26 - Osvaldo Collucci - entrevista

Osvaldo Collucci não é famoso como Luiz Calanca da Baratos Afins ou René Ferri da extinta Wop-Bop. Mas sua importância para mim é a mesma. Afinal, quando eu ainda vivia em Ribeirão Preto, a Cantinho Discos (ou Cantinho do Disco, como muitos a chamavam) era a única loja que trazia vinis que só existiam em São Paulo. Entre 1985 e 1988 foi a única boa opção não apenas da cidade, mas da região. Acabei fazendo amizade com Osvaldo, apesar de no começo ele ser mais fechado. Com o tempo, fomos nos aproximando e saímos até em uma matéria em um pequeno jornal, juntos, em 1991! E quase viramos sócios! Daria para fazer um livro com essas e outras histórias. Mas o motivo que eu o entrevistei foram dois: o primeiro foi que ele reativou a loja com um novo nome (ou quase) e a segunda foi meu desejo em mostrar como funcionava o meio roqueiro numa cidade tão pouco comentada como Ribeirão. Tá certo que a Cantinho não tinha o estoque da Baratos ou da Wop-Bop, mas tinha lá seu charme e era abarrotada de vinis. Sendo assim, por que não saber como funcionava a melhor loja da Alta Mogiana e quais são seus novos planos?


Osvaldo Collucci, em 1991Pergunta: - Osvaldo, conte como fundou a Cantinho Discos...
Osvaldo Collucci: - A loja nasceu num programa de rádio criado aqui em 1983. Comecei a freqüentar o estúdio e fiz amizade com a apresentadora. À época eu tinha alugado uma sala num prédio do centro pro meu escritório de filatelia e numismática - trabalhava de noite numa filiada da TV Globo e tinha tempo de sobra durante o dia - e a Cibeleza, a tal apresentadora, sugeriu que utilizasse o espaço para um sebo pioneiro de discos de rock. Topei a idéia e abri um espaço na sala pros discos, o cantinho dos discos. Começamos a divulgar na rádio e panfletar em locais afins. O negócio deu tão certo que, em pouco tempo, eu deixei de trabalhar com as outras coisas e mudei pro primeiro andar do prédio, mais acessível, e continuei a expansão. Em 1986, pedi um imóvel da família para um inquilino, reformei e levei a loja para a rua. Os motivos? bem, eu sou roqueiro, freqüentava direto as Grandes Galerias de São Paulo e como dizia meu avô tenho bicho carpinteiro, sempre gostei de fugir do convencional.

Pergunta: - Por que você fechou a loja na década de 90 e voltou com um outro nome (Cantinho Discos Record Shop)? Quais são suas expectativas com esse retorno?
Osvaldo Collucci:
- Deixei de trabalhar com a Cantinho em 1993 e voltei agora em 2006 por vários motivos: gosto disso, sou dono do meu tempo e tinha vontade. Estava com bronca da atual conjuntura econômica e, confesso, estava com saudade do velho vinil. Minhas expectativas? Olha, por aqui nunca vingou uma loja de bom gosto nos velhos tempos por falta de mercado e, atualmente, por falta de percepção ou competência e acho que a região merece e comporta uma loja desse tipo. São boas, portanto, as perspectivas.

Pergunta: - Nos anos 80, a loja era a única boa opção de Ribeirão. Como você se mantinha informado dos lançamentos e como comprava os discos?
Osvaldo Collucci:
- Realmente na década de 80 a loja se firmou como a única opção e passei a ser respeitado no mercado. Para rock e MPB eu era a primeira opção e as outras passavam batidas pra esse tipo de público. Era eu quem cuidava da Cantinho, com a ajuda da família e mensalmente ia até São Paulo para buscar material, me inteirar das coisas, etc. Eu lia o que existia sobre rock e MPB, conversava sempre com o pessoal do meio em São Paulo, enfim, me mantinha antenado, pois via nisso o diferencial importante para meu mercado.

Pergunta: - Você não tinha concorrentes em Ribeirão, mas resolveu sair do mercado. Por que?
Osvaldo Collucci:
- Realmente não tive concorrentes e o que surgiu depois nessa área foi feito por gente que freqüentava minha loja, depois que saí do mercado. Francamente, as intenções podem ter sido boas, mas a receita nunca mais foi repetida e, humildemente, acho que posso repetir a história. Apesar dos problemas econômicos, eu cismei em me dedicar a algo "sério' em termos comerciais; tinha mulher e filha e meu na cabeça de buscar segurança. Me arrependi de não ter continuado na área. Mas gás não falta e sempre se pode fazer melhor.

Closer, do Joy DivisionPergunta: - O que você mais vendia?
Osvaldo Collucci:
- Rock e MPB e acessórios que os acompanham. Peguei a onda do metal, do rock 80, da MPB independente. Foi uma época rica em que se consolidou o mercado roqueiro e alternativo do Brasil e eu creio ter trazido isso para a região.

Pergunta: - Você se sentia antenado inteiramente com o contexto da época ou nem tanto?
Osvaldo Collucci:
- Claro que sim e tanto tive certeza que poderia participar disso que levei em frente a idéia de se criar um espaço assim, em Ribeirão Preto. Por uma questão de lógica sempre soube que eu nunca teria a amplitude de Sampa, mas sempre acreditei que haveria (como houve) espaço aqui. Conversava com o pessoal de São Paulo; o Calanca, o René, o Walcir, Chicão, Jonas, Eric e tantos outros. Freqüentei o Lira Paulistana e só sinto não ter conhecido a Wop-Bop ainda nas Grandes Galerias, mas em compensação peguei a época do Chicão da Devil com todo aquele tamanho sentado num banquinho minúsculo e com os discos de sua coleção encostados na parede da recente loja; o Walcir e o cunhado se espremendo na minúscula loja da Rua José Bonifácio.

Pergunta: - Uma curiosidade aos leitores. Nós quase viramos sócios duas vezes. Você se lembra dessas histórias?
Osvaldo Collucci:
- Claro que sim! A primeira foi quando fomos ver a grande coleção que era, na verdade, o estoque da loja Rocks que o Prisco Fázio havia aberto em 1976, mas não tinha dado certo. Quanto à loja em Sampa era uma ótima idéia como outras dezenas de boas idéias. Só que eu nunca quis morar em São Paulo..

Pergunta: - Ribeirão Preto é extremamente provinciana. Ainda existe algum público para sua volta?
Osvaldo Collucci:
- Ribeirão é mesmo provinciana, mas atualmente existem espaço para o rock. A cena roqueira aqui tá cheia de bares com som ao vivo, excursões de shows e outras coisas. The times they are a-changin'...

Pergunta: - O que você gosta de ouvir hoje em dia?
Osvaldo Collucci:
- Da música de hoje em dia eu gosto mesmo do que rola em pistas de dança, rave, todas aquelas tendências; gosto de sacudir.

Pergunta: - Quais são seus cinco discos favoritos?
Osvaldo Collucci:
- The Piper at the Gates of Dawn (Pink Floyd); Freak Out! (The Mothers of Invention); Electric Ladyland (Jimi Hendrix); Bringing It All Back Home (Bob Dylan) e The Velvet Underground & Nico.

Frank Zappa, dos MothersPergunta: - E quais são suas cinco músicas preferidas?
Osvaldo Collucci:
- "Chapter 24" (Pink Floyd); "Hungry Freaks, Daddy" (The Mothers of Invention); "Mr. Tambourine Man" (Bob Dylan); "Strange Days" (The Doors) e "Purple Haze" (Jimi Hendrix).

Pergunta: - Valeu Osvaldo, deixe uma mensagem para os antigos e novos clientes! Um abraço!
Osvaldo Collucci:
- Bem, não tenho nenhuma mensagem especial. Muito dos antigos clientes são meus amigos e nos falamos até hoje. A eles, digo que estamos aí. Quanto aos novos, vou adorar conhecer aos amantes da boa música. Um abraço a todos e a Cantinho Discos Record Shop está aí!

PS: a razão da foto do Closer do Joy Division é uma "vingança" minha. Explico: naquela época, Osvaldo vendia o vinil a 75 cruzados e ele possuía uma cópia pirata, argentina, do Closer a 600 cruzados! Oito vezes o preço! Eu comprei. O selo do vinil estava apagado e odiei quando toquei "Atrocity Exhibition" pela primeira vez. Até escondi o disco por meses e fiquei me odiando por ter gastado meu dinheiro. E cinco meses depois, saiu uma edição nacional dele! Fica aqui meu protesto.. devolva meu dinheiro, Osvaldo!!!!