depois ficaria famoso no KISS.

Nolan era mais técnico do que Murcia e com ele, a banda ganhou em peso, força e inventividade.

Em 1973, o grupo lança o primeiro álbum, intitulado apenas New York Dolls. Infelizmente, a fama dos Dolls não era mais a mesma, apesar do álbum estar recheado de clássicos. O disco conseguiu apenas a 116ª posição na parada norte-americana.

As faixas, assinadas, na maioria por Thunders e Johansen, eram:

Lado A

1. Personality Crisis – 3:43
2. Looking for a Kiss – 3:20
3. Vietnamese Baby (Johansen) – 3:39
4. Lonely Planet Boy – 4:10
5. Frankenstein (Johansen, Sylvain Sylvain) – 6:00

Lado B
1. Trash (Johansen, Sylvain) – 3:09
2. Bad Girl – 3:05
3. Subway Train – 4:22
4. Pills (Bo Diddley) – 2:49
5. Private World (Johansen, Arthur Kane) – 3:40
6. Jet Boy – 4:40

O álbum virou um pesadelo para o produtor Todd Rundgren, então guitarrista do Nazz. Segundo, Todd, ele mal pode mexer nas gravações, pois assim que pegou as fitas para ouvir e começar a mixagem e masterização, viu as mesmas serem tomadas por Johnny Thunders.

O disco recebeu boas críticas por seu rock básico, cru e honesto e os Dolls começaram a excursionar pela América e Reino Unido. O gripo entrou numa polêmica com o apresentador Bob Harris, do programa Old Grey Whistle Test, da BBC, que os chamou de uma "versão engraçadinha" dos Rolling Stones, dizendo que eles eram iguais aos Monkees em relação aos Beatles.

Um dos grandes problemas - talvez o maior - eram as drogas. Johnny Thunders e Jerry Nolan foram dos mais famosos e lendários junkies que o rock já conheceu. Ao mesmo tempo em que tocavam e angariavam fãs e namoradas, os Dolls gastavam quase tudo com heroína, cocaína e bebidas. Além disso, eram machistas incuráveis e muitas vezes obrigavam as mulheres a sustentar os vícios.

Em 1974, a banda lança o segundo e último álbum com a formação original, Too Much Too Soon. O disco mantinha a mesma idéia do anterior: rock simples, rápido, divertido, sem frescuras.

Produzido por Shadow Morton, que havia escrito o sucesso "Remember (Walking In The Sand)", imortalizado pelas Shangri-Las, o álbum acabou passando batido e alcançando apenas a 167ª posição na parada norte-americana.

O disco trazia as seguintes faixas:

Lado A

1. Babylon (David Johansen, Johnny Thunders) – 3:31
2. Stranded in the Jungle (James Johnson, Ernestine Smith) – 3:49
3. Who Are the Mystery Girls? (Johansen, Thunders) – 3:07
4. (There's Gonna Be A) Showdown (Kenny Gamble, Leon Huff) – 3:37
5. It's Too Late (Johansen, Thunders) – 4:35

Lado B
1. Puss 'N' Boots (Johansen, Sylvain Sylvain) – 3:06
2. Chatterbox (Thunders) – 2:26
3. Bad Detective (Kenny Lewis) – 3:37
4. Don't Start Me Talkin' (Sonny Boy Williamson II) – 3:12
5. Human Being (Johansen, Thunders) – 5:44

O fracasso nas vendagens e o abusivo consumo de drogas fez com que a Mercury os demitisse. Sem dinheiro, sem contrato e sem empresários, a banda foi salva - em termos - por um londrino magrinho e que tinha uma loja chamada Sex, em Londres: Malcolm McLaren.

McLaren era um empresário astuto e queria vir para Nova York, já que Londres o entediava. Apaixonado pelos Dolls e louco para colocar algumas idéias em prática, começou a empresariar a banda. McLaren se considerava um "empresário das páginas amarelas", pois teve a hercúlea missão de colocar na ativa um grupo praticamente morto.

Com muita vontade e uma organização incomum, começou a organizar a vida dos integrantes. Malcolm acreditava muito que um grupo de rock deve sempre confrontar e chocar as pessoas, criando um caos que tanto fez a fama dos Sex Pistols e dele. Por isso, resolveu colocar a banda em ternos vermelhos. Mas Malcolm ousou mais e, ingenuamente, tentou fazer um "lance político" (nas próprias palavras dele), colocando a bandeira da União Soviética detrás deles, no palco. Nada mais absurdo do que isso, pois os Dolls eram, essencialmente, um bando de roqueiros barulhentos e drogados e que não tinham nenhuma posição política. O "lance" era sexo, drogas e rock and roll, não política.

Determinado, conseguiu uma série de concertos na Flórida, que seria o fim da banda. O grupo ficava hospedado no trailer da mãe de Jerry Nolan, que morava na cidade, odiando tudo aquilo. Após uma briga, Jerry Nolan e Johnny Thunders resolveram que sairiam do grupo para sempre. Era o fim do grupo.

Os dois acabariam formando o Johnny Thunders & The Heartbreakers, que tinha na primeira formação Richard Hell, como baixista. Mas Hell logo foi expulso, entrando Billy Rath em seu lugar.

Os demais seguiram a vida. Johansen saiu em carreira-solo e em 1980 criou o personagem Buster Poindexter, com que lançou uma série de álbuns cheios de jazz, calipso, mambo e fazendo pontas em programas televisivos.

lápide de Johnny ThundersJohnny Thunders e Jerry Nolan continuaram a vida, juntos ou separados, até que o guitarrista morreu, em New Orleans, em 1991, após uma overdose de drogas, em uma confusão até hoje nunca bem explicada. Ao que consta, Thunders havia sido envenenado por alguns traficantes, que ficaram de levar cocaína ao seu quarto e deram a ele um LSD moído. Johnny havia injetado e desesperado tomou uma quantidade imensa de metadona, tendo uma parada cardíaca e morrendo. Quando encontraram seu corpo viram que vários objetos pessoais haviam sido roubados. Aos 38 anos, o talentoso guitarrista dava adeus ao mundo em 23 de abril.

Morrissey e Steve ConteUm ano depois foi a vez de Jerry Nolan, de infecção generalizada causada por meningite e pneumonia, aos 45 anos, no dia 14 de janeiro de 1992.

A morte dos Dolls causou um sem-número de lançamentos póstumos, até que em 2004, a banda voltou a fazer shows, organizados por um dos primeiros fãs do grupo no Reino Unido: Morrissey. O ex-vocalista dos The Smiths fez de tudo para ver seus antigos ídolos em ação.

Assim em 2004, Johansen, Sylvain e Kane se reuniram para uma série de shows que virou um LP ao vivo e um DVD com o título Morrisey Presents The Return of the New York Dolls: Live From Royal Festival Hall, 2004.

Infelizmente, Arthur Kane viria a falecer de leucemia, em 13 de julho, de 2004, atrasando novamente a volta. Mas os Dolls estavam decididos a voltar com um disco de músicas inéditas em 2006, batizado One Day It Will Please Us to Remember Even This.

O disco trazia, além de Johansen e Sylvain, Steve Conte (guitarra), Sami Yaffa (baixista, ex-Hanoi Rocks), Brian Delaney (bateria) e o tecladista Brian Koonin. Lançado pela Roadrunner, chegou ao 129º posto na parada dos EUA (a mais alta da carreira deles) e traz participações de Michael Stipe (R.E.M.), Tom Gabel e Iggy Pop. Na faixa "Seventeen" aparece uma das maiores lendas do rock and roll, ninguém menos que o fantástico guitarrista Bo Diddley.

O CD traz as seguintes faixas:

1. We're All in Love (4:38)(Johansen/Sami Yaffa)
2. Runnin' Around (4:11)
3. Plenty of Music (4:00)
4. Dance Like a Monkey (3:38)
5. Punishing World (Johansen/Steve Conte) (2:37)
6. Maimed Happiness (3:01)
7. Fishnets and Cigarettes (3:13)
8. Gotta Get Away from Tommy (Johansen/Conte) (2:27)
9. Dancing on the Lip of a Volcano (4:18)
10. I Ain't Got Nothing (Johansen/Brian Koonin) (4:27)
11. Rainbow Store (Johansen/Conte) (2:57)
12. Gimme Luv and Turn on the Light (3:18)
13. Take a Good Look at my Good Looks (Johansen/Sylvain/Conte) (5:00)
14. Beauty School (Japanese Bonus Track)
15. Seventeen (Bonus Track)

A banda segue ainda excursionando e, em abril de 2008, veio ao Brasil para uma série de shows levando quase 40 anos de rock aos novos fãs, imortalizando o nome New York Dolls, definitivamente.

Deixo vocês com a discografia do grupo. Um abraço e até a próxima coluna.

Discografia

Discos

New York Dolls (1973)
Too Much Too Soon (1974)
Lipstick Killers (Mercer St. Sessions) (1981)
Live in NYC - 1975: Red Patent (1984)
Seven Day Weekend (1992)
Paris Is Burning (1993)
Rock & Roll (1994)
I’m a Human Being (1998)
Hootchie Kootchie Dolls (1998)
Street Trash (1999)
The Glamorous Life Live (1999)
Actress: Birth of the New York Dolls (2000)
New York Tapes: 1972-1973 (2000)
Endless Party (2000)
Archive (2001)
Great Big Kiss (2002)
From Paris with Love (L-U-V) (2002)
20th Century Masters - The Millennium Collection: The Best of New York Dolls (2003)
Morrisey Presents The Return of the New York Dolls: Live From Royal Festival Hall, 2004 (2004)
Manhattan Mayhem: A History of the New York Dolls (2005)
One Day It Will Please Us To Remember Even This (2006)

Singles

Bad Girl / Subway Train (1973)
Jet Boy / Babylon / Who Are the Mystery Girls (1973)
Personality Crisis / Looking for a Kiss (1973)
Trash / Personality Crisis (1973)
Stranded in the Jungle / Don't Start Me Talkin' (1974)
There's Gonna Be A) Showdown / Puss 'n' Boots (1974)
Dance Like a Monkey (2006)

 


 

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