463 - Ritchie - Vôo de Coração

Em 1983, as rádios brasileiras foram varridas por uma menina fatal, com um jeito sereno de ser. O cantor era um estranho, de nome Ritchie, um britânico que morava no Brasil há 10 anos. Richard David Court havia sido professor de inglês, integrante de um grupo de rock nos anos 70, ao lado de Lulu Santos e Lobão - Vímana - e entraria com tudo no estrelato, graças a "Menina Veneno" a grande canção do pop brasileiro da época, ao lado de "Você Não Soube Me Amar', da Blitz, maciçamente tocada em AMs, FMs e motéis de todo o país. O tremendo sucesso levaria ao lançamento do LP Vôo de Coração, um perfeito exemplo do pop brasileiro oitentista e com vendas superiores a 1 milhão de cópias.


"Menina Veneno" se tornou tão popular que acabou criando enormes problemas para Ritchie, pois a gravadora exigia que todas as canções fossem iguais.

Mas quem era ele ou como um inglês radicado no Brasil havia conseguido fazer a grande canção dos anos 80 até então?

Ritchie é, na verdade, Richard David Court, nascido em Beckenham, no condado de Kent, no sul da Inglaterra, no dia 6 de março de 1952, filho de um militar e que abraçou o mundo musical aos 20 anos, como flautista.

Acabou se juntando ao grupo Everyone Involved, com quem lançou um disco - Either/Or - e acabou conhecendo um grupo de brasileiros, em Londres: Lucinha Turnbull, Sandra Werneck, Rita Lee e Liminha, sendo os dois últimos integrantes dos Mutantes.

Ritchie se deu tão bem com eles, que mesmo falando quase nada de português, desembarcou de mala e cuia em São Paulo, no final de 1972. Formou o Scaladácida com Fabio Gasparini (guitarras), Sérgio Kaffa (baixo), e Azael Rodrigues (bateria), mas sem visto de trabalho no país, resolveu se mudar para o Rio de Janeiro com a esposa Leda Zucarelli.

Como não podia gravar, se virou da maneira mais óbvia, dando aulas de inglês. Alguns de seus alunos eram músicos brilhantes, como Gal Costa, Egberto Gismonti e Paulo Moura.

Com o visto já regularizado, embarcou em vários grupos, como Soma, A Barca do Sol, onde foi despedido por sugerir que cantasse na banda, ao invés de ser apenas o flautista. Acabou parando em outra banda, o Vímana, grupo de rock progressivo, formado pelo guitarrista Lulu Santos, pelo baterista Lobão, além do baixista Fernando Gama e do tecladista Luiz Paulo Simas. Ritchie seria o vocalista e flautista.

Em 1977, lançam o único compacto, Zebra, pela Som Livre. Após o compacto, totalmente ignorado, a banda serviu de apoio para o tecladista Patrick Moraz, ex-Yes, até se dissolver em 1978. Frustrado, Ritchie voltou a dar aulas de inglês.

O futuro estava incerto quando recebeu um telefone de Jim Capaldi, baterista do Traffic, que morava no Rio, terra de sua esposa, em 1980.

Jim o convidou para ser vocalista e arranjador do seu álbum, Let the Thunder Cry. Ritchie ficou extasiado com o time de feras no disco: Steve Winwood (Traffic), Andy Newmark (John Lennon etc.), Simon Kirke (Free, Bad Company), Reebop Kwaaku Bah (Traffic) e Mel Collins (King Crimson).

As gravações ocorreram em Londres e deu novo ânimo para Ritchie voltar ao Brasil e tentar nova investida. O primeiro passo foi ligar para Bernardo Vilhena, a quem havia conhecido nos tempos de Vímana.

A idéia era escreverem músicas em português. Juntos, escreveram "Menina Veneno" e graças ao apoio de um de seus alunos, Liminha, gravaram uma demo, em 4 canais.

A canção animou Ritchie que, novamente com o apoio dos amigos - entre eles, Steve Hackett ex-Genesis -, gravaram uma fita em 8 canais, para o selo independente, Vinyl. A fita acabaria caindo nas mãos da CBS, que adorou e resolveu editar "Menina Veneno" como compacto, em 1983.

O sucesso foi estrondoso, com quase 1 milhão de cópias comercializadas e a execução maciça nas rádios do Brasil.

Ritchie conta que sonhou com a melodia, ligou para Bernardo e, em 20 minutos, a escreveram. Resolveu mostrar para Liminha e juntos trabalharam nela e Ritchie arrumou a letra, sendo essa sua segunda em português.

Ele acabaria chamando a atenção do público pela belíssima composição e pelo fato de cantar tão bem em português, sendo inglês. Seu sotaque seria percebido apenas em entrevistas. No mesmo ano é editado o LP Vôo de Coração.

Vôo de Coração teve cinco grandes sucessos - "Menina Veneno", "A Vida Tem dessas Coisas", "Casanova", "Pelo Interfone", e a canção-título. Acabou sendo um enorme sucesso de venda e de público, com vendas superiores a 1 milhão de cópias.

Para as gravações, foram chamados os seguintes músicos:

Ritchie: Voz, Casio MT40, Flauta
Lulu Santos: Guitarras
Liminha: Guitarras e Baixos
Steve Hackett: Guitarras
Lauro Salazar: Piano, Sintetizadores
Lobão: Bateria
Zé Luis: Sax
Chico Batera: Percussão
Ana Leuzinger: Vocal
Marisa Fossa: Vocal
Paulinho Soledade: Vocal
Sonia Bonfá: Vocal

O LP trazia as seguintes faixas:

Lado A

01. "No Olhar"
02. "A Vida Tem Dessas Coisas
03. "Vôo de Coração
04. "Casanova
05. "Menina Veneno"

Lado B

01. "Preço do Prazer"
02. "Pelo Interfone
03. "A Carta (The Letter)"
04. "Parabéns Pra Você"
05. "Tudo Que Eu Quero

O sucesso de "Menina Veneno" foi tão grande que a CBS exigiu uma versão em espanhol para a América Latina, que acabou impulsionando uma excursão pelo continente. Vôo de Coração marcou o megasucesso, coisa que Ritchie jamais repetiria e que acabou sendo uma maldição quando os próximos LPs falharam em vender tanto quanto o primeiro, embora possuíssem boas músicas.

Em 2008 o disco foi reeditado em CD, comemorando 25 anos de lançamento e trazendo 4 faixas extras: "Baby Meu Bem (Te Amo)", "Mi Niña Veneno", "The Letter" e "Vôo de Coração (Versão 2008)".

Deixo vocês com a discografia de Ritchie. Um abraço e até a próxima coluna.

Discografia

Vôo de Coração (1983)
E a Vida Continua (1984)
Circular (1985)
O Melhor de Ritchie (1985)
Loucura e Mágica (1987)
Pra Ficar Contigo (1988)
Sexto Sentido (1990)
Tigres de Bengala (1993)
Auto-Fidelidade (2002)
Outra Vez (ao vivo no estúdio) (2009)
60 (2012)


 

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