Quem gosta de
indie, conhece e ama muito Screamadelica, disco de 1991 e que
deu uma fama descabida ao Primal Scream. Com sua mistura de rock
com eletrônica e batidas dançantes, o grupo foi alçado
a uma status imenso, maior até do que a banda original
de Bobby Gillespie, o The Jesus and Mary Chain. Mas antes desse
sucesso todo, o Primal tentava soar com uma banda dos anos 60.
Apaixonados por Byrds e Love estrearam com um disco desconhecido
e que muitos torcem o nariz por ser sessentista demais: Sonic
Flower Groove. E é deste começo que hoje falarei.
Bobby
Gillespie tornou-se um ícone dos anos 90 quando o Primal
Scream lançou Screamadelica, álbum
modelo da cena indie dance. Mas Bobby já tinha
tido um pouco da fama quando era integrante do The Jesus and Mary
Chain. O grupo dos irmãos Reid tinha feito fama com seu
disco de estréia, Psychocandy, onde Bobby
era o baterista.
Mas Bobby queria ser mais
do que uma estrela secundária de uma banda liderada pelos
briguentos irmãos Reid e resolveu deixar o quarteto.
Na
verdade, Bobby já tinha uma banda chamada Primal Scream
antes do nascimento do Jesus. E essa história começou
no final dos anos 70, logo após a explosão do punk.
Bobby havia feito amizade
com um outro garoto apaixonado pelo gênero, de nome Alan
McGee. Ambos viviam em Glasgow, na Escócia, e cultivavam
uma paixão pelos grupos dos anos 60 - especialmente Who
e Beatles - além das bandas glam do início
dos anos 70 e os novos sons que surgiam no Reino Unido.
Alan acabou conhecendo
Andrew Innes e resolveu montar uma banda e os dois resolveram
chamar Bobby, que segundo McGee, adorava ficar berrando.
Bobby
confessa que sua participação na banda era mínima:
"era realmente o grupo de Andrew, eu apenas cantava algumas
coisas." O grupo teve nomes como The Drains, Captain Scarlet
& the Mysterons. Logo depois, adicionaram Neil Clarke (que
anos depois faria parte do Lloyd Cole and the Commotions) à
formação e mudaram de nome: H20. O grupo voltou
a ter outros nomes - Newspeak e Laughing Apple - quando resolveram
se mudar para Londres.
McGee percebeu que ser
músico não era a sua e começou a montagem
do selo Creation. Mas antes disso, o Apple lançou três
singles por selos próprios - Autonomy e Essential.
Mas
Bobby não estava mais nessa. Na verdade, ele havia ficado
em Glasgow por ser muito novo e havia arranjado um emprego tedioso,
em uma fábrica de tinta. Os dois, no entanto, mantinham
contato e Bobby fez a capa do compacto Participate!,
além de organizar a prensagem das mesmas.
Bobby também já
tinha começado uma nova banda com o colega Jim Beattie,
com a intenção de criar um grupo quase inaudível.
Os dois começaram a tocar versões de clássicos
dos Byrds ("Mr. Tambourine Man") e Velvet Underground
("Heroin") e batizaram a banda de Primal Scream, em
homenagem à teoria do psiquiatra Arthur Janov, que havia
tido uma certa fama no início dos anos 70, quando John
Lennon confessou ser adepto da sua teoria do grito primal.
Bobby chegou a colaborar
com outras bandas, caso do The Wake, de seu amigo Caesar, tocando
baixo e programando teclados em alguns compactos. E o Primal Scream
chegou a abrir alguns shows para o grupo The Wake.
Mas
a vida de Bobby deu uma guinada quando conheceu o Jesus and Mary
Chain. Bobby andava com Nick Low e Stephen Pastel, líder
dos Pastels, e foi presentado por eles com uma fita, onde havia
algumas canções com um ruído insuportável
e uma doce melodia. Bobby adorou a banda dos irmãos Reid
e disse que deveriam enviar a mesma para a Creation, de seu velho
amigo Alan McGee.
Nessa época McGee
procurava encontrar um grupo que pudesse dar a fama que seu selo
precisava e o Jesus caiu como uma luva. Bobby acabou integrando
o grupo como baterista, mas sem abandonar o Primal Scream.
Bobby vivia um dilema,
pois não queria ser o vocalista. Assim, Jim Battie e Bobby
chamaram uma garota para tocar violino (Judith Boyle) e cantar
algumas melodias. Mas o resultado não agradou e ele jura
que queimaram as fitas gravadas.
Ao mesmo tempo, recrutaram
um baixista de nome Robert Young e o baterista Tom McGurk, solidificando
a primeira formação do Primal Scream.
No dia 11 de outubro de
1984, o Primal Scream fez seu primero show oficial como grupo
abrindo para o Mary Chain, onde Bobby executava uma bateria de
uma maneira totalmente atípica, imitando Moe Tucker, do
Velvet Underground.
O grupo havia gravado uma
demo com as canções "Crystal Crescent",
"Leaves", "It Happens" e "We Go Down
Slowly Rising". No mês seguinte, o Jesus alcança
um grande sucesso com o primeiro compacto, Upside Down,
que rendeu ótimas críticas e boa vendagem para a
Creation.
Em
maio de 1985 é a vez do Primal lançar seu primeiro
compacto, All Fall Down, também pela Creation.
O compacto mostrava uma forte influência dos anos 60.
Após o primeiro
lançamento, o grupo ganhou dois novos integrantes, o guitarrista-base
Paul Harte e o percussionista Martin "Joogs" St. John.
Como sexteto o grupo começou
a gravar novas canções e fazer mais shows.
Em dezembro de 1985, o
Primal Scream participou do programa do radialista John Peel,
tocando quatro canções: "Crystal Crescent",
"Aftermath", "I Love You" e "Subterranean",
essa última jamais gravada ou lançada em disco algum.
Em
fevereiro de 1986, Bobby teve que deixar o Jesus and Mary Chain,
pois a banda precisava de um baterista em tempo integral. Bobby
agora passava a se dedicar apenas ao Primal. Paul Harte logo deixou
o sexteto, desanimado com os pouco ganhos financeiros, entrando
Stuart May. Com essa formação, lançam o segundo
compacto, Crystal Crescent, que foi um completo
fiasco. Ironicamente, a melhor canção estava no
lado B, "Velocity Girl".
Bobby reclamava da falta
de investimento e dizia que se tivesse mais dinheiro para as gravações
lançaria grandes músicas. Apesar disso, "Velocity
Girl", fez um inesperado sucesso e acabou entrando numa famosa
fita do semanário New Musical Express, C86,
dedicada aos grupos estreantes de 1986, a famosa Class of
86.
John
Peel chamou o grupo novamente para seu programa, onde gravaram
três músicas: "Leaves", "Tomorrow
Never Ends" e "Bewitched And Bewildered".
Ao mesmo tempo em que a
fama crescia e o grupo era pressionado a fazer um LP de estréia,
as tensões internas explodiam e McGurk e May deixaram o
grupo, entrando provisoriamente Dave Greenwood e Dave Morgan,
do Weather Prophets.
Alan McGee tentava viabilizar
a gravação do disco, fazendo um acordo com a WEA.
Quando o acordo foi feito a banda entrou no Welsh Rockfield Studios,
com o produtor Stephen Street para gravar seu disco de estréia.
Essas
gravações custaram 40 mil libras esterlinas e foram
um completo fiasco. O grupo teve inúmeros atritos com o
produtor e Jim Battie e Bobby Gillespie criaram inúmeras
confusões e essas sessões acabaram abortadas e aparecendo
em eventuais discos piratas.
A solução
foi chamar uma nova dupla de produtores, o veterano Mayo Thompson
e Pat Collier, que trabalharia como engenheiro. E com eles, o
grupo lançou Sonic Flower Groove.
Com um custo de 100 mil
libras (incluindo as 40 mil da primeira sessão abortada),
o disco foi lançado em outubro de 1987 e foi um grande
fiasco comercial e de crítica.
Ninguém perdoava
o som excessivamente limpo e com muitas referências aos
anos 60, especialmente aos Byrds. O grupo ainda lançou
dois compactos de trabalho, Gentle Tuesday e
Imperial e saiu fazendo shows, novamente com
um novo baterista, Gavin Skinner.
Essa excursão acabou
gerando novas brigas, desta vez entre Jim Battie e Bobby Gillespie.
Jim deixou o grupo, após inúmeras acusações
mútuas.
Sonic Flower Groove,
apesar das inúmeras críticas, possui grandes méritos.
No mínimo, é uma excelente porta de entrada para
que as pessoas conheçam o som dos anos 60, especialmente
de bandas como Byrds e Love, duas das principais paixões
de Gillespie. O disco traz grandes momentos e melodias de "verão",
leves, bem tocadas e altamente positivas, um dos motivos que gerou
inúmeras críticas da ranheta imprensa inglesa, que
esperava um som mais sujo, áspero, sombrio. Na verdade,
todos queriam que o Primal continuasse o que o Jesus fazia.
E o disco havia sido muito
bem produzido, com "Imperial", ganhando o reforços
dos produtores Clive Langer e Colin Fairley, que trabalhavam com
o Madness.
Com o fracasso do disco,
Bobby prometeu mudar os rumos do grupo, o que realmente aconteceu.
Após o lançamento de Primal Scream,
em 1989, o grupo arrebentou a boca do balão com o elogiadíssimo
Screamadelica, em 1991, fazendo uma mistura de
rock com dance music. Gillespie passou para a história
por esse disco e ganhou seguidores e grandes críticos.
Em uma entrevista não
muito antiga, Bobby fez uma análise nada simpática
de sua pessoa, admitindo ser um "grande filho da puta, viciado
em drogas e nada confiável".
O Primal continou gravando
discos elogiados (ou não) e tocando com vários músicos.
Mas o certo é que Sonic Flower Groove,
apesar das inúmeras críticas, segue sendo um bom
disco de estréia, totalmente subestimado até hoje.
Deixo vocês com a
discografia da banda. Um abraço e até a próxima
coluna.
Discografia
All Fall Down (compacto,
1985)
Crystal Crescent (compacto, 1986)
Sonic Flower Groove (1987)
Primal Scream (1989)
Screamadelica (1991)
Give Out But Don't Give Up (1994)
Vanishing Point (1997)
Xtrmntr (Exterminator) (2000)
Evil Heat (2002)
Dirty Hits (2003)
|