Muitos pensam
que Bob Dylan foi relevante apenas nas décadas de 60 e
70. Ledo engano. Apesar de ter feito bem menos sucesso nos anos
80, há pelo menos duas fases ótimas nesse período:
o primeiro disco com o Traveling Wilburys - coluna em breve -
e o disco Oh Mercy, de 1989. Com uma produção requintada
a cargo de Daniel Lanois e grandes composições,
Dylan fui um dos destaques em um ano que ficou marcado na América
como a "volta dos dinossauros, já que outros grandes
nomes - Neil Young, com "Freedom"; Lou Reed, com "New
York"; Rolling Stones com "Steel Wheels", Paul
McCartney com "Flowers In The Dirt" - lideraram o mercado
de vendas na América. E, entre todos eles, Dylan mostrou
que ainda era o mestre e o melhor de todos.
Não
era fácil ser Bob Dylan no final dos anos 80. A pressão
sobre o maior nome do rock norte-americano era imensa e há
tempos, Dylan não fazia um bom disco solo.
O cantor havia entrado
no grupo The Traveling Wilburys - formado por Roy Orbison, George
Harrison, Tom Petty e Jeff Lynne - e conquistado o mundo com o
disco de estréia, lançado em outubro de 1988. Mas
a carreira-solo não ia tão bem.
Na
verdade, o cantor havia feito uma cirurgia na mão em dezembro
de 1987 e tinha pouca ou quase nenhuma disposição
em escrever algo. Ainda assim, resolveu arriscar e em poucos minutos
rabiscou uma canção chamada "Political World".
Teria algo a dizer?
Aos poucos a inspiração
foi voltando mostrando que, sim!, ele tinha muito a dizer. Assim
nascia "What Good I Am?", "Dignity", e quando
viu tinha mais de 20 letras. Mas faltavam as melodias e por falta
de confiança e de vontade, resolveu deixá-las hibernando.
Como forma de exercitar
sua mão, o cirurgião sugeriu que voltasse a tocar
violão acústico para fortalecer os músculos.
Assim, Dylan voltou a realizar alguns shows e topou participar
do Traveling Wilburys. No grupo, Dylan tinha a companhia de um
velho amigo, George Harrison, que o estimulava a escrever. Como
membro de um grupo, Dylan voltou à velha forma.
Além de George,
outra pessoa importante no processo foi Bono. O cantor do U2 havia
se tornado grande amigo de Bob, especialmente após Dylan
participar de algumas faixas de Rattle and Hum.
Dylan resolveu então se abrir e mostrou as novas letras
para Bono, que ficou enlouquecido e o intimou a gravá-las.
Dylan explicou o receio: "não consigo encontrar um
produtor que entenda o que quero e que possa me ajudar. Meus últimos
foram muito criticados."
Bono
não se fez de rogado e aconselhou-o a conversar com Daniel
Lanois, antigo colaborador do grupo desde o disco The
Unforgettable Fire. "Daniel é o homem certo
para você". Dylan duvidou, mas mesmo assim pediu que
agendasse um encontro com ele.
Lanois e Dylan se encontraram
e tiveram uma conversa muito produtiva: "Daniel entende perfeitamente
o que desejo e como quero que as músicas. Fiquei feliz,
porque eram raro encontrar bons produtores."
O primeiro encontro se
deu quando Lanois produzia Yellow Moon, dos Neville
Brothers. Para as primeiras sessões, Daniel levou um porta-estúdio
até New Orleans para realizarem as primeiras gravações.
Dylan gostou de gravar em New Orleans e após essas sessões
viu que Lanois seria o produtor ideal.
As gravações
começaram seis meses depois e os dois passaram um bom tempo
juntos em um clima de grande tranquilidade. Dylan havia optado
que não queria utilizar a banda com a qual havia excursionado
meses antes. Assim, Daniel chamou vários músicos.
A banda base consistia em Mason Ruffner e Brian Stoltz nas guitarras,
Tony Hall no baixo e o baterista Willie Green. Lanois se arranjaria
com o dobro e o lap steel; Dylan ficaria com a guitarra
acústica e piano. As sessões seriam da maneira mais
relaxada possível, na hora e quando Bob quisesse.
As
gravações começaram de forma complicada.
No primeiro dia, tentaram encontrar um arranjo para "Political
World". Lanois experimentou algo mais funk, o que não
deu certo. A banda ficou tentando achar um arranjo certo e Bob
sentiu-se desapontado ao saber disso e mais ao descobrir que Lanois
havia destruído um dobro em um momento de raiva. Após
deixaram a canção guardada tentaram a sorte com
"Most of the Time", outra vez, um fracasso. Lanois sugeriu
uma banda de cajun para "Dignity". Intrigado, Bob aceitou,
mas novamente, outro fracasso. Frustrados, a banda começou
a tocar velhos clássicos para passar o tempo, quando Dylan
sugeriu outra composição, "Where the Teadrops
Fall". Havia dado certo, ainda que Lanois quisesse regravá-la.
No disco, no entanto, aparece a primeira versão e que tanto
havia gravado Dylan.
Aos poucos, foram gravadas
14 ou 15 faixas novas, que precisavam de polimento. Dylan sentia
que talvez Lanois não entendesse tão bem o que ele
queria, mas ainda mantinha a fé. Lanois ia entendendo os
medos e dificuldades de Dylan e o disco começava a ganhar
corpo. Muitas canções mantiveram o arranjo das primeiras
gravações, com exceções dos vocais
que foram regravados para acomodarem as letras que iam mudando
aos poucos.
Ao
ser lançado, Oh Mercy ganhou status de
clássico. Alguns críticos diziam que era injusto
compará-lo com seu catálogo dos anos 60, embora
há quem discordasse disso. E, de fato, Oh Mercy não
faria feito se fosse lançado naquele período e se
houvesse tecnologia suficiente para isso.
Lanois imprimiu ao disco
arranjos mais elaborados, sutis. Contando com uma série
de grandes músicos, o disco surpreende com "Political
World". Há quanto tempo um Dylan não parecia
tão vivo. Lanois brilha em "Where Teadrops Fall"
executando lap steel.
"Ring the Bells"
é uma das mais belas composições do disco,
assim como a delicada "Most of the Times". O disco fecha
com "The Shooting Star", outro momento precioso.
O
disco serviu também para ajudar Dylan a recuperar as vendagens.
Após discos fracos como Knock Out Loaded
e Down in the Groove, Oh Mercy teve
vendagens melhores, embora insuficiente para ficar entre os 20
mais. Bob Dylan também conseguiu mostrar a si mesmo que
ainda tinha boas canções e relevância para
seguir carreira.
Ficha técnica
Faixas
1. "Political World" –
3:43
2. "Where Teardrops Fall" – 2:30
3. "Everything Is Broken" – 3:12
4. "Ring Them Bells" – 3:00
5. "Man in the Long Black Coat" – 4:30
6. "Most of the Time" – 5:02
7. "What Good Am I?" – 4:45
8. "Disease of Conceit" – 3:41
9. "What Was It You Wanted" – 5:02
10. "Shooting Star" – 3:12
Músicos
Bob Dylan – vocals, guitar, piano,
harmonica, twelve-string guitar, organ
Daniel Lanois – dobro, lap steel, guitar, omnichord (tracks
1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 9, 10)
Mason Ruffner – guitar (tracks 1, 8, 9)
Brian Stoltz – guitar (tracks 1, 3, 8, 10)
Tony Hall – bass (tracks 1, 3, 6, 8, 10)
Cyril Neville – percussion (tracks 1, 6, 9)
Willie Green – drums (tracks 1, 3, 6, 8, 9, 10)
Paul Synegal – guitar (track 2)
Larry Jolivet – bass (track 2)
Alton Rubin, Jr. – scrub board (track 2)
John Hart – saxophone (track 2)
Rockin' Dopsie – accordion (track 2)
Malcolm Burn – tambourine, keyboards, mercy keys, bass (tracks
3, 4, 5, 6, 7, 9)
Daryl Johnson – percussion (track 3)
Deixo você com a
discografia. Um abraço e até a próxima coluna.
Discografia
Bob Dylan (1962)
The Freewheelin' Bob Dylan (1963)
The Times They Are A-Changin' (1964)
Another Side of Bob Dylan (1964)
Bringing It All Back Home (1965)
Highway 61 Revisited (1965)
Blonde on Blonde (1966)
Bob Dylan's Greatest Hits (1967)
John Wesley Harding (1968)
Nashville Skyline (1969)
Self Portrait (1970)
New Morning (1970)
Bob Dylan's Greatest Hits, Vol. 2 (1971)
Pat Garrett and Billy the Kid (1973)
Dylan (1973)
Planet Waves (1974)
Before the Flood (1974)
Blood on the Tracks (1975)
The Basement Tapes (1975)
Desire (1976)
Hard Rain (1976)
Street Legal (1978)
At Budokan (1979)
Slow Train Coming (1979)
Saved (1980)
Shot of Love (1981)
Infidels (1983)
Real Live (1984)
Biograph (1985)
Empire Burlesque (1985)
Knocked Out Loaded (1986)
Dylan & the Dead (1988)
Down in the Groove (1988)
Oh Mercy (1989)
Under the Red Sky (1990)
The Bootleg Series Volumes 1-3 (1991)
Good as I Been to You (1992)
The 30th Anniversary Concert Celebration (1993)
World Gone Wrong (1993)
Bob Dylan's Greatest Hits, Vol. 3 (1994)
MTV Unplugged (1995)
Time Out Of Mind (1997)
The Bootleg Series, Vol. 4: Bob Dylan Live 1966 (1998)
The Essential Bob Dylan (2000)
"Love and Theft" (2001)
The Bootleg Series, Vol. 5: Bob Dylan Live 1975 (2002)
The Bootleg Series, Vol. 6: Bob Dylan Live 1964 (2004)
No Direction Home: The Soundtrack (The Bootleg Series Vol. 7)
(2005)
The Best of Bob Dylan (2005)
Modern Times (2006)
Dylan (2007)
Tell Tale Signs - Rare and Unreleased 1989-2006 (2008)
Together Through Life (2009)
|