177 - Primal Scream - Sonic Flower Groove


Quem gosta de indie, conhece e ama muito Screamadelica, disco de 1991 e que deu uma fama descabida ao Primal Scream. Com sua mistura de rock com eletrônica e batidas dançantes, o grupo foi alçado a uma status imenso, maior até do que a banda original de Bobby Gillespie, o The Jesus and Mary Chain. Mas antes desse sucesso todo, o Primal tentava soar com uma banda dos anos 60. Apaixonados por Byrds e Love estrearam com um disco desconhecido e que muitos torcem o nariz por ser sessentista demais: Sonic Flower Groove. E é deste começo que hoje falarei.


da esquerda para a direita: Douglas Hart, William Reid, Jim Reid e Bobby GillespieBobby Gillespie tornou-se um ícone dos anos 90 quando o Primal Scream lançou Screamadelica, álbum modelo da cena indie dance. Mas Bobby já tinha tido um pouco da fama quando era integrante do The Jesus and Mary Chain. O grupo dos irmãos Reid tinha feito fama com seu disco de estréia, Psychocandy, onde Bobby era o baterista.

Mas Bobby queria ser mais do que uma estrela secundária de uma banda liderada pelos briguentos irmãos Reid e resolveu deixar o quarteto.

Na verdade, Bobby já tinha uma banda chamada Primal Scream antes do nascimento do Jesus. E essa história começou no final dos anos 70, logo após a explosão do punk.

Bobby havia feito amizade com um outro garoto apaixonado pelo gênero, de nome Alan McGee. Ambos viviam em Glasgow, na Escócia, e cultivavam uma paixão pelos grupos dos anos 60 - especialmente Who e Beatles - além das bandas glam do início dos anos 70 e os novos sons que surgiam no Reino Unido.

Alan acabou conhecendo Andrew Innes e resolveu montar uma banda e os dois resolveram chamar Bobby, que segundo McGee, adorava ficar berrando.

Alan McGeeBobby confessa que sua participação na banda era mínima: "era realmente o grupo de Andrew, eu apenas cantava algumas coisas." O grupo teve nomes como The Drains, Captain Scarlet & the Mysterons. Logo depois, adicionaram Neil Clarke (que anos depois faria parte do Lloyd Cole and the Commotions) à formação e mudaram de nome: H20. O grupo voltou a ter outros nomes - Newspeak e Laughing Apple - quando resolveram se mudar para Londres.

McGee percebeu que ser músico não era a sua e começou a montagem do selo Creation. Mas antes disso, o Apple lançou três singles por selos próprios - Autonomy e Essential.

capa do compacto Participate!Mas Bobby não estava mais nessa. Na verdade, ele havia ficado em Glasgow por ser muito novo e havia arranjado um emprego tedioso, em uma fábrica de tinta. Os dois, no entanto, mantinham contato e Bobby fez a capa do compacto Participate!, além de organizar a prensagem das mesmas.

Bobby também já tinha começado uma nova banda com o colega Jim Beattie, com a intenção de criar um grupo quase inaudível. Os dois começaram a tocar versões de clássicos dos Byrds ("Mr. Tambourine Man") e Velvet Underground ("Heroin") e batizaram a banda de Primal Scream, em homenagem à teoria do psiquiatra Arthur Janov, que havia tido uma certa fama no início dos anos 70, quando John Lennon confessou ser adepto da sua teoria do grito primal.

Bobby chegou a colaborar com outras bandas, caso do The Wake, de seu amigo Caesar, tocando baixo e programando teclados em alguns compactos. E o Primal Scream chegou a abrir alguns shows para o grupo The Wake.

Mas a vida de Bobby deu uma guinada quando conheceu o Jesus and Mary Chain. Bobby andava com Nick Low e Stephen Pastel, líder dos Pastels, e foi presentado por eles com uma fita, onde havia algumas canções com um ruído insuportável e uma doce melodia. Bobby adorou a banda dos irmãos Reid e disse que deveriam enviar a mesma para a Creation, de seu velho amigo Alan McGee.

Nessa época McGee procurava encontrar um grupo que pudesse dar a fama que seu selo precisava e o Jesus caiu como uma luva. Bobby acabou integrando o grupo como baterista, mas sem abandonar o Primal Scream.

Bobby vivia um dilema, pois não queria ser o vocalista. Assim, Jim Battie e Bobby chamaram uma garota para tocar violino (Judith Boyle) e cantar algumas melodias. Mas o resultado não agradou e ele jura que queimaram as fitas gravadas.

Ao mesmo tempo, recrutaram um baixista de nome Robert Young e o baterista Tom McGurk, solidificando a primeira formação do Primal Scream.

No dia 11 de outubro de 1984, o Primal Scream fez seu primero show oficial como grupo abrindo para o Mary Chain, onde Bobby executava uma bateria de uma maneira totalmente atípica, imitando Moe Tucker, do Velvet Underground.

O grupo havia gravado uma demo com as canções "Crystal Crescent", "Leaves", "It Happens" e "We Go Down Slowly Rising". No mês seguinte, o Jesus alcança um grande sucesso com o primeiro compacto, Upside Down, que rendeu ótimas críticas e boa vendagem para a Creation.

capa do compacto All Fall DownEm maio de 1985 é a vez do Primal lançar seu primeiro compacto, All Fall Down, também pela Creation. O compacto mostrava uma forte influência dos anos 60.

Após o primeiro lançamento, o grupo ganhou dois novos integrantes, o guitarrista-base Paul Harte e o percussionista Martin "Joogs" St. John.

Como sexteto o grupo começou a gravar novas canções e fazer mais shows.

Em dezembro de 1985, o Primal Scream participou do programa do radialista John Peel, tocando quatro canções: "Crystal Crescent", "Aftermath", "I Love You" e "Subterranean", essa última jamais gravada ou lançada em disco algum.

capa do compacto Crystal CrescentEm fevereiro de 1986, Bobby teve que deixar o Jesus and Mary Chain, pois a banda precisava de um baterista em tempo integral. Bobby agora passava a se dedicar apenas ao Primal. Paul Harte logo deixou o sexteto, desanimado com os pouco ganhos financeiros, entrando Stuart May. Com essa formação, lançam o segundo compacto, Crystal Crescent, que foi um completo fiasco. Ironicamente, a melhor canção estava no lado B, "Velocity Girl".

Bobby reclamava da falta de investimento e dizia que se tivesse mais dinheiro para as gravações lançaria grandes músicas. Apesar disso, "Velocity Girl", fez um inesperado sucesso e acabou entrando numa famosa fita do semanário New Musical Express, C86, dedicada aos grupos estreantes de 1986, a famosa Class of 86.

John Peel chamou o grupo novamente para seu programa, onde gravaram três músicas: "Leaves", "Tomorrow Never Ends" e "Bewitched And Bewildered".

Ao mesmo tempo em que a fama crescia e o grupo era pressionado a fazer um LP de estréia, as tensões internas explodiam e McGurk e May deixaram o grupo, entrando provisoriamente Dave Greenwood e Dave Morgan, do Weather Prophets.

Alan McGee tentava viabilizar a gravação do disco, fazendo um acordo com a WEA. Quando o acordo foi feito a banda entrou no Welsh Rockfield Studios, com o produtor Stephen Street para gravar seu disco de estréia.

 

capa do disco Sonic Flower GrooveEssas gravações custaram 40 mil libras esterlinas e foram um completo fiasco. O grupo teve inúmeros atritos com o produtor e Jim Battie e Bobby Gillespie criaram inúmeras confusões e essas sessões acabaram abortadas e aparecendo em eventuais discos piratas.

A solução foi chamar uma nova dupla de produtores, o veterano Mayo Thompson e Pat Collier, que trabalharia como engenheiro. E com eles, o grupo lançou Sonic Flower Groove.

Com um custo de 100 mil libras (incluindo as 40 mil da primeira sessão abortada), o disco foi lançado em outubro de 1987 e foi um grande fiasco comercial e de crítica.

capa do compacto Imperialcapa do compacto Gentle Tuesday

Ninguém perdoava o som excessivamente limpo e com muitas referências aos anos 60, especialmente aos Byrds. O grupo ainda lançou dois compactos de trabalho, Gentle Tuesday e Imperial e saiu fazendo shows, novamente com um novo baterista, Gavin Skinner.

Essa excursão acabou gerando novas brigas, desta vez entre Jim Battie e Bobby Gillespie. Jim deixou o grupo, após inúmeras acusações mútuas.

Sonic Flower Groove, apesar das inúmeras críticas, possui grandes méritos. No mínimo, é uma excelente porta de entrada para que as pessoas conheçam o som dos anos 60, especialmente de bandas como Byrds e Love, duas das principais paixões de Gillespie. O disco traz grandes momentos e melodias de "verão", leves, bem tocadas e altamente positivas, um dos motivos que gerou inúmeras críticas da ranheta imprensa inglesa, que esperava um som mais sujo, áspero, sombrio. Na verdade, todos queriam que o Primal continuasse o que o Jesus fazia.

E o disco havia sido muito bem produzido, com "Imperial", ganhando o reforços dos produtores Clive Langer e Colin Fairley, que trabalhavam com o Madness.

Com o fracasso do disco, Bobby prometeu mudar os rumos do grupo, o que realmente aconteceu. Após o lançamento de Primal Scream, em 1989, o grupo arrebentou a boca do balão com o elogiadíssimo Screamadelica, em 1991, fazendo uma mistura de rock com dance music. Gillespie passou para a história por esse disco e ganhou seguidores e grandes críticos.

Em uma entrevista não muito antiga, Bobby fez uma análise nada simpática de sua pessoa, admitindo ser um "grande filho da puta, viciado em drogas e nada confiável".

O Primal continou gravando discos elogiados (ou não) e tocando com vários músicos. Mas o certo é que Sonic Flower Groove, apesar das inúmeras críticas, segue sendo um bom disco de estréia, totalmente subestimado até hoje.

Deixo vocês com a discografia da banda. Um abraço e até a próxima coluna.

Discografia

All Fall Down (compacto, 1985)
Crystal Crescent (compacto, 1986)
Sonic Flower Groove (1987)
Primal Scream (1989)
Screamadelica (1991)
Give Out But Don't Give Up (1994)
Vanishing Point (1997)
Xtrmntr (Exterminator) (2000)
Evil Heat (2002)
Dirty Hits (2003)


 

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