Essa é
a história que se conta: há mais de 25 anos nascia
em Athens, Georgia, uma das mais importantes bandas dos últimos
30 anos. Formado por quatro jovens, entre eles um aficcionado
por anos 60 (Peter Buck) e um rapaz extremamente tímido
(Michael Stipe), o R.E.M. tornou-se um dos mais importantes e
idolatrados grupos da história. E essa lenda começou
a ser forjada com o lançamento do primeiro EP dos rapazes,
Chronic Town. Se você quer saber se esse trabalho é
tão bom dou uma dica aos mais jovens: Chronic Town é
simplesmente o disco que fez Thom Yorke sonhar em ser músico,
o que significa dizer que sem "Gardening at Night" não
haveria "Creep" e nem o Radiohead...
Eles
são ainda hoje a mais importante banda de rock da América,
ainda que tenham se aventurado um pouco com a música eletrônica
nos últimos discos, o que provocou uma certa decepção
de seus mais ardorosos fãs. Mas o R.E.M. é conhecido
pela sua coerência, simpatia e pela incrível capacidade
criar canções absolutamente pessoais e clássicas.
Mais: o R.E.M. possui uma
história bem interessante e que foi construída com
detalhes curiosos, como a famosa igreja em que viveram durante
um tempo com uma amiga e que foi palco da primeira apresentação
do grupo, em meio a uma imensa balbúrdia entre os espectadores,
mais preocupados em procurar drogas do que conhecer as bandas
que lá tocavam. Mas vamos por partes. Antes é preciso
saber como eles travaram conhecimento um do outro.
Peter
Lawrence Buck era um jovem que amava música, tinha uma
guitarra e tinha rodado o país de carona, quando resolveu
trabalhar em uma loja de discos chamada Wuxtry, em Athens, no
estado da Georgia. Foi lá, nessa época (1978), que
começou a reparar em um freguês estranho, que o impressionou
ao entrar abraçados com duas garotas: Michael Stipe. "Ele
pensava que eram minhas namoradas, mas eram minhas irmãs",
lembra o vocalista.
John
Michael Stipe era considerado um jovem extremamente tímido
e misterioso. Parte disso se deve à sua vida nômade
(havia morado em vários estados dos Estados Unidos e na
Alemanha, sempre com sua família) e tinha em suas irmãs
Lydia e Cyndy, suas melhores amigas.
Mas Michael não
vivia em Athens, e sim em Watkinsville, mas com o pretexto de
estudar Artes na Universidade da Georgia, acabou se mudando para
Athens, uma cidade tipicamente de universitários. Logo
Michael e Peter começaram a estabelecer uma amizade, e
ficaram surpresos ao descobrirem que gostavam de várias
coisas em comum, especialmente Patti Smith.
Como Stipe não se
achava tão talentoso para seguir carreira no meio artísitico
e Peter não desejava ficar atrás de um balcão
de loja por muito tempo, resolveram montar uma banda. Só
não sabiam como.
Tudo
começou a se clarear quando apareceu uma dupla formada
por Mike Mills e Bill Berry. Michael Edward Mills vinha de uma
família com um histórico no meio musical - seu pai
era tenor e sua mãe tocava piano e guitarra. Mills era
o típico rapaz "nerd": era bom aluno, sério,
aplicado e tinha medo de drogas ou confusão.
Já William Thomas
Berry era exatamente o oposto disso: falante, articulado, adorava
líquidos "intoxicantes" e desde cedo queria viver
de música. Os dois acabaram se conhecendo no colegial e
como tinham a mesma idade (ambos haviam nascido em 1958), logo
ficaram amigos.
Apesar
de Bill não gostar muito de Mike no começo, os dois
resolveram que deviam se arriscar. Berry já tocava bateria
e Mills, baixo e ambos fizeram parte do Shadowfax e Back Door
Band.
Quando se formaram no colegial,
resolveram viver juntos, alugando um apartamento em Maicon. Mas
como os tempos eram bicudos, Mills foi trabalhar na cadeia de
loja da Sears e Bill na agência de artistas Paragon, onde
estabeleceu alguns contatos que seriam úteis em um futuro
próximo.
As esperanças se
renovaram em 1977, quando Berry conheceu dois irmãos que
tinham vindo da Inglaterra para promover as emergentes bandas
punks. Esses irmãos eram nada menos que Miles e Ian Copeland,
irmãos de um baterista talentoso chamado Stewart Copeland,
fundandor de um promissor grupo chamado The Police. No futuro,
Miles montaria um selo - I.R.S. -, responsável pelos primeiros
lançamentos do R.E.M.
Mas não havia ainda
I.R.S. e Ian acabou ficando frustrado com a missão na conservadora
América. A saída foi formar uma banda com Bill e
Mike, The Frustration. Como não deu em nada, Bill Berry
resolveu que seguiria sua vida como advogado do meio artístico
e foi estudar direito em Athens e Mike foi junto, em 1979.
Enquanto
isso, Stipe e Peter Buck já eram parceiros e viviam juntos
em uma igreja na rua Oconne. Michael gastava boa parte do tempo
escrevendo e tentando convencer Peter a ser guitarrista. Os dois
viviam com uma garota chamada Kathleen O'Brien, amiga de Michael
e que teria um papel fundamental na formação do
R.E.M., por vários motivos.
O primeiro é que
ela era amiga dos integrantes do Wuoggerz, cujo baterista era
ninguém menos que Bill Berry. Quando Michael Stipe conheceu
Bill Berry, pouco ligou para suas habilidades como baterista,
mas ficou fascinado pelas grossas sobrancelhas dele. E assim,
Bill fazia parte da gangue.
Mas
ainda faltava um baixista, solução facilmente encontrada
quando Bill apresentou Mike Mills aos demais. Só que o
primeiro encontro foi um desastre, pois Mills estava completamente
bêbado e Stipe não o queria na banda de maneira alguma.
No entanto, os quatro ficaram
amigos e foram todos viver na igreja e começaram a escrever
as primeiras canções. A vida dos garotos era então
movida a ensaios e festas dentro do local, onde enchiam a cara,
tomavam drogas e conheciam pessoas.
A virada aconteceu quando
Kathleen O'Brien resolveu fazer uma grande recepção
na igreja, no dia 5 de abril de 1980, quando comemorava seu aniversário.
Kathleen resolveu convidar duas bandas locais para tocarem no
dia: The Side Effects e o jovem quarteto que se apresentou naquele
dia como Twisted Kites (embora algumas biografias digam que o
quarteto não tinha nome algum e que também na festa
havia tocado o Men In Tree).
Nessa
época, os quatro já tinha composto 12 músicas.
O grupo dividiu a apresentação em dois sets e essas
são (provavelmente) as canções apresentadas:
Primeiro Set: - "I Can't Control Myself / God Save The
Queen / Narrator / Just A Touch / Baby I / Action / Needles And
Pins / Hippy Hippy Shake / There She Goes Again / All The Right
Friends / Shakin' All Over / Secret Agent Man / A Girl Like You
/ Permanent Vacation / I Can Only Give You Everything / Dangerous
Times / Different Girl / Mystery To Me / (I'm Not Your) Steppin'
Stone / Lisa Says / Nervous Breakdown / Schéhérazade".
Segundo set: - "Honky Tonk Women / One Nation Under A Groove
/ Roadrunner / California Sun / Gloria".
Rodger Lyle Brown, autor
do livro Party Out of Bonds, que conta a cena
local naqueles tempos, esteve na festa e relembra alguns detalhes:
"eu me lembro que Kath quis realmente fazer algo especial
naquela noite. Ela lavou toda a igreja, organizou tudo, chamou
bandas e fez enormes anúncios. Foram centenas de pessoas,
mas não, obviamente todas que juram. Obviamente ninguém
fazia idéia de como aquela noite seria importante para
o rock, porque todos só queriam beber, tomar drogas e namorar.
Ninguém foi lá para ver banda alguma, entende?"
Na época, a grande
banda local era nada menos do que o The B-52's, que havia lançado
o disco de estréia em 1979 e era a febre local. O nome
do livro é tirado justamente de uma canção
desse disco.
Embora bastante crus, os
quatro começaram a construir a personalidade sonora: em
primeiro plano entravam as guitarras dos anos 60 de Peter com
Michael Stipe cantando, em voz baixa, quase miando, algumas das
mais estranhas e impenetráveis letras já escritas.
A
banda começou a encarar a vida com seriedade em julho de
1980, quando Jefferson Holt marcou um concerto na Carolina do
Norte para o Pylon. Como eles não puderam comparecer, Holt
acabou convidado o quarteto, já então batizado de
R.E.M. (uma abreviação de "Rapid Eyes Movement",
um dos estágios do sono). Como já havia uma banda
também com esse nome, rapidamente resolveram registrar
o nome.
A estrada acabaria sendo
a nova casa da banda nos próximos dois anos. Sempre a bordo
de um velho dodge verde, os integrantes se apresentavam em todos
os locais disponíveis.
Em 1981, o grupo acabaria
voltando para a Carolina, mas para encontrar Mitch Easter, produtor
e líder do grupo Let's Active, dono de um estúdio,
onde gravaram uma demo que continha a canção "Radio
Free Europe". A canção foi lançada pela
Hibbert, propriedade de Johnny Hibbert, e que havia acabado de
montar seu selo.
Apesar
dos problemas na mixagem do compacto, Radio Free Europe
conseguiu vender mais de mil cópias e o semanário
Village Voice elogiou a canção como "um
raro exemplo de punk rock feito na América."
O compacto deu mais confiança
ao grupo. A banda então se separou de Hibbert, formando
uma parceria com Bertis Down, um jovem advogado, que trabalharia
no começo sem dinheiro, mas que acabou criando uma companhia
- R.E.M./Athens Ltd. - no qual é o responsável até
hoje.
O grupo começou
a procurar uma gravadora e foi aí que reencontraram Ian
Copeland, que havia ouvido e gostado do compacto de estréia,
diferente do seu irmão Miles, chefe da I.R.S., que não
ficou tão impressionado. Mas Miles pediu que seu assistente
Jay Boberg procurasse Mitch Easter para saber se haviam feito
outras gravações. Quando ouviram, rapidamente assinaram
com o grupo. No dia 31 de maio de 1982, o R.E.M. entrava para
o selo.
Utilizando cinco canções
gravadas com Mitch Easter, no Drive In Studio, em outubro de 1981,
o R.E.M. lança o EP Chronic Town, uma
das mais belas estréias de uma banda iniciante.
O
disco trazia cinco canções - "Wolves, Lower";
"Gardening At Night"; "Carnival Of Sorts (Box Cars)";
"1,000,000" e "Stumble", mostrava uma banda
iniciante talentosa, misturando ecos de anos 60 com a simplicidade
do punk.
Utlizando um gárgula
da catedral de Notre Dame de Paris, como foto principal, o R.E.M.
mostrava uma grande força melódica. O EP seria tocado
exaustivamente nas college radios e o grupo acabaria
criando um culto e um clip de "Wolves, Lower" seria
gravado.
Apenas uma curiosidade:
Chronic Town foi lançado em CD, mas como
bônus do disco Dead Letter Office, de 1987.
Apesar do nome não constar na capa, lá estão
o encarte completo - capa, contra-capa e ficha técnica
- e as músicas são as cinco últimas - exatamente
da número 16 até 20. Por isso, se puder importar
esse disco, saiba que estará levando dois por um. Resumindo:
imperdível!
Esse
seria o primeiro passo para uma carreira de sucesso. Com uma forte
presença de palco (a despeito da timidez de Stipe), um
ótimo repertório de covers e muito talento para
escrever novas canções, o R.E.M. iria formando lenta,
mas progressivamente, uma carreira que faria deles o principal
nome da América nos anos 80. O seguimento dessa brilhante
carreira é papo para outro dia. Fiquem com a discografia
da banda. Um abraço e até a próxima coluna.
Discografia
Chronic Town (1982)
Murmur (1983)
Reckoning (1984)
Fables of Reconstruction (1985)
Lifes Rich Pageant (1986)
Dead Letter Office (1987)
Document (1987)
Eponymous (1988)
Green (1988)
Out Of Time (1991)
The Best of R.E.M. (1991)
Automatic for the People (1992)
Monster (1994)
R.E.M.: Singles Collected (1994)
The Automatic Box (1995)
New Adventures in Hi-Fi (1996)
In the Attic: Alternative Recordings 1985-1989 (1997)
The Best of R.E.M. (1998)
Up (1998)
Reveal (2001)
In Time: The Best of R.E.M. 1988-2003 (2003)
Around the Sun (2004)
And I Feel Fine... The Best of the I.R.S. Years 1982-1987 (2006)
R.E.M. Live (2007)
Acelerate (2008)
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