226 - Echo and the Bunnymen - Porcupine

Se tensão e infelicidade são combustíveis essenciais para se fazer um grande disco, então pode-se dizer que Porcupine é um dos cinco discos mais essenciais da história. Após o avassalador Heaven Up Here, feito num clima de felicidade e paz jamais igualado, o grupo entrou em estúdio para produzir o terceiro LP com o prestígio em alta, mas vendo as primeiras diferenças entre os membros aflorando. Ainda assim - ou até por causa disso - resultou em um disco absolutamente perfeito. Saiba um pouco mais agora.


"Heaven Up Here foi o disco mais prazeroso que gravamos. Você sentia alegria e descontração no estúdio. Por outro lado, Porcupine foi um pesadelo. Você sentia que a banda estava começando a se desmanchar e por isso ele é tão denso, claustrofóbico."

Ian McCulloch não gosta nem de lembrar o período dessas gravações. Apesar de ter sido o álbum a dar prestígio definitivo na carreira do Echo and the Bunnymen, as gravações de Porcupine foram extremamente caóticas.

O problema todo é que o grupo não tinha escrito nada após a turnê promocional do disco anterior. Eles tinham um programa com o radialista John Peel agendado, local onde geralmente levavam novas canções em primeira mão. Porém, desta vez tinham apenas rascunhos. O contrato previa quatro músicas, mas eles só possuíam três - "No Hands", "Smack" (que depois viraria "Higher Hell") e "Taking Advantage".

capa do compacto Back of LoveFoi nesse período que saiu um novo single, The Back of Love, no dia 21 de maio de 1982. Os seminários ingleses não gostaram muito da música e disseram que era confusa demais. A capa foi tirada de uma pintura de Henry Scott Tuke chamada "The Promise".

Sobre a canção, Ian comenta: "nós sabíamos que era uma grande canção e foi minha idéia - embora Will ache que tenha sido dele e Les também se ache o dono - de colocarmos um arranjo de cordas que desse mais força à canção". Foi aí que apareceu o violinista indiano L Shankar, sobrinho de Ravi.

Bill Drummond foi o responsável pela vinda de Shankar. Como a banda atravessava um período turbulento, o produtor achou que o indiano conseguiria dar uma nova vida à canção, embora nenhum dos membros tenha concordado com a idéia, originalmente.

As gravações foram interrompidas por um tempo para que a banda se apresentasse no festival WOMAD, organizado por Peter Gabriel. E lá tiveram uma de suas experiências mais interessantes: tocaram "All My Colours" com a companhia da Royal Burundi Drummers. Os músicos africanos não falavam inglês e o grupo teve que pedir ajuda de um intérprete para fazer a versão.

O período marca também o crescente consumo de bebidas e cocaína por parte de Ian e do baterista Pete de Freitas. Pete, aliás, era um motivo de discórdia interna.

Por ser o mais jovem dos quatro e ter nascido em Trinidad, muitas vezes Pete era alvo de piadas maldosas por parte dos demais. E a vingança dele era ir contra os regimentos internos. Para a promoção do EP Shine's So Hard, apareceu com a cabeça inteiramente raspada, deixando McCulloch furioso. Depois, entre 1983 e 1984 ele e Jack Brockman, que era considerado o quinto membro não-oficial, apareceram com barba, o que não era permitido entre os bunnymen.

capa do compacto The CutterEm janeiro de 1983 sai um novo compacto, The Cutter. Shankar novamente aparece na canção, utilizando como base para seu solo "Matthew & Son" para a introdução, pedida pela banda.

O curioso é que as duas canções foram as primeiras a fazer grande sucesso junto ao público britânico, para espanto da banda. "Nunca pensamos nessas duas canções como singles. Estávamos apenas tentando fazer um novo LP", afirma Ian. LP que teria um título curioso: Happy Loss. Ian relata que sentia que realmente a banda não iria durar muito, daí o irônico título.

"The Back of Love" chegou ao 19º lugar nas paradas de compacto; "The Cutter" ficou em oitavo.

capa do disco PorcupineEm fevereiro é a vez do disco ser lançado. Não "Happy Loss", mas Porcupine. É impressionante como um disco realizado de maneira tão caótica tenha se tornado um clássico. O disco teve algumas versões estranhas que surpreenderam os músicos. Afinal, por ordem da gravadora, alguns arranjos foram modificados escondidos dos integrantes, adicionando sintetizadores. Ainda assim, o disco foi um tremendo sucesso, chegando ao segundo lugar da parada inglesa.

Por conta disso, o grupo realizou um filme de 27 minutos chamado Porcupine - An Atlas Adventure, onde tocavam seis canções do disco - "In Bluer Skies"; "The Cutter"; " My White Devil"; "Porcupine"; "Heads Will Roll" e "The Back Of Love", que foram gravadas na Islândia e em Liverpool, no final de 1982. A capa, aliás, foi também produzida na Islândia. A foto mostra a catarata de Gorfolos.

Apesar da tensão, Will se lembra de passagens curiosas durante a realização do disco: "estávamos excursionando tanto que nem tínhamos tempo de escrever novas canções. Boa parte dele foi gravado no Air Studios, de Londres e me lembro de um dia em que Paul McCartney apareceu e ficou jogando Space Invaders ou Asteroids comigo! Ele foi fantástico e estava completamente por dentro da nova cena de Liverpool."

Com o sucesso, o Echo começou a ser encarado como uma banda pop, o que particularmente não os agradava. Mas Ian aproveitou a recente notoriedade para dar entrevistas cada vez mais ácidas, onde falava mal de várias bandas. Sua metralhadora verbal atingia especialmente Bono, do U2. Ian vivia ridicularizando seu cabelo e ironizava como o cantor irlandês tinha coragem de se apresentar sem camisa mostrando pneus na cintura. Ian havia se tornado uma estrela arrogante.

Tanto sucesso acabou redundando em outra turnê, a mais concorrida até então. Ela começou no dia 15 de janeiro, em Lancaster e se estendeu até 12 de novembro, em Bruxelas, na Bélgica. E de todos esses momentos, um está guardado no coração de todos: os shows no Royal Albert Hall.

A última vez que o luxuoso palco londrino havia recebido uma banda de rock acontecera quase 10 anos antes com o Mott the Hopple. Desde então, estivera fechado para grupos de rock. Pois, o Echo realizou duas apresentações - 18 e 19 de junho - que entraram para a história. Os dois concertos foram gravados e posteriormente as três versões diferentes de "Do It Clean", apareceram em lados B de compactos e até na caixa Crystal Days.

"Foram shows mágicos. A platéia estava conectada conosco e nenhum outro grupo poderia criar a mesma magia daquela noite. Estou absolutamente certo disto", falou Ian, que tinha certeza que entre 1983 e 1985 eram a maior banda do planeta, ao vivo, disparado.

capa do compacto Never StopDurante a excursão o grupo gravou um novo compacto, Never Stop, nos estúdios Amazon, em Liverpool. Para Ian, era a maior canção deles. Ele conta que Bill Drummond queria algo do tipo "Boys Keep Swinging", de David Bowie e que Will também queria um riff dançante e pensaram imediatamente numa conexão com o New Order, de quem eram amigos.

O ano de 1983 acabava finalmente e a banda entraria no ano de 1984 otimista para realizar "o maior álbum já feito" - não é mentira, foi promovido desta maneira! - Ocean Rain. História que já foi contada nesse site, na coluna número 1.

É isso aí. Um abraço e até a próxima coluna.

Discografia

Crocodiles (1980)
Shine's So Hard (1981)
Heaven Up Here (1981)
Porcupíne (1983)
Ocean Rain (1984)
Songs to Learn and Sing (1985)
Echo & The Bunnymen (1987)
Reverberation (1990)
BBC Radio 1 In Concert (1992)
Evergreen (1997)
Ballyhoo (1997)
What Are You Going To Do With Your Life? (1999)
Flowers (2001)
Crystal Days 1979-1999 (2001)
Live In Liverpool (2002)
Siberia (2005)
Fillmore - San Francisco Ca 12/5/05 (2006)
House of Blues - West Hollywood Ca 12/6/05 (2006)
The Very Best of Echo & the Bunnymen - More Songs To Learn & Sing (2006)

 


 

 

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