Quando os Paralamas
entraram em estúdio para fazer Selvagem? talvez não
soubessem que estavam marcando o rock brasileiro de maneira inquestionável.
Um dos melhores discos da década de 80, Selvagem? teve
hits monumentais, como a faixa título, "Alagados",
"A Novidade" e mostrou o grupo preocupado com temas
sociais. Vinte anos depois do lançamento, o disco mostra-se
bastante atual, e já virou um clássico.
Herbert
Vianna, Bi Ribeiro e João Barone já tinham história
no rock brasileiro, não apenas por participarem do primeiro
Rock In Rio, mas por terem lançado em 1985, O Passo
do Lui, que entupiu as rádios com "Óculos",
"Meu Erro", "Ska", entre outros.
Mas, o grupo ainda daria
o pulo do gato em 1986, deixando de ser uma simples bandinha new
wave com um vocalista que usava óculos..
Os Paralamas estavam então
em uma maratona imensa, com quase 150 shows pelo país,
capitalizando os sucessos dos dois primeiros discos, Cinema
Mudo e O Passo do Lui.
Apesar disso, o grupo sentia
uma certa estagnação criativa. Herbert contou que
nessa época ficavam fazendo jams no meio do show
para encontrarem uma nova sonoridade e "Óculos"
chegava a ter 17 minutos ao vivo.
Foi nessa busca que começaram
a fazer alguns ensaios no estúdio Vovó Ondina, no
apartamento do baixista Bi onde a banda havia nascido. O trio
tentava misturar temas políticos, sociais sem perder o
suingue tão marcante do grupo. Era hora de deixar os temas
juvenis um pouco de lado.
Aliás, Herbert jura
que o grupo não era tão fissurado assim no Police
como se dizia na época. Apesar de Stewart Copeland ser
o baterista favorito de Barone, Herbert conta que eles tinham
como modelo outro trio, o The Jam, além de Gang of Four,
The Beat, Specials e Madness.
Foram
cinco meses de ensaios até sentirem que poderiam juntar
as forças com o produtor Liminha em seu estúdio
Nas Nuvens. Um dos segredos do grupo é chegar com tudo
praticamente pronto para as gravações e terem mais
tempo para desenvolverem algumas partes. E nisso Liminha parecia
ser o homem ideal para os Paralamas.
Foi nesse disco que Herbert
começou uma longa parceria com Gilberto Gil. Ele diz que
tinha uma música sem letra e pediu que Gil colocasse voz
e a escrevesse: "Foi impressionante, ele fez uma coisa maravilhosa,
respeitando a métrica, tudo". Nascia assim, "A
Novidade", uma das mais belas músicas do grupo.
Mas Vianna queria mais.
Queria, literalmente, meter o dedo na ferida: assim, nasce "Alagados",
o maior sucesso do disco, que fala das miseráveis condições
de vida dos mais pobres e que conta com a participação
do próprio Gilberto Gil nos vocais - "E a cidade que/
Que tem os braços abertos num cartão postal/Com
os punhos fechados na vida real..." -.
E tinha mais: eles falavam
da censura do governo Sarney ao filme Je Vou Salue Marie,
do cineasta Godard e da violência policial, na contundente
faixa-título; dos problemas no Oriente Médio - "Teerã"
e até de existencialismo - "O Homem".
É
claro que existiam também os momentos leves, brincalhões,
como "Melô do Marinheiro", escrita por João
Barone e que foi outro sucesso estrondoso e "There's A Party",
cantada em inglês, além de regravação
de "Você", de Tim Maia.
Outras novidades são
as faixas instrumentais "Marujo Dub" (que constava apenas
em cassete na época do lançamento) e "Teerã
Dub". Tantos sucessos e inovações fizeram o
disco vender mais de 750 mil cópias.
Todas as letras foram compostas
por Herbert Vianna, exceto onde indicado. Todas as músicas
foram compostas por Bi Ribeiro, Herbert Vianna e João Barone,
exceto onde indicado e continha as seguintes faixas:
Lado A
01. "Alagados" 5:00
02. "Teerã" 4:27
03. "A Novidade" (Gilberto Gil) 3:10
04. "Melô do Marinheiro" (João Barone,
Bi Ribeiro) 3:27
05. "Marujo Dub" (instrumental) (Bi Ribeiro, João
Barone) 2:48
Lado B
01. "Selvagem" 4:04
02. "A Dama e o Vagabundo" (Bi Ribeiro, Herbert Vianna)
4:20
03. "There's a Party" (Herbert Vianna) 2:26
04. "O Homem" (Bi Ribeiro, Herbert Vianna) 4:05
05. "Você" (Tim Maia) 3:20
Musicalmente,
o disco ia do reggae ao dub, com uma pitada bem brasileira na
percussão, uma trinca Brasil-Jamaica-África. Segundo
o vocalista em uma entrevista à época, dizia que
o grupo estava entrando em uma sala imensa, inexplorada e estava
dando apenas o primeiro passo dentro dela.
O ano de 1986 pode ser
considerado muito importante para o rock brasileiro com outros
lançamentos de peso, como Cabeça Dinossauro,
dos Titãs, o primeiro do Capital Inicial, Dois,
do Legião Urbana, discos que colocavam o dedo na ferida
de um país que começava a deixar lentamente os anos
de ditadura para trás.
O grupo sedimentaria esse
caminho nos shows da turnê tendo a companhia do tecladista
João Fera. Foi esse quarteto que registrou o disco ao vivo,
D, gravado no festival de Montreux.
Os Paralamas começavam
então um caminho aos ritmos brasileiros, africanos e caribenhos,
sofisticando seu caldeirão sonoro cada vez mais.
Deixo vocês com a
discografia do grupo. Um abraço e até a próxima
coluna.
Discografia
Cinema Mudo (1983)
O Passo do Lui (1984)
Selvagem? (1986)
D (1987)
Bora Bora (1988)
Big Bang (1989)
Arquivo Paralamas do Sucesso (1990)
Os Grãos (1991)
Severino (1994)
Vamo Batê Lata (1995)
9 Luas (1996)
Hey Na Na (1998)
Acústico MTV (1999)
Arquivo II (2000)
Longo Caminho (2002)
Uns Dias (2004)
Hoje (2005)
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