184 - PiL - Flowers of Romance

 

Flowers of Romance é um disco de ruptura para o PiL. Em primeiro lugar, marca a saída do baixista Jah Wobble, que junto com Keith Levene e o próprio John Lydon, eram as cabeças idealizadoras de todo o conceito do grupo. Em segundo, porque mostrava que Lydon era de fato o líder, e até mais do que isso: era um ditador, jogando pelo lixo a propalada liberdade criativa do grupo. Nessa época, o trio tinha ainda o baterista Martin Atkins, não mais como membro fixo, e sim como convidado e Jeanette Lee, que não tinha função musical, mas sim "artística", exercendo diversas funções, que jamais ficaram bem claras. Lançado em 1981, o disco teve boas vendagens e conseguiu atrair grande atenção da mídia, especialmente após a prisão de Lydon na Irlanda e da briga após um show no Ritz, em Nova York.


Keith Leve, John Lydon e Jeanette LeeApós o lançamento de Metal Box, o PiL desejava ampliar seus horizontes. O plano inicial do grupo de atacar em vários campos artísticos, foi reforçado com a entrada de Jeanette Lee. O papel dela, no entanto, permanecia um mistério. Teoricamente ela cuidaria de projetos envolvendo artes visuais, algo que o PiL sonhava em fazer, mas que sempre esbarrava na falta de argumentos sólidos ou simplesmente na falta de dinheiro.

Na virada de 1979 para 1980, Leve disse que o PiL era formado por "quatro ou cinco pessoas, incluindo eu, Jah e John e mais uns dois membros."

O bom desempenho de Metal Box comercialmente e criticamente falando, determinou também o começo das tensões internas. Uma das regras internas dizia que qualquer um deles tinha total liberdade para desenvolver projetos musicais paralelos, sem precisar contar com o aval dos demais.

Jah WobbleAssim sendo, em maio Jah Wobble lança seu primeiro disco-solo, The Legend Lives On e logo em seguida um outro mini-álbum, Blueberry Hill. Em algumas canções, o baixista utilizou parte de canções do PiL não aproveitadas anteriormente e teve que se explicar muito se esses lançamentos marcavam o fim de sua parceria com os demais: "é parte de nossa política interna, termos outros projetos. O PiL hoje não está mais restrito a mim, John e Keith. Há também Martin Atkins, Jeanette Lee e Dave Crowe. O PiL é mais do que uma banda, é uma atitude", dizia o baixista.

Não era bem assim: Wobble se aproveitou da ausência de John e Keith, que estavam em Nova York dando entrevistas e divulgando Second Edition. Lydon tentava desesperdamente atingir o mercado norte-americano e eles chegaram inclusive a regravar o primeiro disco, First Issue, a pedido da Warner Brothers, que queria lançá-lo com canções mais acessíveis. A banda chegou a trabalhar duro e terminar o disco, mas o lançamento jamais se concretizou.

Havia ainda a dificuldade do público norte-americano com o som do PiL. Para piorar, Levene disse que a última preocupação da banda era fazer música: "não somos músicos. Nossas músicas possuem uma estrutura básica, mas eu não as chamo de música, porque não uso acordes em minha guitarra. Jah, de fato, os usa em seu baixo. Eu utilizo também bastante o sintetizador." Lydon ia mais longe dizendo que o som do PiL era ruído e que evitava o termo "música", porque não queria ser comparados aos idiotas que se chamam de músicos e faziam porcaria.

Em abril, Martin Watkins e Jah Wobble desembarcaram na América e fizeram nove shows entre abril e maio, tocando em Atlanta, Chicago, Boston, Nova York, Filadélfia, Detroit, Los Angeles e San Francisco. Lydon disse que foram quase 60 dias sem descanso, tocando em qualquer lugar onde tivessem chance.

Os shows foram fantásticos, a ponto de serem considerados históricos pela crítica daquele país. Um dos momentos mais altos ocorreu no dia 5 de maio no show de Los Angeles, quando agarrou um menino de aproximadamente 10 anos e o convidou para dividir os vocais em "Bad Baby" e "Public Image". O maior mérito desses shows foi a ruptura com o passado, com os Sex Pistols, o que não ocorria na Inglaterra.

Nesses shows começaram as primeiras divergências entre o baixista com Keith Levene e John Lydon, especialmente após o final do primeiro show na América, quando os dois últimos deixaram o palco enquanto Jah Wobble e Martin Atkins estenderam a canção "Bad Baby" com uma improvisação rítmica, sem um aviso prévio. Estava claro que John não admitiria interferência no que havia pensado e que o conceito de liberdade dentro do PiL era bem relativo.

Para piorar, Levene deu uma entrevista dizendo que o grupo poderia gravar um novo disco, mas sem o baixista. "Será apenas um disco comigo e John."

Para agravar o clima, em uma entrevista a uma rádio de San Francisco, o baterista Martin Watkins comentou que havia lançado um compacto solo como Brian Brain, porque estava cansado da falta de profissionalismo do PiL. O que começou como piada, inclusive com Lydon incentivando seu baterista a falar mais, acabou tornando-se um grande constrangimento, e naturalmente Atkins, foi demitido após o final da excursão.

Quando Atkins disse que, em breve, Jan seguiria o mesmo caminho, a gravadora Virgin defendeu a banda dizendo que Atkins havia saído porque o grupo não excursionaria mais e, portanto, seus serviços eram dispensáveis. E ainda enfatizou que Wobble estava totalmente integrando à banda.

Mas Levene continuou atacando Wobble, especialmente ao criticar os discos do baixista, dizendo que ele havia utilizando faixas do PiL sem pedir aos demais e o chamou de mercenário por usar canções que ele não desejava que fossem de conhecimento público. Foi a gota d'água para Wobble, que anunciou seu rompimento com os demais em julho e dizendo que Lydon era um ditador e que o PiL jamais foi o que sempre dizia ser. Logo após sua saída, Wobble se juntou ao ex-baterista do grupo, Jim Walker, no The Human Condition.

Se a saída era desejada por Keith e John, criou um imenso problema interno. Sem um baterista e um baixista, qual seria o caminho do PiL? E pior, como substituir alguém tão talentoso e criativo como Wobble? A resposta era simples: não procurando um substituto.

Enquanto a banda procurava uma saída, Lydon se envolveu em uma confusão gratuita e que lhe causou enorme dor de cabeça. No dia 3 de outubro, o cantor se encontrava em Dublin, às três da manhã, no pub Horse and Tram, quando supostamente se envolveu em uma briga com o dono do local e acabou preso durante o final da semana.

Segundo o cantor, ele entrou no local junto a um fã que lhe queria pagar uma cerveja e quando pediram uma bebida, ouviram um não. Após uma discussão, levou uma garrafada na nuca e acabou sendo preso por bebedeira e algazarra. No dia 6 de outubro, ele foi condenado a três meses de prisão, mas recorreu da sentença e foi posto em liberdade provisória.

O final da semana renderia, além de dores de cabeça, inspiração para duas novas músicas, "Four Enclosed Walls", que conta sua experiência dividindo o mesmo espaço com terroristas do IRA e "Francis Massacre", inspirado em Francis Moran, sentenciado à prisão perpétua.

Ele voltou à Dublin, em novembro, para saber se seria preso ou não e ficou surpreso ao ver seu caso encerrado e ser inocentado em incríveis cinco minutos.

John, Keith e Mick Jones, do The ClashO período entre sua prisão e libertação foi passado dentro de um estúdio, junto com Keith Levene. Junto deles estavam Jeanette Lee e Martin Atkins, que havia voltado na condição de músico diarista. Eles se trancaram por 10 dias no The Manor, um antigo estúdio da Virgin, com a missão de criar algo e sem Wobble.

Lydon disse que os primeiros dias foram terríveis, com um bloqueio mental imenso, agravado pela paranóia do cantor em ser preso. Sem Wobble, a solução foi usar alguns loops de baixo da canção "Home Is Where The Heart Is", que acabariam sendo o lado B do compacto Flowers of Romance, canção essa que tinha a participação do antigo membro.

As sessões continuaram no Townhouse, em Londres, com John e Keith trabalhando incessantemente. Estava claro para os dois que eles teriam que buscar um novo rumo, até que Keith disse que iriam se concentrar mais nos ritmos. E após três semanas de duro trabalho, os dois chegaram à conclusão que não iriam realizar overdubs na mixagem final.

capa do disco Paris Au PrintempsMesmo com o disco pronto, ele ainda ficaria cinco meses na geladeira. Enquanto isso, a Virgin colocava no mercado Paris Au Printemps, no dia 14 de novembro, tirado dos shows de janeiro, feito em Paris.

O disco tinha um objetivo claro para John Lydon; oferecer um disco ao vivo para seus fãs, que gastavam horrores com piratas. "Nosso disco será mais barato que um pirata e com um som bem melhor". Obviamente, que o cantor estava interessado nos direitos autorais que não recebia em tais piratas. O disco também mostrava ainda o PiL com Jah, o que aumentava ainda mais a curiosidade de todos: como seria o PiL sem ele?

A resposta começou a ser dada em dezembro, quando foram selecionados alguns jornalistas para ouvir as novas faixas do disco inédito. Lydon descreveu dessa maneira o novo som: "É minimalista, bem dinâmico, não há melodia. Apenas pilhamos um monte de instrumentos em um canto do estúdio e nos perguntamos o que faríamos com tudo aquilo."

O que mais impressionava era o ênfase na percussão. A banda aumentou ainda mais a fome dos fãs ao tocarem uma versão de "Flowers of Romance" no programa Rock On, da Rio One, enquanto divulgavam Paris Au Printemps.

capa do disco Flowers of RomanceUm dos motivos para a Virgin retardar o lançamento do novo disco era que ainda havia um novo álbum sendo comercializado. Porém, o álbum ao vivo se mostrou um fracasso comercial, ficando apenas na 61ª posição e caindo fora das paradas após duas semanas. O problema real é que a gravadora considerava o novo trabalho do PiL tão anti-comercial que queria relançar o compacto de Public Image, de três anos antes, na tentativa de atiçar os fãs e diminuir o prejuízo financeiro com o novo disco.

Finalmente, a gravadora concordou em lançar Flowers of Romance, no mês de abril, mas em uma tiragem de apenas 20 mil cópias, para a irritação de Levene: "eles disseram que vão imprimir mais quando essas cópias acabarem, mas será que eles não percebem que se as pessoas procurarem o disco e não o encontrarem desistirão dele depois de um tempo?"

capa do compacto Flowers of RomanceMas, a maior ironia, é que apesar de soar bem estranho, o disco se mostrou um excelente potencial comercial e o compacto Flowers of Romance chegou ao 24º posto da parada.

Lydon disse que o disco obviamente não falava de amor, embora o título pudesse fazer a alusão: "o romance a que me refiro não é sobre ser romântico, mas aludir as pessoas ao romantismo de eventos passados."

John conta que algumas canções surgiram de experiências ocorridas nos últimos tempos: "'Banging the door' eu escrevi sobre os meus fãs que descobriram meu novo endereço em Londres e ficavam batendo na porta de trás da minha casa, ou berrando 'Johnny, Johnny', pela caixa do correio e quase me enlouqueceram. 'Under The House' eu fiz sobre um fantasma que vi no jardim do The Manor, antes de dormir e quando fui para cama senti que um gato havia pulado na minha cama, apesar de não ter gato nenhum." 'Hymie's Him' é uma espécie de vingança minha contra Levene, que pegou todos aqueles instrumentos de percussão que Richard Branson nos deu e fez aquela canção em que eu não tinha como cantar. Tudo que pude fazer foi insultá-lo com o título."

O PiL no Top do the PopsMas um outro fato faria a banda vender ainda mais. Em abril, no mês de lançamento, o trio remanescente se apresentou no programa Top of the Pops, com John usando um colarinho de padre, Levene com um jaleco de médico e Jeanette usando um baixo acústico. A promoção deu muito certo e o álbum chegou ao 11º lugar na parada, superando Metal Box.

O sucesso conseguiu aplacar um pouco a frustração dos projetos multimídias que nunca saíram do papel e que acabaram custando a cabeça de Dave Crowe, antigo amigo de Lydon. Jeanette continuava firme, embora ninguém soubesse ainda qual sua função. Defendendo-se, Lee dizia que sua presença durante as mixagens do novo disco criava um "embate criativo" entre todos e os estimulava a seguir novos caminhos.

E esse "embate" virou uma batalha em maio, em Nova York. De uma maneira totalmente inesperada. O PiL já pensava em se mudar para Nova York, ou ao menos Lydon desejava, e sendo assim, todos deveriam seguir o chefe. Tudo começou quando o grupo Bow Wow Wow foi obrigado a cancelar alguns shows no Ritz, e a casa acabou convidando o PiL para cobrir a lacuna. Levene conta que o evento foi o começo do fim para ele dentro do grupo: "eu fiquei uma semana tentando argumentar com John e Jeanette sobre o que queríamos fazer, que era um vídeo no Ritz e eles me disseram que eu os estava tratando feito marionetes. No dia da apresentação, eles estavam com as malas prontas para voltarem para a Inglaterra e eu me irritei e disse para irem de uma vez, porque se não fizéssemos o show, quebrariam nossas pernas."

Eles acabaram ficando, mas nas entrevistas antes da apresentação deixaram bem claro que não seria um show tradicional. "Espero que ninguém esqueça que não será uma apresentação normal. Tudo que faremos será na hora, sem estar ensaiado Tudo será espontâneo; a banda tocará ao vivo, o vídeo será ao vivo", disse Jeanette.

O problema é que os fãs não foram avisados do que iriam ver: enquanto lotavam o teatro, viam apenas um telão branco imenso. De repente, as luzes começam a iluminar o telão e por trás deles aparecem as silhuetas do integrantes da banda, com uma câmera filmando o que eles faziam e refletindo no telão. No início, a platéia ficou observando e esperando alguma novidade, até que perceberam que eles não viriam para a frente do palco. O Ritz era um local acostumado a receber shows de rock e o público, que tinha pago salgados 12 dólares, começou a vaiar, protestando.

Lydon começou então a fazer um discurso improvisando, provocando o público, que o vaiava cada vez mais até que começaram a arremessar garrafas no telão. Foi o bastante para Levene sair de trás e ameaçar a audiência caso estragassem o material. Lydon aumentava mais a irritação dos presentes, chamando-os de passivos, até que começaram a voar pessoas para cima do palco. Nessa hora, um segurança voou para cima de Levene, salvando-o de um linchamento, e o público começou a destruir tudo. Deu-se então uma grande pancadaria e a depredação do local. Para acalmar os ânimos, a Warner obrigou a banda a dar uma entrevista coletiva no dia seguinte, fato que a banda aproveitou para aumentar ainda mais a polêmica, com Keith Levene dizendo que "havia sido brilhante em sua encenação" e Lydon lamentando que as pessoas não haviam entendido sua proposta artística.

Mas o incidente teria desdobramentos complicados, pois a banda resolvera fincar raízes na América, apesar de não terem nenhuma chance, a curto prazo, de realizar um novo show nos Estados Unidos. Além disso, o grupo gastava rapidamente o adiantamento que a Virgin tinha dado para a realização do próximo disco e logo sairiam dos hotéis caros de Nova York para espeluncas para conseguirem sobreviver.

O desenrolar dessa história, no entanto, fica para um outro dia. Um abraço e até a próxima coluna.

Discografia

Public Image Limited/First Issue (1978)
Metal Box (1979)
Second Edition (1980)
Paris Au Printemps (1980)
Flowers of Romance (1981)
Live in Tokyo (1983)
Commercial Zone (1984)
This is What You Want...This is What You Get (1984)
Album (1986) (no formato CD o disco chama-se “CD”)
Happy? (1987)
9 (1989)
Greatest Hits... So Far (1990)
That What Is Not (1992)
Plastic Box (1999)

 


 

Colunas