309 - Patti Smith - Radio Ethiopia

Radio Ethiopia é o segundo disco de Patti e o favorito de muitos fãs. Apesar de não ter nenhum hit, é o álbum atirou em várias direções, desde o quase pop de "Ask the Angels" (o compacto) até a longa e experimenta faixa-título. O período também marca o mais grave acidente da carreira da cantora, quando caiu do palco e quase ficou tetraplégica. Apesar do pouco sucesso comercial, Radio Ethiopia é mais um belo trabalho de Patti.


O sucesso com Horses havia criado uma cena amplamente favorável para Patti Smith. Alçada à condição de "maior poeta feminina do rock" (termo que sempre detestou), Patti entrou no ano seguinte nos estúdio Record Plant com o produtor Jack Douglas para a gravação do segundo LP, Radio Ethiopia.

Jack Douglas era um veterano do meio, tendo sendo engenheiro de discos como Who's Next, do The Who e Imagine, de John Lennon e havia sido chamado para tentar produzir algumas canções mais acessíveis.

"...e o quinto anjo soou e eu vi uma estrela caindo do céu até a terra; e para ele foi dado a chave do abismo sem fim..."

Assim começava um longo texto de autoria de Patti, escrito em 28 de setembro de 1976, presente no encarte do disco. Segundo Patti, o título se referia aos sonhos de morte que tinha o poeta francês Artur Rimbaud (Jean Nicolas Arthur Rimbaud, 1854-1891), que morreu na Etiópia, onde viveu seus últimos 11 anos.

Jack Douglas teve muito trabalho ao disco. Lenny Kaye (guitarrista do Patti Smith Group e mentor musical da banda) sempre deixou claro que via a banda com a última dentro das tradições dos anos 60, com longas canções desconexas e experimentais. E Douglas teve dificuldades em casar o lado mais pop com esse.

Os dois momentos mais densos eram as duas faixas dedicadas à Rimbaud, "Radio Ethiopia" e "Abysinnia", gravadas ao vivo, no dia 9 de agosto de 1976.

Radio Ethiopia foi lançado em outubro de 1976 e continha oito títulos, a saber:

Lado 1

1. "Ask the Angels" – 3:07
2. "Ain't It Strange" – 6:35
3. "Poppies" (Smith, Richard Sohl) – 7:05
4. "Pissing in a River" – 4:41

Lado 2

1. "Pumping (My Heart)" (Smith, Kral, Jay Dee Daugherty) – 3:20
2. "Distant Fingers" (Smith, Allen Lanier) – 4:17
3. "Radio Ethiopia" (Smith, Lenny Kaye) – 10:00
4. "Abyssinia" (Smith, Kaye, Sohl) – 2:10

Quando editado, o disco causou estranheza. Parte da crítica elogiou e parte desceu a lenha. Patti criticou àqueles que falaram mal, argumentando que havia ouvido pouco o LP.

capa do compacto Ask the Angels capa do compacto Pissing iI A River

Radio Ethiopia é um disco mais performático que Horses, mais teatral. Mais solta como intérprete, Patti lança mão de algumas de suas melhores composições. Assim, vemos a Patti rocker em "Ask the Angels", "Pissing In A River" e "Pumping (At My Heart)", por sinal os três compactos editados do álbum. Repare na curiosa capa " Pissing In A River", como a palavra pissing (mijando) não é escrita totalmente, por ser considerado ofensiva.

Na contra-capa há uma curiosa mensagem de apoio ao guitarrista Wayne Kramer, ex-MC5 (Free Wayne Kramer), e que cumpria sentença por tráfico de cocaína. Wayne conta no livro Please Kill Me, que ao sair da cadeia foi a um show da cantora em Ann Arbor agradecer a mensagem e que ficou decepcionadíssimo com o que aconteceu. Patti já estava vivendo com o ex-parceiro de Wayne no MC5, o também guitarrista Fred "Sonic" Smith, que saiu de perto ao vê-lo. Quando Wayne chegou perto de Patti para agradecê-la, a cantora fez o mesmo. Wayne disse que foi quando percebeu que não era uma mensagem de apoio, mas apenas um alinhamento dela a relação a ele. Segundo Kramer, Patti usou Wayne Kramer para ganhar credibilidade. Magoado, jamais o guitarrista procurou o casal Smith novamente.

Apesar do modestíssimo sucesso comercial - 122ª posição na América - Patti continuou sua saga de shows. E, em um desses, quase morreu. Nesse ponto, peço licença para transcrever trechos do livro Please Kill Me, onde os membros do grupo, o baterista Jay Dee Daugherty e o guitarrista Lenny Kaye detalham o acidente ocorrido em 23 de janeiro de 1977, em Tampa, Flórida.

Jay Dee Daugherty: "Estávamos abrindo para Bob Seger, e não nos deixaram usar todas as luzes deles. Patti tinha se aventurado pela beira do palco durante 'Ain't It Strange', que é um confronto com Deus. É tipo: 'Vamos lá, faça seu melhor lance, posso encarar, seu filho da puta, uma coisa bem desafiadora - sabe como é: 'Escolha as armas.'"

Lenny Kaye: "Patti e eu sempre fazíamos um pequeno ballet no meio de 'Ain't It Strange'. Depois ela cantava a parte da canção que desafiava Deus - 'C'mon God, make a move' (Vamos lá, Deus, faça sua jogada) - e começava a girar.
Estávamos tocando aquilo e estávamos realmente concentrados àquela altura, estávamos improvisado, começando a variar a batida, então Patti está rodopiando, e ela adora rodopiar e tenta agarrar o microfone - e erra."

Jay Dee Daugherty: "Estava escuro, e havia um monitor no chão, que ela não conseguiu ver porque estava pintado de preto. Ela caiu de costas. Vi-a despencar, e meu primeiro pensamento foi: 'Oh, meu Deus, ou ela está morta, ou vai pular pra cima do palco de novo', e daí meu segundo pensamento foi: 'Oh, foda, estou sem um trampo'. Sabe, foi uma coisa muito humana, mas sempre me senti extremamente culpado a respeito disso."

Lenny Kaye: "Os shows estavam ficando cada vez mais malucos. Parecia que não havia outro caminho a não ser o caos total. Quando Patti rodopiou para fora do palco em Tampa e quebrou uma vértebra do pescoço, parece que aquele foi o momento."
Naquele instante o universo começou a se contrair. Tínhamos levado nosso desafio tão longe quanto possível. Até aquele momento era 'Jesus morreu pelo pecado de alguém, mas não pelos meus'.
Depois da queda, ficamos a fim de 'reconciliação'. Deixamos a estrada. Tivemos que cancelar a turnê européia. Ficamos um ano em casa, o ano em que o punk rock tomou conta do mundo. E nós lá, no desvio, completamente frustrados."

Após o acidente, Patti Smith ficou realmente assustada com o acidente, pensando que havia ido muito longe e como conseqüência jamais tocou novamente "Gloria", por não querer mais confrontar Deus.

O ano de pausa a obrigou a repensar algumas coisas, mas também deu tempo de conhecer um jovem de New Jersey, compositor já renomado: Bruce Springsteen. Juntos, escreveriam o maior sucesso comercial da carreira de Patti, "Because the Night". Mas isso é papo para outra coluna. Um abraço e até mais.

Discografia

Horses (1975)
Radio Ethiopia (1976)
Easter (1978)
Wave (1979)
Dream of Life (1988)
Gone Again (1996)
The Patti Smith Masters: The Collective
Peace and Noise (1997)
Gung Ho (2000)
Land 1975-2002 (2002)
Trampin’ (2004)
Twelve (2007)

Patti Smith - Radio Ethiopia


 

 

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