Flowers of Romance
é um disco de ruptura para o PiL. Em primeiro lugar, marca
a saída do baixista Jah Wobble, que junto com Keith Levene
e o próprio John Lydon, eram as cabeças idealizadoras
de todo o conceito do grupo. Em segundo, porque mostrava que Lydon
era de fato o líder, e até mais do que isso: era
um ditador, jogando pelo lixo a propalada liberdade criativa do
grupo. Nessa época, o trio tinha ainda o baterista Martin
Atkins, não mais como membro fixo, e sim como convidado
e Jeanette Lee, que não tinha função musical,
mas sim "artística", exercendo diversas funções,
que jamais ficaram bem claras. Lançado em 1981, o disco
teve boas vendagens e conseguiu atrair grande atenção
da mídia, especialmente após a prisão de
Lydon na Irlanda e da briga após um show no Ritz, em Nova
York.
Após
o lançamento de Metal Box, o PiL desejava
ampliar seus horizontes. O plano inicial do grupo de atacar em
vários campos artísticos, foi reforçado com
a entrada de Jeanette Lee. O papel dela, no entanto, permanecia
um mistério. Teoricamente ela cuidaria de projetos envolvendo
artes visuais, algo que o PiL sonhava em fazer, mas que sempre
esbarrava na falta de argumentos sólidos ou simplesmente
na falta de dinheiro.
Na virada de 1979 para
1980, Leve disse que o PiL era formado por "quatro ou cinco
pessoas, incluindo eu, Jah e John e mais uns dois membros."
O bom desempenho de Metal
Box comercialmente e criticamente falando, determinou
também o começo das tensões internas. Uma
das regras internas dizia que qualquer um deles tinha total liberdade
para desenvolver projetos musicais paralelos, sem precisar contar
com o aval dos demais.
Assim
sendo, em maio Jah Wobble lança seu primeiro disco-solo,
The Legend Lives On e logo em
seguida um outro mini-álbum, Blueberry Hill.
Em algumas canções, o baixista utilizou parte de
canções do PiL não aproveitadas anteriormente
e teve que se explicar muito se esses lançamentos marcavam
o fim de sua parceria com os demais: "é parte de nossa
política interna, termos outros projetos. O PiL hoje não
está mais restrito a mim, John e Keith. Há também
Martin Atkins, Jeanette Lee e Dave Crowe. O PiL é mais
do que uma banda, é uma atitude", dizia o baixista.
Não era bem assim:
Wobble se aproveitou da ausência de John e Keith, que estavam
em Nova York dando entrevistas e divulgando Second Edition.
Lydon tentava desesperdamente atingir o mercado norte-americano
e eles chegaram inclusive a regravar o primeiro disco, First
Issue, a pedido da Warner Brothers, que queria lançá-lo
com canções mais acessíveis. A banda chegou
a trabalhar duro e terminar o disco, mas o lançamento jamais
se concretizou.
Havia ainda a dificuldade
do público norte-americano com o som do PiL. Para piorar,
Levene disse que a última preocupação da
banda era fazer música: "não somos músicos.
Nossas músicas possuem uma estrutura básica, mas
eu não as chamo de música, porque não uso
acordes em minha guitarra. Jah, de fato, os usa em seu baixo.
Eu utilizo também bastante o sintetizador." Lydon
ia mais longe dizendo que o som do PiL era ruído e que
evitava o termo "música", porque não queria
ser comparados aos idiotas que se chamam de músicos e faziam
porcaria.
Em abril, Martin Watkins
e Jah Wobble desembarcaram na América e fizeram nove shows
entre abril e maio, tocando em Atlanta, Chicago, Boston, Nova
York, Filadélfia, Detroit, Los Angeles e San Francisco.
Lydon disse que foram quase 60 dias sem descanso, tocando em qualquer
lugar onde tivessem chance.
Os
shows foram fantásticos, a ponto de serem considerados
históricos pela crítica daquele país. Um
dos momentos mais altos ocorreu no dia 5 de maio no show de Los
Angeles, quando agarrou um menino de aproximadamente 10 anos e
o convidou para dividir os vocais em "Bad Baby" e "Public
Image". O maior mérito desses shows foi a ruptura
com o passado, com os Sex Pistols, o que não ocorria na
Inglaterra.
Nesses shows começaram
as primeiras divergências entre o baixista com Keith Levene
e John Lydon, especialmente após o final do primeiro show
na América, quando os dois últimos deixaram o palco
enquanto Jah Wobble e Martin Atkins estenderam a canção
"Bad Baby" com uma improvisação rítmica,
sem um aviso prévio. Estava claro que John não admitiria
interferência no que havia pensado e que o conceito de liberdade
dentro do PiL era bem relativo.
Para piorar, Levene deu
uma entrevista dizendo que o grupo poderia gravar um novo disco,
mas sem o baixista. "Será apenas um disco comigo e
John."
Para agravar o clima, em
uma entrevista a uma rádio de San Francisco, o baterista
Martin Watkins comentou que havia lançado um compacto solo
como Brian Brain, porque estava cansado da falta de profissionalismo
do PiL. O que começou como piada, inclusive com Lydon incentivando
seu baterista a falar mais, acabou tornando-se um grande constrangimento,
e naturalmente Atkins, foi demitido após o final da excursão.
Quando
Atkins disse que, em breve, Jan seguiria o mesmo caminho, a gravadora
Virgin defendeu a banda dizendo que Atkins havia saído
porque o grupo não excursionaria mais e, portanto, seus
serviços eram dispensáveis. E ainda enfatizou que
Wobble estava totalmente integrando à banda.
Mas Levene continuou atacando
Wobble, especialmente ao criticar os discos do baixista, dizendo
que ele havia utilizando faixas do PiL sem pedir aos demais e
o chamou de mercenário por usar canções que
ele não desejava que fossem de conhecimento público.
Foi a gota d'água para Wobble, que anunciou seu rompimento
com os demais em julho e dizendo que Lydon era um ditador e que
o PiL jamais foi o que sempre dizia ser. Logo após sua
saída, Wobble se juntou ao ex-baterista do grupo, Jim Walker,
no The Human Condition.
Se a saída era desejada
por Keith e John, criou um imenso problema interno. Sem um baterista
e um baixista, qual seria o caminho do PiL? E pior, como substituir
alguém tão talentoso e criativo como Wobble? A resposta
era simples: não procurando um substituto.
Enquanto a banda procurava
uma saída, Lydon se envolveu em uma confusão gratuita
e que lhe causou enorme dor de cabeça. No dia 3 de outubro,
o cantor se encontrava em Dublin, às três da manhã,
no pub Horse and Tram, quando supostamente se envolveu em uma
briga com o dono do local e acabou preso durante o final da semana.
Segundo o cantor, ele entrou
no local junto a um fã que lhe queria pagar uma cerveja
e quando pediram uma bebida, ouviram um não. Após
uma discussão, levou uma garrafada na nuca e acabou sendo
preso por bebedeira e algazarra. No dia 6 de outubro, ele foi
condenado a três meses de prisão, mas recorreu da
sentença e foi posto em liberdade provisória.
O final da semana renderia,
além de dores de cabeça, inspiração
para duas novas músicas, "Four Enclosed Walls",
que conta sua experiência dividindo o mesmo espaço
com terroristas do IRA e "Francis Massacre", inspirado
em Francis Moran, sentenciado à prisão perpétua.
Ele voltou à Dublin,
em novembro, para saber se seria preso ou não e ficou surpreso
ao ver seu caso encerrado e ser inocentado em incríveis
cinco minutos.
O
período entre sua prisão e libertação
foi passado dentro de um estúdio, junto com Keith Levene.
Junto deles estavam Jeanette Lee e Martin Atkins, que havia voltado
na condição de músico diarista. Eles se trancaram
por 10 dias no The Manor, um antigo estúdio da Virgin,
com a missão de criar algo e sem Wobble.
Lydon disse que os primeiros
dias foram terríveis, com um bloqueio mental imenso, agravado
pela paranóia do cantor em ser preso. Sem Wobble, a solução
foi usar alguns loops de baixo da canção
"Home Is Where The Heart Is", que acabariam sendo o
lado B do compacto Flowers of Romance, canção
essa que tinha a participação do antigo membro.
As sessões continuaram
no Townhouse, em Londres, com John e Keith trabalhando incessantemente.
Estava claro para os dois que eles teriam que buscar um novo rumo,
até que Keith disse que iriam se concentrar mais nos ritmos.
E após três semanas de duro trabalho, os dois chegaram
à conclusão que não iriam realizar overdubs
na mixagem final.
Mesmo
com o disco pronto, ele ainda ficaria cinco meses na geladeira.
Enquanto isso, a Virgin colocava no mercado Paris Au Printemps,
no dia 14 de novembro, tirado dos shows de janeiro, feito em Paris.
O disco tinha um objetivo
claro para John Lydon; oferecer um disco ao vivo para seus fãs,
que gastavam horrores com piratas. "Nosso disco será
mais barato que um pirata e com um som bem melhor". Obviamente,
que o cantor estava interessado nos direitos autorais que não
recebia em tais piratas. O disco também mostrava ainda
o PiL com Jah, o que aumentava ainda mais a curiosidade de todos:
como seria o PiL sem ele?
A resposta começou
a ser dada em dezembro, quando foram selecionados alguns jornalistas
para ouvir as novas faixas do disco inédito. Lydon descreveu
dessa maneira o novo som: "É minimalista, bem dinâmico,
não há melodia. Apenas pilhamos um monte de instrumentos
em um canto do estúdio e nos perguntamos o que faríamos
com tudo aquilo."
O que mais impressionava
era o ênfase na percussão. A banda aumentou ainda
mais a fome dos fãs ao tocarem uma versão de "Flowers
of Romance" no programa Rock On, da Rio One, enquanto
divulgavam Paris Au Printemps.
Um
dos motivos para a Virgin retardar o lançamento do novo
disco era que ainda havia um novo álbum sendo comercializado.
Porém, o álbum ao vivo se mostrou um fracasso comercial,
ficando apenas na 61ª posição e caindo fora
das paradas após duas semanas. O problema real é
que a gravadora considerava o novo trabalho do PiL tão
anti-comercial que queria relançar o compacto de Public
Image, de três anos antes, na tentativa de atiçar
os fãs e diminuir o prejuízo financeiro com o novo
disco.
Finalmente, a gravadora
concordou em lançar Flowers of Romance,
no mês de abril, mas em uma tiragem de apenas 20 mil cópias,
para a irritação de Levene: "eles disseram
que vão imprimir mais quando essas cópias acabarem,
mas será que eles não percebem que se as pessoas
procurarem o disco e não o encontrarem desistirão
dele depois de um tempo?"
Mas,
a maior ironia, é que apesar de soar bem estranho, o disco
se mostrou um excelente potencial comercial e o compacto Flowers
of Romance chegou ao 24º posto da parada.
Lydon disse que o disco
obviamente não falava de amor, embora o título pudesse
fazer a alusão: "o romance a que me refiro não
é sobre ser romântico, mas aludir as pessoas ao romantismo
de eventos passados."
John conta que algumas
canções surgiram de experiências ocorridas
nos últimos tempos: "'Banging the door' eu escrevi
sobre os meus fãs que descobriram meu novo endereço
em Londres e ficavam batendo na porta de trás da minha
casa, ou berrando 'Johnny, Johnny', pela caixa do correio e quase
me enlouqueceram. 'Under The House' eu fiz sobre um fantasma que
vi no jardim do The Manor, antes de dormir e quando fui para cama
senti que um gato havia pulado na minha cama, apesar de não
ter gato nenhum." 'Hymie's Him' é uma espécie
de vingança minha contra Levene, que pegou todos aqueles
instrumentos de percussão que Richard Branson nos deu e
fez aquela canção em que eu não tinha como
cantar. Tudo que pude fazer foi insultá-lo com o título."
Mas
um outro fato faria a banda vender ainda mais. Em abril, no mês
de lançamento, o trio remanescente se apresentou no programa
Top of the Pops, com John usando um colarinho de padre,
Levene com um jaleco de médico e Jeanette usando um baixo
acústico. A promoção deu muito certo e o
álbum chegou ao 11º lugar na parada, superando Metal
Box.
O sucesso conseguiu aplacar
um pouco a frustração dos projetos multimídias
que nunca saíram do papel e que acabaram custando a cabeça
de Dave Crowe, antigo amigo de Lydon. Jeanette continuava firme,
embora ninguém soubesse ainda qual sua função.
Defendendo-se, Lee dizia que sua presença durante as mixagens
do novo disco criava um "embate criativo" entre todos
e os estimulava a seguir novos caminhos.
E esse "embate"
virou uma batalha em maio, em Nova York. De uma maneira totalmente
inesperada. O PiL já pensava em se mudar para Nova York,
ou ao menos Lydon desejava, e sendo assim, todos deveriam seguir
o chefe. Tudo começou quando o grupo Bow Wow Wow foi obrigado
a cancelar alguns shows no Ritz, e a casa acabou convidando o
PiL para cobrir a lacuna. Levene conta que o evento foi o começo
do fim para ele dentro do grupo: "eu fiquei uma semana tentando
argumentar com John e Jeanette sobre o que queríamos fazer,
que era um vídeo no Ritz e eles me disseram que eu os estava
tratando feito marionetes. No dia da apresentação,
eles estavam com as malas prontas para voltarem para a Inglaterra
e eu me irritei e disse para irem de uma vez, porque se não
fizéssemos o show, quebrariam nossas pernas."
Eles acabaram ficando,
mas nas entrevistas antes da apresentação deixaram
bem claro que não seria um show tradicional. "Espero
que ninguém esqueça que não será uma
apresentação normal. Tudo que faremos será
na hora, sem estar ensaiado Tudo será espontâneo;
a banda tocará ao vivo, o vídeo será ao vivo",
disse Jeanette.
O
problema é que os fãs não foram avisados
do que iriam ver: enquanto lotavam o teatro, viam apenas um telão
branco imenso. De repente, as luzes começam a iluminar
o telão e por trás deles aparecem as silhuetas do
integrantes da banda, com uma câmera filmando o que eles
faziam e refletindo no telão. No início, a platéia
ficou observando e esperando alguma novidade, até que perceberam
que eles não viriam para a frente do palco. O Ritz era
um local acostumado a receber shows de rock e o público,
que tinha pago salgados 12 dólares, começou a vaiar,
protestando.
Lydon
começou então a fazer um discurso improvisando,
provocando o público, que o vaiava cada vez mais até
que começaram a arremessar garrafas no telão. Foi
o bastante para Levene sair de trás e ameaçar a
audiência caso estragassem o material. Lydon aumentava mais
a irritação dos presentes, chamando-os de passivos,
até que começaram a voar pessoas para cima do palco.
Nessa hora, um segurança voou para cima de Levene, salvando-o
de um linchamento, e o público começou a destruir
tudo. Deu-se então uma grande pancadaria e a depredação
do local. Para acalmar os ânimos, a Warner obrigou a banda
a dar uma entrevista coletiva no dia seguinte, fato que a banda
aproveitou para aumentar ainda mais a polêmica, com Keith
Levene dizendo que "havia sido brilhante em sua encenação"
e Lydon lamentando que as pessoas não haviam entendido
sua proposta artística.
Mas o incidente teria desdobramentos
complicados, pois a banda resolvera fincar raízes na América,
apesar de não terem nenhuma chance, a curto prazo, de realizar
um novo show nos Estados Unidos. Além disso, o grupo gastava
rapidamente o adiantamento que a Virgin tinha dado para a realização
do próximo disco e logo sairiam dos hotéis caros
de Nova York para espeluncas para conseguirem sobreviver.
O desenrolar dessa história,
no entanto, fica para um outro dia. Um abraço e até
a próxima coluna.
Discografia
Public Image Limited/First
Issue (1978)
Metal Box (1979)
Second Edition (1980)
Paris Au Printemps (1980)
Flowers of Romance (1981)
Live in Tokyo (1983)
Commercial Zone (1984)
This is What You Want...This is What You Get (1984)
Album (1986) (no formato CD o disco chama-se “CD”)
Happy? (1987)
9 (1989)
Greatest Hits... So Far (1990)
That What Is Not (1992)
Plastic Box (1999)
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